‘INFORMAR PARA
PREVENIR’
‘PREVENIR PARA NÃO
REMEDIAR’
29 de Abril de 2025
INTRÓITO
VL
Fala-se
de um novo direito que uma Directiva do Parlamento Europeu consagra, que ó o
Direito à Reparação.
Em
que consiste, afinal, um tal Direito?
MF
A Directiva de 13 de
Junho de 2024 que rege em matéria de Direito à Reparação assenta na premissa do
Consumo Sustentável.
E diz no seu preâmbulo:
“A fim de reduzir a
eliminação prematura de bens viáveis adquiridos pelos consumidores e
incentivá-los à utilização dos seus bens durante mais tempo, é necessário
reforçar as disposições relativas à reparação de bens, permitindo que os
consumidores solicitem uma reparação a preços acessíveis junto do prestador de
serviços de reparação da sua escolha. A reparação deverá resultar num consumo
sustentável, uma vez que é susceptível de gerar menos resíduos causados por
bens descartados, uma menor procura de recursos, incluindo energia, necessários
ao processo de fabrico e venda de novos bens para substituir os bens
defeituosos, bem como uma redução das emissões de gases com efeito de estufa. A
Directiva promove o consumo sustentável com vista a obter benefícios para o
ambiente, através da promoção de um ciclo de vida dos bens que inclua a reutilização,
a reparação e o recondicionamento, com benefícios também para os consumidores,
evitando custos associados a novas aquisições a curto prazo.
VL
A aí não conta o
comportamento do consumidor?
MF
E a Directiva diz mais no
seu preâmbulo: O comportamento do consumidor caracteriza-se por uma grande
variedade de circunstâncias. Na escolha entre a reparação e a aquisição de um
novo bem, desempenham um papel importante diversos critérios de decisão, como a
conveniência económica, a durabilidade, a disponibilidade e a proximidade de um
serviço de reparação, bem como o tempo necessário para a reparação. Vários
obstáculos podem impedir os consumidores de optarem pela reparação.
A Directiva visa eliminar
alguns desses obstáculos.
O Regulamento (UE)
2024/1781 do Parlamento Europeu e do Conselho prevê, em especial, requisitos do
lado da oferta que têm por objectivo promover uma concepção mais sustentável
dos produtos na fase de produção. A Directiva (UE) 2024/825 do Parlamento
Europeu e do Conselho prevê requisitos do lado da procura que asseguram a
prestação de uma melhor informação sobre a durabilidade e a reparabilidade dos
bens no ponto de venda, o que deverá permitir que os consumidores tomem
decisões de compra sustentáveis e informadas.
A presente Directiva visa complementar esses
requisitos do lado da oferta e do lado da procura mediante a promoção da
reparação e da reutilização na fase pós-venda, fora da responsabilidade do
vendedor. Além disso, a Directiva da Compra e Venda dos Bens de Consumo de 20
de Maio de 2019 deverá ser alterada no sentido de promover a reparação no
âmbito da responsabilidade do vendedor. Por conseguinte, a presente directiva
procura alcançar os objectivos de promover um consumo mais sustentável, uma
economia circular e a transição ecológica, no contexto do Pacto Ecológico
Europeu.
VL
No
entanto, deparam-se-nos situações como as que um consumidor relatou
recentemente, quando nos diz que:
“Comprou,
há quatro anos, um termoacumulador no Leroy Merlin, em Coimbra.
O
electrodoméstico avariou-se agora.
Deslocou-se
à empresa para que o fossem reparar “a casa” ou desinstalar para reparação na
oficina de assistência da marca.
Resposta
do responsável de loja: “não temos técnicos, não prestamos assistência; a
solução é comprar outro”.
E
qual é aqui a solução?
MF
Nesse caso, já o dissémos:
1. A Lei-Quadro de Defesa do Consumidor estabelece
imperativamente: “é vedada ao fornecedor de bens… a adopção de quaisquer
técnicas que visem reduzir deliberadamente a duração de vida útil de um bem de
consumo a fim de estimular ou aumentar a substituição de bens ou a renovação da
prestação de serviços que inclua um bem de consumo.” (Lei 24/96: n.º 7 do art.º
9.º).
