Uma vez invocada
É dívida que se risca
Para o bem e para o mal
É dívida apagada…
Por em tribunal
Não poder ser reclamada!
“Curiosidades:
no dia 19 de Abril de 2021, recebi uma carta do Hospital Garcia de Orta, E.P.E.,
assinada pelo Senhor Gonçalo Raimundo, director do Serviço de Gestão Financeira
- Almada, a informar que era devedor de exames médicos que um dia fiz (???) ou
não - a 23 de Outubro de 2014. E teria de pagar 6,80 € até ao dia 17 de Maio de
2021.
Como vai este País?! 7 (sete) anos depois vêm cobrar-me
uma dívida de um tal montante? Será que a dívida existe? Ou não?
Para os serviços públicos essenciais não é de 6 (seis)
meses a prazo para apresentação das facturas a pagamento?
Pergunto eu:
A mesma é válida ou já passou a sua validade?”
M.A.B. – Almada
1.
Conquanto os serviços de saúde sejam de todo um
serviço público essencial, é de serviços fora de catálogo que se trata.
2.
Como serviços essenciais ínsitos no catálogo, citem-se
os de fornecimento de água, de energia eléctrica, de gás natural, de gás de
petróleo liquefeito canalizado, de comunicações electrónicas, de serviços
postais, de transportes públicos de passageiros, de saneamento e de recolha de
resíduos sólidos urbanos (lixos).
3.
Com efeito, os serviços públicos essenciais (os que no
catálogo figuram) beneficiam, por razões de equilíbrio dos orçamentos
familiares, de uma prescrição de curto prazo – de 6 meses (Lei dos Serviços
Públicos Essenciais: art.º 10.º).
4.
No que aos serviços de saúde se refere, dois prazos de
prescrição se perfilam:
4.1.
Tratando de serviços, na esfera de entidades privadas,
o prazo de prescrição é de 2 anos (Código Civil: alínea a) do art.º 317)
4.2.
Tratando-se de serviços de saúde, na órbita do Estado,
o prazo de prescrição é de 3 anos (DL 218/99, de 15 de Junho: art.º 3.º).
4.3.
Tratando-se, porém, de serviços privados de saúde com
convenção ou em articulação com o Serviço Nacional de Saúde, a prescrição não
será de 2, mas de 3 anos, segundo parece.
Cfr. o acórdão do
Tribunal da Relação de Lisboa de 20 de Novembro de 2014 (Relatora: Isoleta
Almeida Costa), cujo sumário é do teor seguinte:
“1. Fazem parte do Serviço Nacional de Saúde todos os serviços e
entidades públicas prestadoras de cuidados de saúde, designadamente os
agrupamentos de centros de saúde, os estabelecimentos hospitalares, independentemente
da sua designação, e as unidades locais de saúde, conforme lei orgânica do
Ministério da Saúde, Decreto-Lei n.º 124/2011, de 29 de Dezembro, artigo 7.º n.º
2, e ainda as entidades particulares e profissionais em regime liberal
integradas na rede nacional de prestação de cuidados de saúde, quando
articuladas com o Serviço Nacional de Saúde - cfr. artigo 2.º do Estatuto do SNS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º
11/93, de 15 de Janeiro e Base XII da Lei de Bases da Saúde, Lei 48/90 de 24 de
Agosto.
2. O regime legal previsto no DL 218/99, de 15 de
Junho, cujo objecto visa as dívidas de instituições do SNS, só tem aplicação a
créditos reclamados por hospitais privados que tenham convenção com o SNS
quando os cuidados de saúde prestados o tenham sido no âmbito de convenção ou em
articulação com o SNS.
3. Cabe ao devedor o ónus de invocar que a prestação
de serviços ocorreu no âmbito de convenção ou protocolo com o SNS se quiser
prevalecer-se da prescrição de créditos a que se refere o DL 218/99, de 15 de
Junho (art.º 342 n.º 2 do Código Civil).”
5.
Por conseguinte, tratando-se, como na vertente
situação, de pretensa dívida gerada no seio de um estabelecimento público
empresarial (o Hospital Garcia de Orta), o prazo de prescrição é de 3 anos,
contado do termo do serviço de exames a que o cidadão reclamante se terá
submetido: de 23 de Outubro de 2014 (já decorreu mais de 6 anos e 6 meses sobre
um tal evento).
6.
De harmonia com o Código Civil, “o tribunal
não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de
ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo
seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público” (Código
Civil: art.º 303).
7.
Donde, para que a prescrição
da dívida possa aproveitar ao consumidor, ter de a invocar por carta,
expedida por correio, com toda a segurança (registo com aviso de recepção) ou
por outro meio inequívoco, de que fique comprovativo da recepção.
EM CONCLUSÃO:
a.
As dívidas a estabelecimentos de saúde públicos (ou a
tal equiparados) prescrevem em 3 anos.
b.
Para que a prescrição possa valer, no caso, ao cidadão
reclamado, terá de a invocar por carta por ter sido interpelado a pagar por
meio de carta.
c.
Para maior segurança, a carta deve ser expedida
sob registo e com aviso de recepção.
É este, salvo melhor juízo, o nosso parecer.
Mário Frota
apDC – DIREITO
DO CONSUMO - Coimbra
Projecto com o apoio do Fundo do Consumidor