segunda-feira, 8 de maio de 2023

ACÇÃO COLECTIVA EUROPEIA: “AI DEUS, E U É”?


Portugal não transpôs, até 25 de Dezembro p.º p.º, a directiva que de novo regra a acção colectiva europeia: as anteriores restringiam-se ao escopo inibitório (pela acção, fazer cessar ou proibir prática lesiva dos direitos do consumidor); a actual estende o seu alcance à indemnização dos prejuízos de que padece, por regra, uma mole imensa de consumidores.

A Directiva concedera um período de ‘digestão’ de 6 meses (da sua publicação ao começo de vigência: 23 de Junho de 23) para assimilação do seu conteúdo.

Portugal, uma vez mais, borregou: não transpôs a directiva e, não tarda, estamos… em Junho!

As regras nela plasmadas nem sempre se têm por mais progressivas que as que vigoram internamente.

Mas há aspectos, como os do financiamento das acções (o necessário suporte económico para o seu desencadeamento, indispensável, quantas vezes!) que entre nós jamais se legislaram e parece haver que considerar ante os denominados “fundos-abutre”, como o denuncia a ProPública – Direito e Cidadania, fundada por Agostinho Miranda.

Eis o que regista em comunicado recente:

“A PP manifesta a sua  estranheza e perplexidade perante a continuação da situação criada por supostas associações de consumidores, constituídas à pressa com o propósito de intentar acções milionárias, ditas populares mas financiadas por fundos internacionais vulgarmente conhecidos por “fundos- abutre”.

A fusão tóxica dos mecanismos da acção popular com o financiamento por entidades do mundo financeiro representa a instrumentalização daquela via de defesa dos direitos colectivos, favorecendo antes interesses privados de natureza especulativa.

No entender da ProPública, estamos a assistir a um abastardamento da acção popular, um instituto previsto na Constituição da República para a protecção do bem público e a participação dos cidadãos na realização da justiça.

O funcionamento dos tribunais, nomeadamente do Tribunal da Concorrência, é suportado pelo dinheiro dos contribuintes, sendo incompreensível a sua canibalização por parte de fundos financeiros cujo funcionamento não está sequer regulado na lei portuguesa. “

Ora, a Directiva de 25 de Novembro de 2020 estabelece como regras a adoptar nesse particular:

“Os Estados asseguram que, caso uma acção colectiva [reparatória] seja financiada por um terceiro, na medida em que o direito nacional o permita, se evitem conflitos de interesses e que o financiamento por terceiros que tenham um interesse económico na proposição ou no resultado da acção colectiva … não [a] desvie da protecção dos interesses colectivos dos consumidores.

Os Estados asseguram, em particular, que:

§  As decisões tomadas pelas entidades [dotadas de legitimidade] no contexto de uma acção colectiva, incluindo decisões relativas a acordos de indemnização, não sejam indevidamente influenciadas por um terceiro, de uma forma que prejudique os interesses colectivos dos consumidores…;

 

§  A acção colectiva não seja intentada contra um demandado que seja concorrente do financiador ou contra um demandado do qual o financiador dependa.

Os Estados asseguram que os tribunais … tenham, no âmbito de uma acção colectiva [reparatória], poderes para avaliar o cumprimento do [precedentemente] disposto caso surjam dúvidas justificadas a esse respeito. Para o efeito, as entidades dotadas de legitimidade apresentam ao tribunal… uma síntese financeira que enumere as fontes de financiamento utilizadas para apoiar a acção colectiva.

Os Estados asseguram ainda que, para [tal] efeito, os tribunais… tenham poderes para adoptar as medidas adequadas, como exigir à entidade legitimada que recuse ou faça alterações ao financiamento em causa e, se for caso disso, rejeitar a legitimidade [de uma tal] entidade numa determinada acção colectiva. Se a legitimidade [dessa] entidade for rejeitada …, tal rejeição não afecta os direitos dos consumidores [nela] abrangidos.”

Pende ainda no Parlamento Europeu um Documento de 17 de Junho de 2021 que tende a reforçar os limites ao financiamento das acções, quando admitido.

Há que barrar todos os desvios, há que reforçar a legalidade e o estatuto dos consumidores e suas lídimas instituições.

 

Mário Frota

presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal

 

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