2. Tal lei prescreve ainda:
“O consumidor tem direito
à assistência [pós-venda], com incidência no fornecimento de peças e
acessórios, pelo período de duração média normal dos produtos fornecidos.” (Lei
24/96: n.º 5 do art.º 9.º).
3. A Lei da Compra e Venda de Consumo de 2021 (“serviço
pós-venda e disponibilização de peças”) dispõe consequentemente, entre
outros, que:
Sem prejuízo do cumprimento dos deveres inerentes à
responsabilidade do fornecedor ou do produtor pela não conformidade dos bens, o
produtor é obrigado a dispor das peças necessárias à reparação dos bens
adquiridos pelo consumidor, durante o prazo de 10 anos após a colocação em
mercado da última unidade do bem respectivo.
No momento da celebração do contrato, incumbe ao fornecedor informar o consumidor da
existência e duração da obrigação de disponibilização de peças aplicável e, no
caso dos bens móveis sujeitos a registo, da existência e duração do dever de
garantia de assistência pós–venda (DL 84/2021: art.º 21).
a. A obsolescência precoce faz incorrer o produtor em crime
sujeito a pena de prisão até um ano e multa não inferior a 100 dias (DL 28/84:
al- b) do n.º 1 do art.º 23).
4. A denegação da assistência, a que se acha vinculado o
fornecedor, constitui contra-ordenação económica grave susceptível de variar
consoante a dimensão da empresa:
Micro - 1 700 a 3
000 €;
Pequena - 4 000 a 8
000 €;
Média - 8 000 a 16 000 €;
Grande - 12 000 a 24
000 €;
Para infracções transversais a nível europeu, cálculo com
base em 4% do volume anual de negócios, salvo se tal se não puder apurar,
circunstância em que o máximo cifrar-se-á em 2 000 000 € (DL 84/2021: al. f) do
n.º 1 do art.º 48; DL 9/2021: al. b) do art.º 18).
II
CONSULTÓRIOS
i.
Manuela Cruz –
Azambuja
Terminei
há um ano o meu contrato com a Endesa. Pagava factura a factura. Em Outubro,
por motivos pessoais, que ainda não estão resolvidos, tive de mudar de casa e
deixei por pagar uma factura. Nunca mais me lembrei, mas esta semana,
ligaram-me do departamento do contencioso para pagar. Professor, já passou um
ano, tenho mesmo de pagar?
MF
É certo que o tempo é
como que uma borracha que apaga os números da factura. Desde que o prazo comece
a correr, a borracha vai apagando com cada vez maior intensidade os números.
Aos seis meses, os números desaparecem. Os números que os credores poderão
exigir perante os tribunais. Mas não basta que os números se apaguem. É preciso
que o pretenso devedor diga ao credor (águas, energia, comunicações, etc.) que
os números já não se vêem. Ou seja, torna-se indispensável que o consumidor
invoque, tanto em juízo, como fora dele, consoante os casos, que a dívida
prescreveu.
A prescrição das dívidas
de serviços essenciais é de 6 meses.
Como é de seis meses a
caducidade do direito à diferença do preço. (Se, por exemplo, o fornecedor
deveria cobrar 100, mas só cobrou 10, a diferença, que é de 90, não poderá ser
exigida judicialmente para além dos seis meses). Como que se apaga também o
direito à diferença do preço.
A ERSE (Entidade
Reguladora do Sector Energético) diz que o consumidor tem de invocar sempre
tanto a prescrição como a caducidade. Por ser só de iniciativa do consumidor
fazê-lo. Ou seja, o tribunal não pode tomar isso em consideração se o
consumidor o não disser na sua defesa, se for o caso.
Para a prescrição será. E
a ERSE tem razão.
Para a caducidade do
direito à diferença do preço entende o Supremo Tribunal de Justiça (e parece
que bem!), no acórdão (que é uma decisão colegial) de 3 de Novembro de 2009
(Conselheiro Paulo de Sá) que “a interpretação conjugada dos artigos 10.º e
13.º da Lei dos Serviços Públicos Essenciais aponta no sentido de que a
caducidade é, aqui, de conhecimento oficioso”.
E diz mais: “a caducidade
extingue o efeito jurídico do direito em virtude de um facto jurídico stricto sensu, independente de qualquer
manifestação de vontade”.
