DE
CONSUMIDOR PARA”RESTAURADOR”:
‘GRATIFICAÇÃO’
- A OCASIÃO FAZ O ‘LADRÃO’?
“Eis uma factura de um
restaurante muito badalado (o jncquoi…) que, no final, sugere uma
“gratificação” de 10% e, no fecho, em dígitos garrafais, apresenta o montante global com um tal valor
adicionado… como que a insinuar a sua obrigatoriedade.
Os consumidores,
contritos, mal balbuciam um gesto de não concordância por ‘vergonha’ em
fazê-lo. Pagam e não ‘bufam’ e não o fazem soltos, livres e de sorriso
afivelado no rosto…”
Apreciada a questão,
cumpre oferecer as soluções vertidas na lei:
1. Tempo houve em que as gorjetas representavam 10% do consumo
global e figuravam como parte integrante da factura, com carácter de obrigatoriedade,
dado o regime em vigor.
2. Muitos estabelecimentos serviam-se de tais montantes para
compor a sua folha salarial, com uma base mínima e o mais em resultado da taxa
de serviço repartida equitativamente pelos servidores; noutros, os
‘trabalhadores’ percebiam só e tão só o apurado valor das gorjetas…
3. Em ano recuado, alterou-se o regime: os preços passaram a
globais, neles se repercutindo a gratificação, a denominada “taxa de serviço”,
instaurando-se o TTC - “toutes taxes comprises” (“todas as taxas
incluídas”).
4. Ainda assim, subsistiu o hábito, por parte de alguns
clientes, de doar um dado montante (a título individual ou com destino a um
‘bolo comum’ susceptível de divisão): de tal modo que com uma tal “praxis” as refeições encareceram, já que do preço constava
o equivalente ao serviço, a saber, os 10%.
5. O pretender fazer-se acrescer agora (e de novo), na factura,
uma percentagem do preço, a título de serviço, briga com o que a lei estabelece
de forma meridiana:
“preço é o preço total em que se incluem todos os impostos, taxas e
outros encargos que nele se repercutam”.
6. O Guia da Restauração
(Direcção-Geral do Consumidor/AHRESP) diz a tal propósito, a pp. 16, que para
além de não recomendável, se traduz em prática ilícita: e, com efeito, trata-se de
uma prática, a todos os títulos, enganosa:
“São consideradas
enganosas, em qualquer circunstância, … transmitir [a] impressão [de que essa
prática é lícita] quando tal não corresponda à verdade [DL 57/2008: al. k) do art.º
8.º).
7. E o ilícito constitui contra-ordenação
económica grave: tratando-se de pequena empresa – de 10 a 49 trabalhadores
-, o montante da coima oscila entre os 4
000 e os 8 000 € (DL 57/2008: n.º 1 do art.º 21; DL 9/2021: sub. III, al. b) do art.º 18).
8. Constitui anda, em nosso entender, crime de especulação,
previsto e punido pelo artigo 35 da Lei Penal do Consumo de 1984, a cobrança de
um qualquer montante, a bel talante dos titulares dos estabelecimentos, para
além do preço em si mesmo apurado, seja a que título for, mormente de uma
qualquer “taxa de serviço”.
9. A moldura penal para a especulação oscila entre os 6 meses e
os 3 anos e multa não inferior a 100 dias (sendo que, no limite, a pena de
multa pode atingir os € 500/dia) [DL28/84: proémio do art.º 35].
EM
CONCLUSÃO
a.
Os preços dos serviços de hotelaria,
restauração, cafetaria e bar são, como os demais preços de produtos e serviços
aos consumidores, “preços totais em que se incluem todos os impostos, taxas e
outros encargos que nele sejam repercutidos” (DL 138/90, repub.º pelo DL 162/99:
n.º 1 do art.º 5.º; DL 10/2015: n.º 1 do art.º 135).
b.
Tal prática, por enganosa, é desleal e
constitui um ilícito de mera ordenação social: contra-ordenação económica grave
em que a coima – para as pequenas empresas – se cifra entre os 4 000 e os 8 000 € (DL 57/2008: al. k) do art.º 8.º, n.º
1 do art.º 21; DL 9/2021: sub. III, al. b) do art.º 18).
c.
Se aos preços acrescerem outros valores, a
título de “taxas”, comissões ou “percentagens de serviço”, comete o titular do
estabelecimento o crime de especulação a que se comina pena de prisão e multa
(de seis meses a três anos e multa não inferior a 100 dias, respectivamente)
(DL 28/84: art.º 35).
Tal é, salvo melhor juízo, o nosso parecer.
Mário Frota
presidente emérito da apDC - DIREITO DO CONSUMO -
Portugal