sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

Fora do estabelecimento | se mercadeja a rodos | com todo o aviamento | e nem sempre de bons modos...


CONSULTÓRIO do consumidor

CONSULTA:

“Com a substancial redução dos contactos porta-a-porta perdeu interesse o regime dos contratos fora de estabelecimento, como se disse no outro dia numa conferência no Brasil. Que as leis têm é de estar voltadas para a protecção das pessoas no comércio electrónico onde as fraudes ainda atingem cifras muito elevadas.

Razão por que não se percebe que se haja aumentado recentemente o prazo para ponderação dos mais idosos de 14 para 30 dias em contratos destes, em que a emoção conta mais que a razão, quando já não há ninguém a vender nem enciclopédias nem nada do género à porta”.

Interessante a questão, cumpre, isso sim, ponderar.

1. Com efeito nos contratos fora de estabelecimento não figuram só os “porta-a-porta”: a noção legal é bem mais ampla, como mais extenso o âmbito de aplicação da lei.

2. Com efeito, a lei considera como tal e, por conseguinte, beneficiando das normas de protecção que se lhes aplicam, os contratos celebrados:

2.1. no estabelecimento comercial do fornecedor ou através de quaisquer meios de comunicação à distância imediatamente após o consumidor ter sido, pessoal e separadamente, contactado em local que não seja o do estabelecimento (em geral, contactos de rua);

2.2. no local de trabalho do consumidor (contactos em meio laboral);

2.3. em reuniões em que a oferta resulte de demonstração perante um grupo de pessoas reunidas no domicílio de uma delas, a pedido do fornecedor (as denominadas reuniões “tupper-ware”);

2.4. durante uma deslocação organizada pelo promotor ou fornecedor fora do respectivo estabelecimento comercial (contratos “tipo” “conheça a… Galiza grátis”);

2.5. no local indicado pelo fornecedor, a que o consumidor se desloque, por sua conta e risco, na sequência de uma comunicação comercial veiculada pelo comerciante (com base num chamariz).

3. Tais contratos são reduzidos a escrito: e o não forem, são nulos e de nenhum efeito.

3.1. E devem conter, de forma clara e compreensível e em língua portuguesa, as menções constantes de uma outra norma do diploma legal de que se trata, sob pena de análogo modo de nulidade.

3.2. O fornecedor deve entregar ao consumidor uma cópia do contrato assinado ou a confirmação do contrato em papel ou, se o consumidor concordar, noutro suporte duradouro, incluindo, se for caso disso, a confirmação do consentimento prévio e expresso do consumidor e o seu reconhecimento.

4. O consumidor tem o direito de desistir do contrato sem incorrer, em princípio, sem quaisquer custos por efeito da desistência e sem necessidade de indicar o motivo (por que o faz), no prazo de 14 dias, a contar:

4.1. Do dia da celebração do contrato, no caso dos contratos de prestação de serviços;

4.2. Do dia em que o consumidor ou um terceiro indicado pelo consumidor, com excepção do transportador, adquira a posse física dos bens, no caso dos contratos de compra e venda.

5. Se o fornecedor não cumprir o dever de informação pré-contratual alusivo ao direito de desistência (que é de 14 dias) nem anexar ao contrato o “formulário de desistência”, o prazo para o efeito passa a ser de 12 meses a contar do termo prazo inicial (dos 14 dias): 12 meses que acrescem aos 14 dias iniciais, que não só 14 dias singelos.

6. Há, porém, contratos que pela sua natureza não prevêem esse período de ponderação ou reflexão, salvo acordo em contrário, como, por exemplo, a dispensa de bens

6.1. confeccionados de acordo com especificações do consumidor ou manifestamente personalizados;

6.2. que, por natureza, não possam ser reenviados ou sejam susceptíveis de se deteriorarem ou de ficarem rapidamente fora de prazo;

6.3. selados não susceptíveis de devolução, por motivos de protecção da saúde ou de higiene quando abertos após a entrega;

6.4. de gravações áudio ou vídeo seladas ou de programas informáticos selados, a que o consumidor tenha retirado o selo de garantia de inviolabilidade após a entrega.

EM CONCLUSÃO

a. Os contratos fora de estabelecimento não se esgotam nos contratos porta-a–porta.

b. Outras modalidades há a que se aplica o mesmo regime, dos contratos no local de trabalho como no decurso de excursões ou nos estabelecimentos na sequência de qualquer contacto de rua ou em reuniões “tupperware”, entre outros.

c. Salve pontuais excepções, em todos esses contratos os consumidores beneficiam de um período dentro do qual podem “dar o dito por não dito” ( o mesmo é dizer... desistir), a saber, de 14 dias consecutivos.

Mário Frota
 
Presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal
 
(‘As Beiras’, edição de 18 de Dezembro de 2021)

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