Se de um lado a passagem
do tempo apaga a dívida, devendo o consumidor dizer em voz alta que a dívida se
foi (para se apagar de vez…), do outro, o direito à diferença do preço cai de
pôdre pelo decurso do tempo… E, aqui, não é preciso dizer nada, que o tribunal
o reconhece por dever de ofício.
De qualquer modo, e à
cautela, será bom vincar sempre (no lugar próprio: por carta ou na defesa na
acção ou na oposição à injunção) que o direito do fornecedor “já era”! Para não
haver surpresas.
Pelo sim, pelo não, deve
o consumidor dizer que já passaram os seis meses e, por isso, consoante os
casos, a dívida ou prescreveu ou caducou.
Claro que a lei também
estabelece a caducidade do direito de acção, ou seja, as empresas de serviços
públicos essenciais não podem, sob pena de caducidade do seu direito à acção,
propor acções ou requerer injunções mais de seis meses após os fornecimentos.
Sob pena de litigância de má-fé!
E a caducidade do direito
de acção também é de conhecimento oficioso, quer dizer, o tribunal declara que
a acção é intempestiva, foi intentada fora de tempo, sem qualquer hipótese de condenar o
consumidor a pagar. E a caducidade do direito de acção, ainda que o consumidor
não haja invocado, como lhe competia, a prescrição da dívida, como que absorve a
prescrição. O juiz absolve do pedido o consumidor.
Claro que fica uma
obrigação natural. Que não pode ser judicialmente exigível. A prescrição de
curto prazo é decretada por razões de segurança jurídica, para não haver
desequilíbrio dos orçamentos domésticos.
É uma forma de castigar a
negligência ou a má organização das empresas.
Já o pagamento de uma
obrigação natural, espontaneamente pelo c0nsumidor, sem a isso ser forçado,
corresponde a um dever moral ou de justiça.
Se pagar, não pode depois
tornar a pedir o indevidamente pago. A lei diz ”não pode repetir (tornar a
pedir) o indevido!
Fique, pois, o
esclarecimento.
ii.
Sónia Cerqueira – Arruda dos Vinhos
Professor,
tenho acompanhado o podcast, e tenho uma pergunta: Há dias comprei numa loja de
bairro um garrafão de azeite, não dizia de onde era, apesar do vendedor
assegurar que era do Alentejo. Comprei, mas tive receio e quis devolver. O
vendedor não aceitou, embora nunca tivesse aberto o garrafão. Professor é ou
não obrigado a aceitar de volta o garrafão e devolver-me o dinheiro? É que só passou
uma semana.
MF
A rotulagem dos azeites e
do óleo de bagaço de azeitona referidos incluirá, de forma clara e indelével,
além da denominação de venda em conformidade com o artigo 35.o do Regulamento
n.º 136/66/CEE, a informação seguinte sobre a categoria de azeite:
a) Azeite virgem extra:
"azeite de categoria superior obtido directamente de azeitonas, unicamente
por processos mecânicos";
b) Azeite virgem:
"azeite obtido directamente de azeitonas, unicamente por processos
mecânicos";
c) Azeite - contém azeite
refinado e azeite virgem: "azeite constituído exclusivamente por azeites
submetidos a um tratamento de refinação e por azeites obtidos directamente de
azeitonas";
1. A designação da origem só pode
figurar na rotulagem do azeite virgem extra e do azeite virgem.
Para efeitos do presente
regulamento, entende-se por "designação de origem" a menção de um
nome geográfico na embalagem ou no rótulo que lhe está ligado.
3. Se o azeite não
contiver na rotulagem as indicações da lei, poderá recusá-lo e de houver
resistência poderá usar o livro de reclamações para que a ASAE actue
consequentemente.
4. Porém, se o azeite estiver
conforme, a venda em estabelecimento é uma venda firme, não está sujeita a
qualquer devolução por mera vontade do
consumidor, a menos que se trate de uma venda a contento ou sujeita a prova,
que em princípio se não aplica a estas situações.
5. Se não houver qualquer
falha a apontar ao comerciante ou ao produto, não tem o direito à devolução
porque a lei lhe não dá esse direito.
Tem razão, pois, no caso,
o comerciante.
iii.
