“A empresa de comunicações com
que contratei um pacote de serviços surpreende-me porque de onde em onde excede
os valores, já que cobra muito acima do convencionado.
Dificuldades para reclamar porque
nem me atendem e despistam-me...
O banco não paga acima do
acordado. Só complicações porque terei de pagar sempre à parte.”
Eis o que se nos oferece dizer:
1.
A 02 de Fevereiro de 2022, o Supremo Tribunal
de Justiça (pela Conselheira Clara Sotto Mayor) decretara já, em situação
similar:
I – …
II –
Nos termos do artigo 9.º- A, n.º 2 e n.º 3 da Lei n.º 24/96, a obrigação de
pagamentos adicionais depende da sua comunicação clara e compreensível ao
consumidor, sendo inválida a aceitação pelo consumidor quando não lhe tiver
sido dada a possibilidade de optar pela inclusão ou não desses pagamentos
adicionais; nos casos em que a obrigação de pagamento adicional resultar de
opções estabelecidas por defeito que tivessem de ser recusadas para evitar o
pagamento adicional (ou que nem admitem a possibilidade de recusa), o
consumidor tem direito à restituição do referido pagamento.
III -
Uma remissão para o lugar da internet da Vodafone para mais informações (…) e
um consentimento genérico e presumido, meramente formal, prestado no momento da
adesão ao pacote, normalmente com informações sumárias prestadas ao telefone e
sem fornecimento prévio do texto escrito do contrato, para reflexão, não são
suficientes para permitir aos consumidores uma escolha consciente e para a
obtenção de uma vontade esclarecida.
IV –
Não é o cliente quem deve, por iniciativa própria, tentar efectivamente conhecer
as condições gerais, é ao fornecedor que compete proporcionar-lhe condições
para tal.
V – …
VI – O
conceito de boa-fé, como critério de validade das [condições gerais dos
contratos] (artigo 15 do DL n.º 446/85), surge como externo ao contrato e à
relação concreta estabelecida entre as partes, sendo fonte de limitação à
liberdade contratual.
VII –
A boa-fé concretiza-se pelos critérios gerais fixados no… citado diploma – a
tutela da expectativa do aderente e o objectivo do contrato – e é objecto de
tipificações legais exemplificativas do seu alcance que dão corpo a regras de
proibição de conteúdo contratual (artigos 18, 19, 21 e 22 do DL n.º 446/85),
como contrapartida de um regime jurídico que atribui um poder inusitado ao
predisponente de [condições gerais dos contratos], contexto negocial que exige
ao julgador um papel corrector e constitutivo da justiça contratual.
VIII –
A cláusula em litígio das Condições Gerais do Contrato de Adesão ao serviço …
relativa à descrição do “Serviço de Acesso à Internet Móvel” dispõe o seguinte:
“O serviço permite, ainda, utilizar um conjunto de serviços adicionais, como
por exemplo a Opção Extra para os tarifários pós-pagos ou o acesso gratuito a
Wi-Fi nos hotspots da Vodafone
Portugal. Para mais informações sobre serviços adicionais consulte
www.vodafone.pt ou ligue para o Serviço Permanente de Atendimento a Clientes
16912 (tarifa aplicável)”.
IX – A
citada cláusula contraria as duas vertentes da boa-fé – a tutela da confiança e
a proibição do desequilíbrio significativo de interesses – porque introduzida
num pacote de serviços com um preço, a troco de uma prestação principal, a que
acrescem custos adicionais atípicos como contrapartida de serviços extra activados
automaticamente, sem que o consumidor tenha a possibilidade de recusar tais
serviços.
X –
Esta cláusula envolve riscos para os interesses económicos do aderente,
desrespeita a autodeterminação e as expectativas deste e provoca, ainda, um
desequilíbrio contratual significativo traduzido na circunstância de a ré,
onerando os consumidores com custos adicionais com os quais estes não contam no
seu orçamento familiar, obter um incremento injustificado nas suas margens de
lucro.
XI –
Assim, da aplicação conjunta dos artigos 15 e 16 do citado diploma, conjugados
com a al. d) do artigo 19 (cláusulas relativamente proibidas), que proíbe
cláusulas que impõem ficções de aceitação ou de outras manifestações de vontade
com base em factos para tal insuficientes, e com a alínea b) do n.º 2 do artigo
9.º da Lei 24/96, resulta que a cláusula contratual geral em crise nestes autos
é uma cláusula que contraria a boa-fé e é proibida pela lei.”
2.
Este acórdão é paradigmático: não solicitou,
não pagou; não tem de pagar se nada solicitar: o silêncio não vale consentimento…
3.
Por conseguinte, tem não só de recusar de
futuro o pagamento, como deve exigir a devolução do que prestou indevidamente.
Este é, salvo melhor juízo, o
nosso parecer.
Mário Frota
presidente emérito da apDC –
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