O Brasil comemorou a 11 de
Setembro o 35.º aniversário do seu Código de Defesa do Consumidor (CDC).
O CDC constitui, na realidade,
um momento de ruptura com os velhos textos que de todo desprotegiam os sujeitos
feridos de uma qualquer vulnerabilidade.
O CDC é, diz-se,
principiológico, susceptível de abarcar a evolução operada em qualquer dos
domínios.
Cremos, porém, com a Prof.ª
Lais Bergenstein, que o CDC se acha vocacionado para a sociedade analógica e
que exige, sob novas roupagens, distintos instrumentos para a sociedade digital
que irrompeu em começos de 2000.
De qualquer sorte, o CDC é um
autêntico monumento de cidadania que revolucionou, no momento em que surgiu, o
direito vigente no Brasil.
E vem-se afirmando, nem sempre
de modo congruente, como o revelam os observadores mais atentos, do Óiapoque ao
Chuí.
A codificação do direito
representa relevante passo na eliminação das excrescências normativas, na
redução dos dispositivos, na fusão de regras, na concentração de normas,
tendencialmente num só texto.
O código francês (Code de la
Consommation) de 1992, que não é um código de raiz, antes um código-compilação,
à “droit constant”, assenta num modelo aberto, susceptível de receber, a cada
instante, as inovações legislativas que se vertenrem no ordenamento em razão
dos avanços das tecnologias e das soluções que lhes quadram. Um código, afinal,
em permanente actualização e que dispensa, a seu modo, a legislação
extravagante que prolifera um pouco por toda a parte.
Em Portugal, reclamámos
institucionalmente desde 1988 a codificação do Direito do Consumo, dada a sua
expressão e a profusão de diplomas legais que se foram acrescentando a uma
malha inextricável que tornaria cada vez mais difícil a sua localização.
Em 1996, o Governo de então
entendeu “dar-nos ouvidos” e designou uma comissão para o efeito, cometendo a
alguém, de fora destas lides, a sua presidência.
Dez anos depois surge um
anteprojecto com mais de 800 artigos que muitos consideraram uma autêntica
aberração jurídica com críticas expressas de todos os quadrantes, de Menezes
Leitão a Jorge Pegado Liz.
Quatro anos mais tarde, após
retoques de expressão vária, veio a lume o projecto a que Fernando
Serrasqueiro, secretário de Estado da Defesa do Consumidor, entendera fazer um
“veto de gaveta”.
Perdeu-se assim uma enorme
oportunidade de dotar o ordenamento português de um instrumento jurídico
unívoco, relegando para o cesto das inutilidades miríades de diplomas que se
repetem, anulam, contradizem e constituem pasto das maiores tormentas para
especialistas e, sobretudo, para o universo de consumidores a que se dirigem.
A despeito de insistentes
propostas, os poderes permanecem insensíveis a uma tal iniciativa como se o
“statu quo” de todo servisse os interesses em presença.
No Brasil prevaleceu a
celeridade que uma enxuta comissão presidida por essa notável figura de
jurisconsulto, a Prof.ª Ada Pellegrini Grinover, e constituída por
personalidades de relevo, então e depois, como Brito Filomeno, Kazuo Watanabe,
Zelmo Denari, António Herman de Vasconcellos e Benjamin, Daniel Robert Fink e
Nelson Nery Júnior, soube imprimir aos trabalhos em obediência a um mandamento
constitucional emanado do Texto de 1988.
Em Portugal, a lassidão, o
arrastar de um processo que culminou no pior dos serviços prestados à
cidadania, com os reflexos ainda hoje subsistentes.
Uma Lei-Quadro coxa e diplomas
avulsos em quantidade inabarcável que tornam o direito do consumo inacessível.
Não haverá quem, com a noção
do que ocorre, entenda desencadear iniciativa tendente a dar à estampa um
Código, ao menos de Contratos de Consumo, dada a profusão de textos avulsos?
Não há ninguém no Parlamento
ou no Governo que “compre” uma tal ideia e se determine a “chegar à frente”?
É tempo! É hora!
E, no ensejo, um aprimorado cartão
de parabéns a quantos constroem quotidianamente, no Brasil, um direito que é,
afinal, o direito do dia-a-dia, alimentado nos distintos segmentos de mercado
por miríades de relações de consumo a que há que oferecer respostas
consequentes para que a dignidade do consumidor se alce a direito fundamental,
como emerge dos textos.
Aos supérstites, aos
sucessores desse extraordinário legado, as nossas homenagens!
Mário Frota
presidente emérito da apDC –
DIREITO DO CONSUMO - Coimbra