“As Beiras”
30
de Junho de 23
Defeitos “estéticos” à margem das garantias?
Essa
do defeito estético
Tem
o seu quê de humor
Neste
esgrimir dialéctico
Se
só garante o “motor”…
Ou
se ‘trama’ o consumidor?
“Comprei uma moto há menos de dois meses. A moto vinha com defeito
estético no banco. Estava rasgado. No ‘stand’ disseram que me faziam um
desconto de 300 euros, mas nada foi escrito. Quando verifiquei o crédito… o
desconto não estava lá e no ‘stand’ disseram, falseando a verdade, que não se tinham comprometido e que a
garantia não cobria o banco, apenas o motor, porque as questões estéticas
não estavam nela abrangidas.
Recorrendo ao seu exemplo do “corta unhas”, a garantia não deveria
cobrir tudo?
E eu não assinei nada a prescindir dela…”
Apreciados os
factos, cumpre enquadrá-los juridicamente:
1. A garantia
das coisas móveis duradouras, novas, é de três anos (LCVBC - Lei da Compra e
Venda de Bens de Consumo de 2021: n.º 1 do art.º 12).
2. E a
garantia de conformidade cobre “toda a
coisa e a coisa toda” (LCVBC: alínea d)
do n.º 1 do art.º 7.º).
3. Independentemente
das ofertas incumpridas (a falta de nível no comércio em geral é cada vez mais
preocupante, em País em que parece valer tudo…), a coisa tem de ser reposta em
conformidade mediante reparação ou substituição (LCVBC: n.ºs 1 e 2 do art.º 15).
4. Ainda que
tivesse renunciado aos seus direitos – e não renunciou - , isso de nada
valeria:
4.1.Com
efeito, o n.º 1 do artigo 51 da Lei da Compra e Venda dos Bens de Consumo, reza
o seguinte, sob a epígrafe “carácter
imperativo”:
“Sem prejuízo do regime das [condições gerais dos contratos], é nulo o acordo ou cláusula contratual pelo qual se excluam ou limitem
os direitos do consumidor previstos no presente decreto-lei.”
4.2.
E, para além do mais, a Lei das Condições Gerais dos Contratos de 25 de
Outubro de 1985, diz imperativamente (art.º 21) em sede de “cláusulas
absolutamente proibidas”:
“São em absoluto proibidas, designadamente, as cláusulas contratuais
gerais que:
a) Limitem ou
de qualquer modo alterem obrigações assumidas, na contratação, directamente por
quem as predisponha ou pelo seu representante;
…
d) Excluam os
deveres que recaem sobre o predisponente, em resultado de vícios da prestação,
ou estabeleçam, nesse âmbito, reparações ou indemnizações pecuniárias
predeterminadas;
5. Uma tal
cláusula seria nula de pleno direito. O seja, é susceptível de invocação por
qualquer interessado e oficiosamente de conhecimento pelo julgador. E não
estaria só na dependência do consumidor, em cujo interesse a lei o estabelecera
(LCVBC: n.º 2 do art.º 51 por força da LDC – Lei 24/96: n.ºs 2 e 3 do art.º 16)
6. Ao
fornecedor só lhe compete, na circunstância,
reparar a coisa. E ao consumidor exigir o cumprimento da garantia, podendo,
se as resistências persistirem, requerer as devidas providências no tribunal
arbitral de consumo ou no julgado de paz territorialmente competente, com o
pedido de indemnização pelos danos morais que a arrastada situação e as
resistências infundadas impuserem.
EM CONCLUSÃO
a. A garantia
legal – que é de 3 anos para as coisas móveis duradouras – não comporta
excepções: a garantia é ‘de toda a coisa e da coisa toda’ (LCVBC: alínea d) do
n.º 1 do art.º 7.º e n.º 1 do art.º 12)
b. Não é
lícito renunciar aos seus direitos no que toca à garantia legal dos bens de
consumo (LCVBC: n.º 1 do artigo 51)
c. A eventual
renúncia é nula de pleno direito (LCGC – als. a) e d) do art.º 21), podendo ser invocada por
qualquer dos interessados e conhecida oficiosamente pelo tribunal (Cód. Civil:
art.º 286)
d. Se o
fornecedor relapso insistir na recusa, recorra ao tribunal arbitral de consumo competente
(o territorial ou, se inexistir, supletivamente, o nacional), a fim de o forçar
a cumprir e a indemnizar pelos danos causados, tanto materiais quanto morais
(LDC: n.ºs 2 e 3 do art.º 14 e n.º 1 do art.º 12).
Este é,
salvo melhor juízo, o nosso parecer.
Mário
Frota
presidente
emérito da apDC – Direito do Consumo
- Portugal