“Comprei um casaco numa loja de roupa e, ao
chegar a casa, vi que não me assentava bem.
Voltei à loja dois dias depois, com o talão, mas
disseram-me que só faziam trocas, nunca devoluções em dinheiro.
Pergunta: a loja pode impor essa regra, mesmo
que o produto esteja novo e comprado há menos de 14 dias?”
Eis o que
se nos oferece dizer:
1.
Se a venda não for a contento nem sujeita
a prova, o contrato só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo
consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei (Cód. Civil: n.º 1
do art.º 406).
2.
No caso, é de uma compra e venda de que se não
pode desistir. E, por isso, não se desfaz por vontade do vendedor ou do
comprador.
3.
Os canonistas proclamavam: “pacta sunt servanda
pereat mundum”, ou seja, “os pactos são para cumprir nem que acabe o mundo”!.
4.
O povo: “os acordos são para cumprir nem que
chovam picaretas”!
5.
O que é uma venda a contento? É a que se faz sob
reserva de a coisa agradar ao comprador. E vale, em princípio, não como
contrato, mas como mera proposta de venda.
5.1.
A coisa deve ser facultada para exame.
5.2.
A proposta considera-se aceita se, entregue a
coisa ao comprador, este não se pronunciar dentro do prazo de aceitação.
6.
Mas pode tratar-se de um contrato: “se as partes
estiverem de acordo sobre a resolução (a extinção) da compra e venda no caso de
a coisa não agradar ao comprador”, o efeito é retroactivo - devolve-se a coisa
e restitui-se o preço (Cód. Civil: art.º 924).
7.
Há também a venda sujeita a prova: a mulher vai
à loja (porque o marido não tem tempo para o fazer) e leva para casa um casaco
para ele provar; se lhe ficar bem, fecha-se o contrato. Se não, devolve-o e retitui-se-lhe
o dinheiro.
7.1.
Venda sujeita a prova: a de a coisa ser idónea
para o fim a que se destina: se serve, serve, se não serve, devolve-se a coisa
e restitui-se o preço pago (Cód. Civil: art.º 925).
8.
Ora, na circunstância, só se o casaco
apresentasse uma qualquer não conformidade (deficiência, anomalia…) é que
poderia exigir a sua substituição; se nos primeiros 30 dias após a entrega,
poderia pôr desde logo termo ao contrato: devolução da coisa, restituição do
preço (DL 84/2021: art.ºs 15 e 16).
9.
No caso, em que a compra e venda é firme, se não
houver uma não conformidade, o estabelecimento não tem de aceitar a devolução
da coisa.
10. Constitui
uso comercial a hipótese da devolução contra um vale para a ulterior compra de
outro bem pelo consumidor.
11. Os 14 dias a que a consumidora se refere são
só observáveis nos contratos fora de estabelecimento e à distância [por
telefone e por meio electrónico (B2C)]. Com duas excepções: nos contratos ao
domicílio e no decurso de uma excursão organizada pelo fornecedor, o prazo de
retractação é de 30 dias (DL 24/2014:
n.º 1 do art.º 10).
12. Se, porém, do contrato, reduzido a escrito ou
noutro suporte duradouro, não constar o
período dentro do qual o consumidor poderá dar o dito por não dito, aos 14 e 30
dias, respectivamente, acrescerá o prazo de 12 meses dentro dos quais poderá
então exercer o tal direito de retractação ou desistência (DL 24/2014: n.º 2 do
art.º 10).
CONCLUSÃO
a.
Uma compra e venda feita regularmente em
estabelecimento tem de ser cumprida pontualmente, ponto por ponto, e só pode
modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos
casos admitidos na lei (Cód. Civil: n.º 1 do art.º 406).
b.
A mais relevante excepção é a que decorre de uma
qualquer não conformidade (vício, avaria, deficiência, anomalia) que a coisa
apresente, podendo recorrer-se, nos termos da lei, a qualquer dos remédios
relevantes à disposição do consumidor [reparação, substituição, redução
adequada do preço e extinção do contrato (por meio de resolução) (DL 84/2021:
art.º 15).
c.
Só ‘no limite’ é que haverá lugar à extinção do
contrato (resolução) ou, por opção do consumidor, se a não conformidade ocorrer
nos 30 dias subsequentes à entrega dos bens (DL 84/2021: art.º 16).
d.
As mais modalidades em que os feitos ficarão em
aberto são as da venda a contento (ou a gosto) e da venda sujeita a prova (Cód.
Civil: art.ºs 923 a 925).
e.
A susceptibilidade do exercício do direito de
retractação em 14 ou 30 dias, consoante os casos, inere tão só aos contratos
fora de estabelecimento ou à distância (telefone, electrónicos), o que não é
patentemente a hipótese contemplada (DL 24/2014: n.º 1 do art.º 10.º).
Tal é, salvo melhor juízo, o nosso parecer.
Mário Frota
presidente emérito da apDC - DIREITO DO
CONSUMO - Portugal