sexta-feira, 6 de outubro de 2023

consultório do CONSUMIDOR


(deveria ter vindo hoje a lume n’’As Beiras’, mas naturalmente por escassez de espaço não foi publicado)

Já enoja… desamparem-me a loja!

De um consulente de Vila Franca de Xira:

“Há dias tive aqui uns “tipos” da Iberdrola que até que lhes fechasse a porta na cara, não me desampararam a loja. Queriam vender electricidade mais barata e diziam que ia poupar com eles… mas a conversa é toda a mesma. “Chagaram-me” o tempo todo e vi-me em “palpos de aranha” para me desembaraçar deles.

Não deveria haver regras para as vendas porta-a-porta?”

 

E em venda porta-a-porta

Ordem de “parta e não volte”

Não pode ser letra morta

Nem que o intruso se escolte!

 

Ante os factos, cumpre responder:

1.    Há, com efeito, regras muito estritas, de há muito, para as vendas porta-a-porta, ao domicílio ou, como ora se diz, ‘fora de estabelecimento’: é o DL 24/2014, de 14 de Fevereiro, que disciplina actualmente um tal domínio.

 

2.    E as ‘vendas fora de estabelecimento’ abarcam uma vasta gama em que cabem os contratos:

 

          (curiosamente…) no estabelecimento comercial do fornecedor ou através de quaisquer meios de comunicação à distância imediatamente após o consumidor ter sido, pessoal e individualmente, contactado em local que não seja o do estabelecimento (‘contactos de rua’);

          no domicílio do consumidor (‘porta-a-porta’);

          no local de trabalho do consumidor (‘vendas no trabalho’);

          em reuniões em que a oferta seja promovida por demonstração perante um grupo de pessoas reunidas no domicílio de uma delas, a pedido do fornecedor (ou seu representante) (reuniões “tupper-ware”);

          durante uma deslocação organizada pelo fornecedor (ou seu representante) fora do respectivo estabelecimento comercial (contratos “tipo” “conheça … a Galiza grátis”);

          no local indicado pelo fornecedor, a que o consumidor se desloque, por sua conta e risco, na sequência de uma comunicação comercial feita pelo fornecedor (ou seu representante) (convite a contratar).

 

3.    E as regras são tão extensas e precisas que vão desde os preliminares negociais (a informação pré-contratual), à formação do contrato, ao direito de retractação (o de ‘dar o dito por não dito’) em razão do período de reflexão ou ponderação oferecido ao consumidor para ajuizar do bem fundado da compra e venda, e às excepções a um tal direito, e bem assim as consequências quer para o fornecedor como para o consumidor em caso de retractação, como ainda à execução do contrato.

 

4.    Mas os aspectos inerentes ao ‘assédio’ com que os vendedores, em regra, abordam os consumidores, relevam de um outro diploma legal: o DL 57/2008, de 26 de Março (a denominada Lei das Práticas Comerciais Desleais).

 

5.    Com efeito, a Lei das Práticas Desleais, no seu artigo 12, entre outras práticas expressamente vedadas, dispõe taxativamente:

“São consideradas agressivas, em qualquer circunstância, as seguintes práticas comerciais:

 

a)     Criar a impressão de que o consumidor não pode deixar o estabelecimento sem que antes [celebre] um contrato;

 

b)       Contactar o consumidor através de visitas ao seu domicílio, ignorando o pedido daquele para que o profissional parta ou não volte …;

 

c)     Fazer solicitações persistentes e não solicitadas, por telefone, fax, e-mail ou qualquer outro meio de comunicação à distância…;

 

d)     …”

 

6.    A violação do que no artigo supracitado se contém constitui contra-ordenação económica grave, punível nos termos do Regime Jurídico das Contra-ordenações Económicas: tratando-se de uma empresa com a magnitude da Iberdrola (mais de 250 trabalhadores) o leque de sanções gradua-se entre € 12 000 e 24 000 € (DL 57/2008: n.º 1 do art.º 21; DL 9/2021: v, al. b) do art.º 18).

EM CONCLUSÃO

1.    O regime da venda, outrora denominada porta-a-porta, hoje havido como  “fora de estabelecimento”, insere-se no DL 24/2014: art.ºs 4.º, 9.º a 17 e 20.

2.    Perante o assédio em ‘venda porta-a-porta’, é lícito ao consumidor ordenar que o vendedor se retire, não se admitindo eventual insistência ou resistência, já que, a verificar-se, tal constitui ilícito de mera ordenação social grave (DL 57/2008: al. b) do art.º 12; n.º 1 do art.º 21)

3.    A coima para um tal ilícito, tratando-se de uma grande empresa, oscilará entre os € 12 000 a 24 000 €, para além de sanções acessórias (DL n.º 9/2021: v, al. b) do art.º 18).

 

Tal é, salvo melhor juízo, o nosso parecer.

 

Mário Frota

presidente emérito da apDC – Direito do Consumo - Portugal

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