CONSULTÓRIO
do consumidor
CONSULTA:
“Com a
substancial redução dos contactos porta-a-porta perdeu interesse o regime dos
contratos fora de estabelecimento, como se disse no outro dia numa conferência
no Brasil. Que as leis têm é de estar voltadas para a protecção das pessoas no
comércio electrónico onde as fraudes ainda atingem cifras muito elevadas.
Razão por
que não se percebe que se haja aumentado recentemente o prazo para ponderação
dos mais idosos de 14 para 30 dias em contratos destes, em que a emoção conta
mais que a razão, quando já não há ninguém a vender nem enciclopédias nem nada
do género à porta”.
Interessante
a questão, cumpre, isso sim, ponderar.
1. Com
efeito nos contratos fora de estabelecimento não figuram só os “porta-a-porta”:
a noção legal é bem mais ampla, como mais extenso o âmbito de aplicação da lei.
2. Com
efeito, a lei considera como tal e, por conseguinte, beneficiando das normas de
protecção que se lhes aplicam, os contratos celebrados:
2.1. no
estabelecimento comercial do fornecedor ou através de quaisquer meios de
comunicação à distância imediatamente após o consumidor ter sido, pessoal e
separadamente, contactado em local que não seja o do estabelecimento (em geral,
contactos de rua);
2.2. no
local de trabalho do consumidor (contactos em meio laboral);
2.3. em reuniões
em que a oferta resulte de demonstração perante um grupo de pessoas reunidas no
domicílio de uma delas, a pedido do fornecedor (as denominadas reuniões
“tupper-ware”);
2.4. durante
uma deslocação organizada pelo promotor ou fornecedor fora do respectivo
estabelecimento comercial (contratos “tipo” “conheça a… Galiza grátis”);
2.5. no
local indicado pelo fornecedor, a que o consumidor se desloque, por sua conta e
risco, na sequência de uma comunicação comercial veiculada pelo comerciante
(com base num chamariz).
3. Tais
contratos são reduzidos a escrito: e o não forem, são nulos e de nenhum efeito.
3.1. E devem
conter, de forma clara e compreensível e em língua portuguesa, as menções
constantes de uma outra norma do diploma legal de que se trata, sob pena de
análogo modo de nulidade.
3.2. O
fornecedor deve entregar ao consumidor uma cópia do contrato assinado ou a
confirmação do contrato em papel ou, se o consumidor concordar, noutro suporte
duradouro, incluindo, se for caso disso, a confirmação do consentimento prévio
e expresso do consumidor e o seu reconhecimento.
4. O
consumidor tem o direito de desistir do contrato sem incorrer, em princípio,
sem quaisquer custos por efeito da desistência e sem necessidade de indicar o
motivo (por que o faz), no prazo de 14 dias, a contar:
4.1. Do dia
da celebração do contrato, no caso dos contratos de prestação de serviços;
4.2. Do dia
em que o consumidor ou um terceiro indicado pelo consumidor, com excepção do
transportador, adquira a posse física dos bens, no caso dos contratos de compra
e venda.
5. Se o
fornecedor não cumprir o dever de informação pré-contratual alusivo ao direito
de desistência (que é de 14 dias) nem anexar ao contrato o “formulário de
desistência”, o prazo para o efeito passa a ser de 12 meses a contar do termo
prazo inicial (dos 14 dias): 12 meses que acrescem aos 14 dias iniciais, que
não só 14 dias singelos.
6. Há,
porém, contratos que pela sua natureza não prevêem esse período de ponderação
ou reflexão, salvo acordo em contrário, como, por exemplo, a dispensa de bens
6.1.
confeccionados de acordo com especificações do consumidor ou manifestamente
personalizados;
6.2. que,
por natureza, não possam ser reenviados ou sejam susceptíveis de se
deteriorarem ou de ficarem rapidamente fora de prazo;
6.3. selados
não susceptíveis de devolução, por motivos de protecção da saúde ou de higiene
quando abertos após a entrega;
6.4. de
gravações áudio ou vídeo seladas ou de programas informáticos selados, a que o
consumidor tenha retirado o selo de garantia de inviolabilidade após a entrega.
EM CONCLUSÃO
a. Os
contratos fora de estabelecimento não se esgotam nos contratos porta-a–porta.
b. Outras
modalidades há a que se aplica o mesmo regime, dos contratos no local de
trabalho como no decurso de excursões ou nos estabelecimentos na sequência de
qualquer contacto de rua ou em reuniões “tupperware”, entre outros.
c. Salve
pontuais excepções, em todos esses contratos os consumidores beneficiam de um
período dentro do qual podem “dar o dito por não dito” ( o mesmo é dizer...
desistir), a saber, de 14 dias consecutivos.
Mário Frota
Presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal
(‘As
Beiras’, edição de 18 de Dezembro de 2021)