Santos Lopes – Vila Nova de S, Pedro
Vivo
numa pequena aldeia onde o padeiro ainda deixa o pão na porta. Tudo correu bem
até que há dias, veio um padeiro novo e deixou-me mais do que devia, apesar de
lhe ter dito qual a quantidade certa dia-a-dia. Facturou-me isso, mas como pago
ao mês, não tenho como provar que deixou a quantidade a mais que quer receber.
O que aconselha? Não é pelo valor, apenas pela atitude.
MF
Nestes casos, e até se
admite que seja por mero lapso, o melhor é ter uma conversa serena e franca com
o fornecedor (o modesto distribuidor de pão). A fim de o levar a ter mais
cuidado, dizendo-se que só lhe competiria pagar o que encomendou.
Que não é devida qualquer
importância pelo pão a mais que lhe deixou e que não fora objecto da encomenda.
Mas que se acautele e não
torne a fazê-lo. Porque decerto custará a mais ao padeiro suportar pelas suas
forças o valor dos pães não solicitados bem encomendados do que a si.
De qualquer modo, a
atitude dele não está correcta e pode até ser responsabilizado por isso – há
coimas também para fornecedores individuais. Mas creio que bastará a
aasvertência.
iv.
Cíntia Mateus – Vila Franca de Xira
Professor, há dia a MEO
cobrou-me cerca de 23 centavos por uma chamada que nem sequer fiz.
Tentei ligar para um 808,
mas não tocou e ninguém atendeu. Agora o que dizem é que tenho de pagar porque
existiu uma chamada. Já pedi a listagem das chamadas, nas também aí dizem que
tenho de pagar. Quais são os meus direitos?
MF
Também a mim me vem
sucedendo esse notório abuso da MEO.
E até já o dissemos com
base numa uma situação em que o valor cobrado fora de 1,34, que se a MEO fizer
essa ‘gracinha’ com cada um dos seus clientes, uma só vez por mês, ao longo de
um ano, arrecadará um lucro ilícito de € (euros) 80 4000 000, o que mostra bem
que “de tostão em tostão é fácil chegar-se
ao milhão”…
E que o enriquecimento
injusto é uma realidade, uma triste realidade, que faz com que enriqueçam na
casa dos milhões na exacta medida em que cada um de nós empobrece ainda que em
alguns cêntimos. Mas é preciso tudo fazer para que não encham o papo de grão em
grão. Nem construam o ninho de raminho em raminho…
Se não conseguir
reclamar, vá a um ponto de venda e peça o Livro de Reclamações para ai lavrar o
seu protesto.
A cobrança de valores não
devidos constitui crime de especulação, previsto e punido pela Lei Penal do
Consumo, no seu artigo 35: prisão de seis meses a 3 anos e multa não inferior a
100 dias.
De todo o modo, deve
reclamar à ANACOM, a entidade reguladora, dizendo exactamente isso que é o
sentimento de todos os consumidores: ninguém consegue reclamar por telefone
para a MEO. O serviço de reclamação por telefone é uma fraude.
v.
Ana Santos – Marinha Grande
Olá, Professor, vou expor
o meu caso:
Comprei uma jarra no
espaço CASA e, no dia seguinte,
desloquei me ao mesmo para fazer a devolução.
No balcão disseram que
não devolviam o dinheiro. Só através de um vale para gastar na loja.
Não acho normal a loja
recusar-se a devolver o dinheiro de um artigo que o cliente não está
satisfeito. Isto é legal?
MF
A menos que o negócio
haja sido feito sob qualquer das modalidades da venda a contento ou sujeita a
prova, o que não parece ser o caso, não tem direito à devolução. E a menos
ainda que a jarra não padeça de qualquer vício de não conformidade.
Por força do artigo 406
do Código Civil, os contratos, se não houver excepções e, ao que parece, não
há, terão de ser pontualmente cumpridos, isto é, ponto por ponto. E não podem
desfazer-se senão nos casos revistos por lei. O que não é, ao que parece,
patentemente o caso.
Logo, o darem-lhe um vale para compras futuras é, com
efeito, uma situação de favor. De um favor que o comerciante lhe concede.
Aceite porque nem a isso tinha direito.
vi.
Leonel Sousa – Forte da Casa
Viva,
Professor! Há dias pedi um orçamento para colocar pastilhas no carro. Deram o
orçamento de 150 euros + IVA. Quando fui colocar as pastilhas cobraram-me 250
euros. Muito vais que o valor + iva. A justificação foi que o orçamento tinha
um valor, mas nunca me disseram isso. Estamos perante uma ilegalidade?
