O respeito
que os consumidores merecem aos media
exige da informação isenção, rigor, exigência e se busque quem domine os temas
para que os eventuais esclarecimentos não perturbem e não confun
dam ainda mais
os seus destinatários.
A propósito
das prendas de Natal e da susceptibilidade das trocas, um
jornal de
referência recorreu, em tempos, a alguém pretensamente ligado a uma
“associação” de “consumidores” a fim de esclarecer todos e cada um.
E o que ficou
da opinião transcrita é que não há qualquer direito à troca de produto por
outro similar ou distinto. E que se trata de um favor, uma mera cortesia,
repete-se, de UM FAVOR dispensado aos consumidores, fruto da política de cada
uma das empresas.
Nada de mais
erróneo!
Talvez
conheçam tais opinadores os contratos fora de estabelecimento (ou porta-a-porta)
ou a tal assimilados, talvez não ignorem o regime dos contratos à distância
(por qualquer meio não presencial), mas, ao que parece, ignoram o mais...
E não é
isento de particularismos o naipe de
contratos equiparados aos celebrados fora de estabelecimento comercial, nem
sempre como tal havidos.
Com exemplo,
neles figuram os:
· Celebrados no estabelecimento comercial do
fornecedor ou através de quaisquer meios de comunicação à distância
imediatamente após o consumidor ter sido, pessoal e individualmente, contactado
num local que não seja o do estabelecimento comercial do fornecedor respectivo;
·
Celebrados no domicílio do consumidor;
·
Celebrados no local de trabalho do
consumidor;
· Celebrados em reuniões em que a oferta de
bens ou de serviços seja promovida por demonstração perante um grupo de pessoas
reunidas no domicílio de uma delas, a pedido do fornecedor ou do seu
representante ou mandatário;
· Celebrados durante uma deslocação organizada
pelo fornecedor de bens ou por seu representante ou mandatário, fora do
respectivo estabelecimento comercial;
·
Celebrados no local indicado pelo
fornecedor de bens, a que o consumidor se desloque, por sua conta e risco, na
sequência de uma comunicação comercial feita pelo fornecedor de bens ou pelo
seu representante ou mandatário.
Nestes contratos, os consumidores dispõem, por lei, de
14 dias para dar o dito por não dito. Não são contratos firmes. Estão
sujeitos a um período de reflexão ou ponderação dentro do qual os consumidores
podem retractar-se, ou seja, “dar o dito por não dito”, desfazendo-os.
Ignoram decerto a existência de outras modalidades de
contratos, disciplinados, de resto, pelo Código Civil, cuja consulta se
recomenda vivamente.
Ignoram os contratos a contento, cujo regime se
acha plasmado nos artigos 923 e seguinte do Código Civil.
Como ignoram
os contratos “sujeitos a prova”…
1.
VENDA A CONTENTO: o que é?
É a que é
feita sob reserva de a coisa agradar ao
consumidor.
Mas a compra e venda a contento apresenta-se sob duas modalidades:
. a primeira, como mera proposta de venda;
. a segunda, como contrato (há já um contrato e não
uma mera proposta contratual) susceptível de resolução, vale dizer, de ao
contrato se pôr termo, se a coisa não agradar ao consumidor.
1.1. Venda
a contento na primeira modalidade
No caso da proposta de venda, a coisa deve ser facultada ao consumidor para
exame.
A proposta considera-se aceita se, entregue a coisa ao consumidor, este se não
pronunciar dentro do prazo da aceitação que se estabelecer (por exemplo, 8, 10,
15 dias…).
Neste caso, não haverá pagamento porque não há
contrato, mas, como se disse, uma proposta contratual. O que pode é haver uma
qualquer entrega do valor da coisa equivalente ao preço, a título de caução.
Devolvida a coisa, restituir-se-á a caução na íntegra.
Não há cá vales, menos ainda vales com prazos de validade, curtos ou longos,
com o fito de se vender ulteriormente, pelo seu valor, uma outra coisa.
1.2. Venda
a contento na segunda modalidade
Se as partes estiverem de acordo sobre a resolução (a extinção) da compra e
venda, isto é, sobre a faculdade de se pôr termo ao contrato no caso de a coisa
não agradar ao comprador, o vendedor pode fixar um prazo razoável para tal, se
nenhum for estabelecido pelo contrato ou, no silêncio deste, pelos usos
“comerciais”.
A entrega da coisa não impede que o
consumidor ponha termo ao contrato.
A devolução da coisa obriga à restituição
do preço, na íntegra, de imediato, sob pena de o vendedor incorrer em mora.
Neste aspecto, como há já contrato, se a ele se puser
termo, terá de se operar a restituição do preço e a devolução da coisa.
Dever-se-ia legislar neste particular, a fim de se preverem coimas (sanções em
dinheiro e sanções acessórias) para o caso de o vendedor se atrasar a restituir
o preço ou se o quiser fazer por outro modo, seja através de vales ou por
qualquer outra modalidade de pagamento. Coisa que se não admite: o consumidor
entregou dinheiro, deve ser-lhe restituído o valor em numerário e não por
qualquer outra forma; pagou por cartão de débito ou de crédito, deve ser feito
de imediato o cancelamento do pagamento, de modo inequívoco e sem prejuízos de
qualquer espécie.
