Os anciãos ou idosos
desfrutam de peculiares direitos um pouco por toda a parte: direitos que em
Portugal geralmente se menosprezam.
Não se trata tão-só de
direitos conferidos ou reconhecidos pelo legislador.
Antes de direitos
naturais a roçar, quantas vezes, elementares regras de urbanidade.
O que diz o Dicionário da
Academia acerca do significado de “ancião”?
“Pessoa idosa, pessoa de
idade avançada: pessoa idosa, sabedora, respeitável e de bom conselho.
Talvez derive
etimologicamente do latim medieval: *anteā-
nus, de ante, pelo francês ancien.”
No que toca à preferência
no atendimento em lugares públicos e privados, confere a própria lei aos
anciãos direitos que entre nós parece ignorarem-se soberanamente.
A cena passou-se um dia
destes numa confeitaria em Coimbra.
Acercaram-se do balcão
duas pessoas, uma na casa dos 40, outra seguramente com mais de 80 anos…
A titular do estabelecimento,
em vez de conferir primazia â pessoa idosa, perguntou com estranha
naturalidade: quem está primeiro? Ao que a jovem respondeu afirmativamente. E
preparava-se para ser atendida quando entendemos interferir e dizer
naturalmente, dirigindo-nos à octogenária, com notória quebra física: “mas a
Senhora tem preferência. É de lei”.
Foi como se houvéssemos
proferido uma blasfémia!
E esse foi motivo para a
reflexão que segue.
No Brasil é-se idoso aos
60 anos. Os trópicos são arrasadores. As pessoas “gastam-se” mais depressa.
E todos, sem excepção,
respeitam uma tal condição.
Nos aeroportos as filas
estão demarcadas. E o respeito é absoluto.
Na Europa, aos 65…
E o que diz a lei, em
Portugal, a tal respeito, no que toca ao “dever de prestar atendimento
prioritário”?
“Todas as pessoas,
públicas e privadas, singulares e colectivas, no âmbito do atendimento
presencial ao público, devem atender com prioridade sobre as demais pessoas:
§ Pessoas
com deficiência ou incapacidade;
§ Pessoas
idosas;
§ Grávidas;
e
§ Pessoas
acompanhadas de crianças de colo.
Em caso de conflito de
direitos de atendimento preferencial ou prioritário, o atendimento far-se-á por
ordem de chegada de cada um dos titulares do direito.
Entende-se por:
º «Pessoa com deficiência
ou incapacidade», aquela que, por motivo de perda ou anomalia, congénita ou
adquirida, de funções ou de estruturas do corpo, incluindo as funções
psicológicas, apresente dificuldades específicas susceptíveis de, em conjugação
com os factores do meio, lhe limitar ou dificultar a actividade e a participação
em condições de igualdade com as demais pessoas e que possua um grau de
incapacidade igual ou superior a 60 % reconhecido em Atestado Multiúsos;
º «Pessoa idosa», a que tenha idade igual ou superior a 65 anos e
apresente evidente alteração ou limitação das funções físicas ou mentais;
º «Pessoa acompanhada de
criança de colo», aquela que se faça acompanhar de criança até aos dois anos de
idade.
A pessoa a quem for recusado
atendimento prioritário pode requerer a presença de autoridade policial a fim de
remover a recusa.
A autoridade policial
tomará nota da ocorrência e fará chegar à entidade competente a queixa devida.
Dois apontamentos mais,
neta terra em que se é (quase) sempre mais “papista que o Papa”…
Em tempos, no Metro, em
Campanhã, um idoso que mal se podia movimentar, acercou-se da bilheteira para
ser atendido.
O agente, de pronto,
exigiu que lhe apresentasse, para ter direito ao atendimento preferencial, o
certificado “Multiúsos”.
Claro que perante a
exigência foi preterido.
Em Setúbal, na Loja do
Cidadão, davam-nos conta de que pessoas de uma dada etnia, sabedoras dos direitos de prioridade ou “preferência”
no atendimento, levavam para lá uma criança que passava de mão em mão para se
garantir uma tal prioridade…
Claro que há que contar
sempre com expedientes à margem dos procedimentos regulares.
Mas ignorar-se
sistematicamente a lei em algo que entronca num dever de urbanidade, parece
naturalmente descabido e digno de um vigoroso protesto cívico…
Até quando assistiremos a
este desaforo em todos os lugares deste País?
Mário Frota
presidente
emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO
- Portugal