MF
No que toca a
orçamentos, rege o DL 10/2015, de 16 de Janeiro, que estabelece, no seu artigo
39:
“Se o preço
não for pré-determinado nem for possível indicá-lo com precisão, o
prestador de serviços - em função da concreta prestação a que se obriga - ,
fornecerá, a instâncias do cliente, um orçamento detalhado de que conste:
§ Nome, morada do
estabelecimento, número de telefone e endereço electrónico;
§ Identificação fiscal
e número de registo que consta na Conservatória do Registo Comercial do
prestador de serviços;
§ Nome, domicílio e
identificação fiscal do consumidor;
§ Descrição sumária
dos serviços a prestar;
§ Preço dos serviços a
prestar, o que deve incluir:
§ Valor da mão-de-obra
a utilizar;
§ Valor dos materiais
e equipamentos a utilizar, incorporar ou a substituir;
§ Datas de início e
fim da prestação do serviço;
§ Forma e condições de
pagamento;
§ Validade do
orçamento.”
O orçamento,
pela sua natureza e conteúdo, deve ser prestado em suporte duradouro (em
papel ou em qualquer outro
suporte).
O orçamento
pode ser gratuito ou oneroso.
Se for
oneroso, o preço não pode exceder os custos efectivos da sua elaboração,
calculados “milimetricamente”.
O preço pela
elaboração do orçamento descontar-se-á do preço do serviço sempre que tal vier
a ser prestado.
O orçamento
obriga o prestador de serviços nos seus precisos termos, tanto antes como após
a aceitação expressa pelo destinatário.
A violação de
quanto a tal propósito se dispõe é passível de coima: no caso, é de uma contra-ordenação económica grave que, em se tratando de micro-empresa (até
10 trabalhadores) orça entre 1 700,00 a 3 000,00 €.
A indicação
do preço, ainda que regularmente efectuada, tem de obedecer à Lei dos Preços de
26 de Abril de 1990: preço é o preço
global em que se incluem todos os impostos, taxas e os encargos que nele se
repercutam (DL 138/90, de 26 de Abril: art.º 10.º e n.º 5 do art.º 1.º).
Ao preço
oferecido não pode, pois, acrescer
autonomamente o IVA.
Nem se pode
oferecer um orçamento, ainda que pelo meio impróprio, meramente verbal e,
depois, cobrar-se o preço da pretensa elaboração por forma a fazer avolumar o
quantitativo exigido à vítima, e adicionar o IVA (se com factura…(!)).
O operador económico comete ainda, na circunstância, um crime de
especulação (DL 28/84: artigo 35) cuja moldura é de pena de prisão de 6 meses a
3 anos e multa não inferior a 100 dias.
vii.
Sabrina de Jesus – Vila Franca de Xira
Arrendei
uma casa com humidades, a senhoria não me falou no assunto. Só dei por isso
quando já estava a morar no apartamento há, pelo menos, 5 meses. Pedi que pagasse o valor
da limpeza, ela recusou, mas o que é certo é que num outro caso no mesmo
prédio, ela custeou essa limpeza. Quais são os meus direitos?
MF
Aplica-se aqui a Lei da
Compra e Venda de Bens de Consumo, móveis e imóveis. De 18 de Outubro de 2021.
Lei que é aplicável
também aos Contratos de Locação, tanto aos de aluguer como aos de arrendamento.
E, por isso, durante 5
anos terá de lhe assegurar condições de habitabilidade, como as de higiene e
salubridade.
Denuncie o caso à
ASAE porque, tratando-se de uma relação
de consumo, a que se aplica uma tal lei, é essa a entidade a competente para o efeito,
conquanto possa parecer estranho. Mas a lei aplica-se que nem uma luva e não
pode a ASAE recusar-se a intervir sob pena de prevaricação.
viii.
VL
De um consumidor da Pedrulha, Coimbra:
“Dirigi-me a um balcão MEO para contratar um
serviço de comunicações electrónicas.
Nem me deram o contrato,
puseram-me a falar ao telefone com uma das suas centrais. De onde me referiram,
por alto e numa velocidade tal, as condições. Não apanhei tudo, mas lembro-me
do preço.
