HiperOfertas
com uma infra Garantia…
Eis uma
campanha encetada pela HiperOfertas (presumivelmente sediada no Porto: 22 616
55 90 ), a 5 de Janeiro em curso, e amplamente difundida nas Redes.
Como
garantia, dois (2) anos… em flagrante contraste com a lei que passou a vigorar
a 1 de Janeiro de 2022, que confere às coisas móveis uma garantia de três (3)
anos.
O curioso é
que advertimos a empresa – HiperOfertas – de que a garantia ofertada é ilegal,
havendo-nos ripostado que é legal, remetendo-nos, para o efeito, para um
"site" da Direcção-Geral do Consumidor.
Ora, tal
"site" reporta-se à Lei Antiga, que protrai, é facto, os seus termos
ao longo do tempo para os bens comercializados antes de 1 de Janeiro de 2022,
mas cuja garantia entra por 2022 adentro e bem assim os seus efeitos: tanto o
período de duração da garantia quanto, em particular, ao prazo para o exercício
do direito, uma vez denunciada a não conformidade com o contrato.
À observação
que fizéramos, contrapõe – e é público - porque o postaram na Rede - a Meta - o
que segue:
Mário Frota
- "https://www.consumidor.gov.pt/pagina.aspx?f=1&lws=1... Continua a ser 2 anos.
Cumprimentos."
Lê-se e
pasma-se!
Até cremos
querer que houve, por distintos meios, alguma divulgação à lei (que saiu, é
facto, com significativo atraso face à data-limite imposta pelos órgãos
legiferantes da União Europeia: deveria ter saído no dia 1.º de Julho e só veio
a lume a 18 de Outubro de 2021). Mas a ignorância revelada, no caso, por estes
empresários, ultrapassa todos os limites.
Com efeito,
o Código Civil estabelece no seu artigo 6.º algo de que os mais conservadores
se fazem instantemente eco:
“ (Ignorância ou má interpretação da lei)”
“A
ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento
nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas.”
Sendo certo
que, no mesmo comprimento de onda, um outro diploma legal – o do Acesso ao
Direito e à Justiça –, que remonta a 29 de Julho de 2004, estabelece como que,
em autêntica inversão de paradigma, que
“O acesso ao
direito e aos tribunais constitui uma responsabilidade do Estado, a promover,
designadamente, através de dispositivos de cooperação com as instituições
representativas das profissões forenses.”
E, no número
subsequente,
“o acesso ao
direito compreende a informação jurídica e a protecção jurídica.” (Lei 34/2004: artigo 2.º)
Já no que
tange à “informação jurídica” rege o artigo 4.º que prescreve:
“1 - Incumbe ao Estado realizar, de modo
permanente e planeado, acções tendentes a tornar conhecido o direito e o
ordenamento legal, através de publicação e de outras formas de comunicação, com
vista a proporcionar um melhor exercício dos direitos e o cumprimento dos
deveres legalmente estabelecidos.
2 - A
informação jurídica é prestada pelo Ministério da Justiça, em colaboração com
todas as entidades interessadas, podendo ser celebrados protocolos para esse
efeito.”
Daí que
caiba ao Estado tornar conhecido o direito no emaranhado de leis e outros
dispositivos de que se tece o ordenamento.
No que se
prende, porém, com os direitos dos consumidores e as inerentes relações
jurídicas de consumo – e em particular no plano das garantias dos bens de
consumo – a Directiva 1999/44, de 25 de Maio, do Parlamento Europeu e do
Conselho de Ministros, impunha no seu artigo 9.º, aos Estados-membros que
“[tomassem]
as medidas necessárias para informar o consumidor sobre as disposições
nacionais de transposição da presente directiva, e [incentivassem],
eventualmente, as organizações profissionais a informarem os consumidores dos
seus direitos.”
Ora comete,
em certa medida também, às associações de interesse económico, representativas
dos comerciantes, um tal poder-dever.
A lei de
transposição para o ordenamento jurídico pátrio (DL 67/2003, de 08 de Abril),
sob a epígrafe “acções de informação”, define expressamente (art.º 12) que
“A
Direcção-Geral do Consumidor deve promover acções destinadas a informar e deve
incentivar as organizações profissionais a informarem os consumidores dos
direitos que para eles resultam do presente decreto-lei.”
Já a
Directiva (2019/771/UE) que revoga, no acervo da União Europeia, o precedente
instrumento normativo, que remonta a 25 de Maio de 1999, reitera, no seu artigo
20, um tal comando, a saber:
“Informação do Consumidor"
“Os
Estados-membros tomam medidas adequadas para assegurar que a informação sobre
os direitos dos consumidores ao abrigo da presente directiva e sobre os meios
para a aplicação desses direitos esteja à disposição dos consumidores.”
Claro que se
parte do pressuposto que os empresários se acham despertos para as inovações
legislativas ao invés do que ocorre, em geral, com os consumidores.
Mas, pelos
vistos, aos comerciantes terá escapado a mudança e, de forma acrítica,
socorrem-se de sites oficiais, a seu modo, sem referências temporais e, nessa
medida, borregam, incumprem a lei, nos seus preceitos inovadores.
O preceito
de que se trata tem a sua correspondência na Lei Nova, que transpõe para
Portugal a Directiva no passo antecedente referenciada, ou seja, no seu artigo
50, como segue e sob a epígrafe
“Capacitação dos consumidores”
“A
Direcção-Geral do Consumidor promove acções destinadas a informar os
consumidores sobre os direitos resultantes do presente decreto-lei e os meios
adequados ao seu exercício, em articulação com as demais entidades
competentes.”
É facto que
”todos somos consumidores”, mal se percebendo a razão de tamanha distracção por
banda das empresas (e a coisa não se basta com a HiperOfertas, antes há mais
ofertas com a uniforme garantia de dois anos promovidas por entidades outras ou
pela mesma com distintos “rostos” ou faces…, qual “hidra das sete cabeças”) que
não acompanharam o que nestes pouco mais de dois meses se foi propalando a tal
propósito, em alguns ensejos.
A Lei Nova,
que alarga o quadro dos ilícitos de mera ordenação social a situações lesivas
dos direitos e interesses dos consumidores, não contempla, ao que parece, esta
violação como credora de uma qualquer coima e eventualmente das inerentes
sanções acessórias.
Mas há que
alertar os consumidores para a oferta de garantia abaixo da legal, o que leva
uma tal cláusula contratual a estar ferida de nulidade, invocável a todo o
tempo e por qualquer interessado e a ser conhecida ex officio (por dever de ofício) pelos tribunais.
A quem
aproveita a ignorância da lei? Neste passo nem sequer se fala de má
interpretação… É questão de um prazo de duração, que fora de dois (2) e passou
a três (3) anos.
"Garantia
coxa deixa, no caso, toda a gente roxa"! Roxa de cólera!
A quem
aproveita, pois, a ignorância da lei?
Os mais
distraídos ficarão com uma garantia menor, se acaso comprarem porque não
reivindicam a garantia legal?
Mário Frota
Presidente
emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal