terça-feira, 5 de abril de 2022

A ACÇÃO COLECTIVA EUROPEIA EM VIAS DE REFORMULAÇÃO

 


A ACÇÃO COLECTIVA EUROPEIA

EM VIAS DE REFORMULAÇÃO

Mário Frota

Ancién Professeur à la Faculté de Droit de l’ Université de Paris D’ Est

Fundador e primeiro presidente da AIDC / IACL – Associação Internacional de Direito do Consumo

Fundador e presidente emérito da apDC – Direito do Consumo – Portugal

Fundador e presidente da Instituto Luso-Brasileiro de Direito do Consumo

 TÍTULO I

DA ACÇÃO COLECTIVA EUROPEIA EM GERAL

I

PRELIMINARES

 

A Directiva (EU) n.º 2020/1828, de 25 de Novembro, do Parlamento Europeu e do Conselho, estabelece os novos alicerces e os elementos construtivos não estruturais da Acção Colectiva Europeia.

Entende-se, com efeito, que o modelo das acções inibitórias, que a Directiva 2009/22/CE, de 23 de Abril, introduzira no Espaço Económico Europeu , não se adequa ao perfil da conflitualidade emergente de uma sociedade dominada por processos muito próximos, em plena Era Digital, nas sete partidas do Globo.

Os moldes processuais conferidos  pela moldura da  acção colectiva, tanto para medidas inibitórias [i. é, susceptíveis de, em termos provisórios quanto definitivos,   fazer cessar ou, se for caso disso,  proibir eventual prática, quando tal  se considere uma afronta ao  acervo normativo da União, tal como conformado no anexo ao presente trabalho] como reparatórias [i. é, que facultem bases  de ressarcimento, a saber, indemnização, reparação, substituição, redução do preço, resolução do contrato ou reembolso do valor pago, conforme adequado e segundo o previsto tanto no direito da União como nos ordenamentos jurídicos internos dos Estados membros] variam no Espaço Económico Europeu e proporcionam diferentes níveis de tutela aos consumidores.

Ademais, importa não ignorar que Estados-membros há que ainda não dispõem de meios processuais adequados para as acções colectivas com finalidades reparatórias.

Ora, a decorrente situação mina a confiança dos consumidores e das empresas no Mercado Interno [ou seja, o espaço delimitado pelas fronteiras exteriores dos Estados-membros] e a sua capacidade de nele operarem; distorce a concorrência e constitui sério óbice à concretização de uma efectiva política e do subjacente  direito da União no domínio da tutela do direito dos consumidores, tanto no plano individual como no dimensão de massa.

Uma tal acção colectiva tem de constituir forçosamente um modo eficaz e eficiente de proteger os interesses colectivos dos consumidores quer se trate de interesses individuais homogéneos, como colectivos stricto sensu, como ainda difusos.

A categoria dos interesses individuais homogéneos entrou na Europa, na esteira dos processualistas brasileiros, com realce para a sempre lembrada Ada Pellegrini Grinover, pela mão dos portugueses.

Fomos nós, com efeito, quem forçou a mão ao legislador, passe a aparente quebra de humildade,  ao inserir no artigo 20, na versão original da Lei-Quadro de Defesa do Consumidor, em 1996, a figura, no quadro da legitimatio ad causam outorgada ao Ministério Público em termos singulares:

“Incumbe também ao Ministério Público a defesa dos consumidores no âmbito da presente lei e no quadro das respectivas competências, intervindo em acções administrativas e cíveis tendentes à tutela dos interesses individuais homogéneos, bem como de interesses colectivos ou difusos dos consumidores.”

E nem sequer se distingue – no que aos individuais homogéneos se refere - entre interesses ou direitos disponíveis e indisponíveis.

Entende a União Europeia, pelo seu órgão legiferante prevalente, que “importa assegurar o necessário equilíbrio entre a melhoria do acesso dos consumidores à justiça e a salvaguarda adequada da situação dos fornecedores,  a fim de evitar a litigância de má-fé que prejudique injustificadamente a capacidade das empresas de operarem no Mercado Interno”, riscos obviamente de acautelar de molde a prevenir o [e a obstar ao] recurso abusivo às acções colectivas, a concessão de indemnizações punitivas deverá ser evitada e deverão ser estabelecidas regras para determinados aspectos processuais, nomeadamente a designação e o financiamento das ‘entidades qualificadas’.”

A Directiva que ora se passa em revista não alude a entidades legitimadas, antes as cognomina como “qualificadas” para proporem as acções colectivas e os procedimentos administrativos versados neste passo.

E entende que deverá “permitir que as entidades qualificadas actuem com o propósito de garantir que os fornecedores cumpram as disposições aplicáveis do direito da União e ajudem a superar os obstáculos que os consumidores enfrentam no âmbito de acções individuais, nomeadamente os que se prendem com a incerteza sobre os seus direitos e sobre quais os meios processuais disponíveis, a relutância psicológica em avançar com um processo e o saldo negativo entre os custos esperados relativamente aos benefícios das acções individuais.” Ler mais

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