Cinco dias depois, outra
empresa oferecia-me melhores condições. Quis desistir . Impediram-me porque não
há desistência no contrato presencial: é firme, tem de ser cumprido na íntegra.
E se quiser desistir terei de suportar os custos.
Podem recusar-me um tal
direito neste caso?”
ML
- A Lei das Comunicações Electrónicas de 2022 reza no art.º 120:
“1 - As empresas…,
devem, previamente à celebração de um contrato, disponibilizar ao consumidor as
informações referidas no artigo 4.º da [Lei dos Contratos à Distância] e no
artigo 8.º da [Lei de Defesa do Consumidor], consoante estejam, ou não, em
causa contratos celebrados à distância… .
…
6 - As empresas …
fornecem aos consumidores, num suporte duradouro, um resumo do contrato, conciso e facilmente legível, que
identifica os principais elementos dos requisitos de informação definidos nos
termos dos n.ºs 1 e 2, incluindo, no mínimo:
a) O nome,
endereço e os dados de contacto da empresa e, se diferentes, os dados de
contacto para eventuais reclamações;
b) As principais características de cada serviço
prestado;
c) Os preços de
activação, incluindo o da instalação do serviço de comunicações electrónicas e
de quaisquer encargos recorrentes ou associados ao consumo, se o serviço for
prestado contra uma prestação pecuniária directa;
d) A duração do
contrato e as suas condições de renovação e de cessação;
e) A medida em que
os produtos e serviços são concebidos para os utilizadores finais com
deficiência;
f) … …”
- Toda esta algaraviada (o artigo é muito extenso) para dizer que o
consumidor tem de ter disponível,
antes da celebração do contrato, todas as informações relevantes para que
saiba qual o rol das suas obrigações perante a empresa (Lei 16/2022: art.º
120; DL 24/2014: art.ºs 4.º e 4.º - A).
- Como, afinal, o consumidor se dirigiu ao balcão e não foi aí que
celebrou o contrato, antes por telefone para onde, aliás, o
encaminharam, o negócio teve lugar
por esse meio, ainda que por “iniciativa própria” (DL 24/2014: n.º 8 do
art.º 5).
- Logo, dispõe do direito de retractação, isto é, o de “dar o dito por
não dito”, no lapso de 14 dias, salvo se tal cláusula dele não constar, o
que amplia para mais 12 meses o prazo (DL 24/2014: al. m) do n.º 1 do art.º 4.º; n.º 2 do
art.º 10.º).
- Se lhe não derem o resumo do contrato no momento da celebração. o
negócio é nulo por falta de forma: a nulidade é susceptível de ser, a todo
o tempo, invocada com a restituição do preço pago… (Lei 16/2022: n.º 6 do
art.º 120 e Cód. Civil: art.ºs 220 e 289).
- Não se nos afigura, pois, certeira a indicação de que o contrato é
firme e não pode ser desfeito, porque sujeito à cláusula de que “os
contratos, uma vez celebrados, não se pode voltar atrás, têm de ser
cumpridos ainda que acabe o mundo”…
- Não tem razão a empresa, ao que parece, ao dizer que o contrato foi
feito ao balcão porque a realidade é outra: por iniciativa do consumidor,
é certo, mas pelo telefone.
EM CONCLUSÃO:
- Os contratos celebrados em estabelecimento são, em princípio,
insusceptíveis de se desfazerem (Cód. Civil: n.º 1 – I parte – do art.º
406).
- Mas se em vez de o serem ao balcão. aí se facultar o contacto da
empresa para que se negoceiem os seus termos, então o contrato passará a
ser não presencial e o consumidor a beneficiar do período de reflexão de
14 dias dentro do qual é lícita a desistência (DL 24/2014: al. m) do n.º 1 do art.º 4; n.º 1 do
art.º 10.º).
- Se do contrato não constar uma tal cláusula, o direito de desistência
(retractação) estende-se por mais 12 meses, que acrescem aos 14 dias (DL
24/2014: n.º 2 do art.º 10.º).
- Se não for entregue ao consumidor, no momento da celebração, um
resumo do contrato por lei configurado, será nulo (Lei 16/2022: n.º 6 do
art.º 120; Cód. Civil: art.º 220).
- A nulidade não tem limite de prazo e é invocável por qualquer
interessado (Cód. Civil: art.ºs 286 e 289).