Dúvidas sobre a modalidade da venda
Em caso de dúvida sobre a modalidade que as partes
tiverem tido em mira, presume-se que é a primeira a adoptada: ou seja, não que
tivessem escolhido um contrato de compra e venda susceptível de a ele se pôr
termo se a coisa não agradar ao consumidor, mas uma mera proposta de venda.
2.
COMPRA E VENDA SUJEITA A PROVA: o que é?
A compra e venda sujeita a prova está regrada no
artigo 925 do Código Civil. Aplica-se subsidiariamente aos contratos de
consumo.
O regime é o que segue:
A venda sujeita a prova considera-se feita sob a condição (suspensiva) de a
coisa ser idónea para o fim a que é destinada e ter as qualidades asseguradas
pelo vendedor.
Condição suspensiva é aquela segundo a qual as partes
subordinam a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do
negócio jurídico.
Por conseguinte, se o acontecimento futuro ocorrer,
estaremos perante uma condição suspensiva: o negócio jurídico produz os seus
efeitos normais.
A venda sujeita a prova pode estar sujeita a uma
condição resolutiva.
A condição resolutiva é aquela segundo a qual as
partes podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a extinção do negócio.
Se o
acontecimento se verificar, a condição será resolutiva: o negócio
não produzirá os seus efeitos.
A coisa deve ser facultada ao comprador para prova.
A prova deve
ser feita dentro do prazo e segundo a modalidade estabelecida pelo contrato ou
pelos usos.
Se tanto o contrato como os usos forem omissos,
observar-se-ão o prazo fixado pelo vendedor e a modalidade escolhida pelo
comprador, desde que razoáveis.
Não sendo o resultado da prova comunicado ao vendedor
antes de expirar o prazo a que se refere o parágrafo anterior, a condição
tem-se por verificada quando suspensiva (isto é, o negócio produz os seus
efeitos normais, o contrato passa a ser firme) e por não verificada quando
resolutiva (o mesmo se dará aqui nessa hipótese).
Mas ignoram
ainda, ao que parece, o princípio da autonomia da vontade, segundo o qual sob a
epígrafe
Liberdade
contratual
se diz que
|
“1. Dentro dos limites da lei, as
partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar
contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as
cláusulas que lhes aprouver.
2. As partes podem ainda reunir no
mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente
regulados na lei”
E o facto é que os contratos que fornecedores e consumidores celebram
nestas circunstâncias (e é essa tanto a vontade de uns e de outros, fundidas
em negócio jurídico que - se assim não fora - nem os consumidores comprariam
nem os comerciantes venderiam) são-no com a faculdade de troca em um dado
período de tempo (que outrora fora de oito dias, pelo recurso paralelo ao
prazo do proémio do artigo 471 do Código Comercial, que, de resto, constava
das notas emitidas pelos estabelecimentos).
Contrato que é um híbrido do contrato
de venda a contento ou sujeita a
prova com consequências menos
gravosas para o comerciante que os verdadeiros e próprios contratos
típicos, nominados, como supra se definem, com a faculdade de troca do bem,
já que se pactua a substituição da coisa que não a sua devolução pura e
simples.
E isso de há muito que faz parte também dos usos comerciais que,
nessa medida, vinculam. Não de trata de uma cortesia, de um mero favor, de
uma condescendência, que possa ser recusada a cada instante, com uma
instabilidade enorme para as partes e nefastas consequências para o comércio.
Se se pactuar, porém, um contrato típico de venda a contento ou sujeita
a prova, de modo esclarecido, os efeitos jurídicos são exactamente os que
ali se prevêem: a devolução da coisa e a restituição do preço. Que não a simples troca ou substituição.
Não se fale, pois, em favor
nem em mera cortesia. Não se diga
que os fornecedores não estão obrigados a efectuar as trocas com as
consequências daí emergentes. Porque,
nestes termos, estarão obrigados a tal. Sem discussões.
Mas seja qual for a modalidade do contrato, impera aqui a lei da garantia
dos bens de consumo:
Em caso de desconformidade, o consumidor pode, em termos de razoabilidade
e adequação, lançar mão, no período de 2 anos, dos remédios conhecidos, não
sujeitos a qualquer precedência: ou envereda pela reparação da coisa ou pela
sua substituição ou pela redução do preço ou por pôr termo ao contrato com a
devolução da coisa e a restituição do preço. Contanto é que, no lapso de 60 dias, denuncie ao
fornecedor a não conformidade da coisa (o vício, o defeito, etc…).
|
Por
conseguinte,
AS TROCAS DE
BRINDES, DE PRENDAS,
nesta como em
outras ocasiões,
NÃO SÃO MEROS
FAVORES,
ANTES ALGO
REGRADO NO CÓDIGO OU EM RESULTADO DO ACORDO DAS PARTES.
Estão no cerne das negociações comerciais, estão
previstas na lei, são por tal disciplinadas, decorrem da livre negociação entre
as partes, resultam de usos comerciais consolidados.
Favor é o consumidor propender à troca num contrato a contento ou sujeito a prova
quando a lei lhe confere o direito à
devolução pura e simples da coisa.
Entendamo-nos, pois! Para que não haja nem subversão
de DIREITOS nem prejuízos para a
parte mais débil, em princípio, em contratos desta natureza.
Mário Frota
apDC – DIREITO
DO CONSUMO - Coimbra