CONSULTÓRIO DO CONSUMIDOR
“as Beiras”
(que deveria ter vindo a lume na edição de hoje, 24 de Fevereiro de 2023, mas sem qualquer justificação nela não surgiu)
“A mão que afaga é a mesma que apedreja”?
E se comprou em Lisboa
E o recusam em Peniche
É que aqui a lei mal soa
E a empresa não é “fixe”!
“Comprei um fogão na Worten, em Lisboa. Mas como moro em Peniche, precisava de o trocar nesta loja, algo que já fiz no passado. No entanto, agora dizem-me que tenho de enviar o electrodoméstico para Lisboa e que o transporte é por minha conta. Qual é a lei que rege este tipo de vontades? O que posso fazer?”
Ante uma tal factualidade, cumpre oferecer a solução que da lei emerge:
1. Ao comprar, decerto que forneceu os dados pessoais, quanto mais não seja porque uma compra do estilo envolve, ao menos, uma garantia legal.
1.1.E, por isso, sabia de antemão a Worten que a assistência se não prestaria no lugar da compra, a saber, em Lisboa, mas no do domicílio, em Peniche.
1.2.E, quando vende em tais condições, assume as obrigações que da lei decorrem.
2. A Lei das Garantias dos Bens de Consumo de 2021 afirma expressamente, no n.º 1 do seu artigo 18:
2.1.Para efeitos de reparação ou substituição, o consumidor deve disponibilizar os bens, a expensas do fornecedor, que assumirá os inerentes encargos.
2.2.E que a reparação ou a substituição se processa:
2.2.1. A título gratuito;
2.2.2. Em prazo razoável a contar do momento em que o consumidor haja dado a saber da não conformidade;
2.2.3. Sem grave inconveniente, tendo em conta a natureza e a finalidade a que se destina.
3. Ora, nos temos da alínea a) do seu artigo 2.º, “a título gratuito” quer significar:
“livre dos custos necessários incorridos para repor os bens em conformidade, nomeadamente o custo de porte postal, transporte, mão-de-obra ou materiais”.
4. Logo, o transporte é simplesmente a expensas da Worten.
5. O prazo para reparação ou substituição não deve exceder os 30 dias, salvo se a natureza e complexidade do remédio a adoptar, a gravidade da não conformidade e o esforço necessário para a reposição justifiquem prazo superior.
6. Em caso de reparação, o bem beneficia de um prazo adicional de seis meses por cada uma das operações até ao limite de quatro, devendo o fornecedor, aquando da sua devolução, transmiti-lo ao consumidor.
7. Quando a reparação exigir a remoção do bem instalado de forma compatível com a natureza e finalidade antes de a não conformidade se ter manifestado, a obrigação do fornecedor abrange a remoção do bem não conforme e a sua instalação, uma vez reparado ou substituto, a expensas suas.
8. Se ocorrer a substituição, o fornecedor responde por qualquer não conformidade no bem sucedâneo pelo decurso da garantia (dois anos até 31 de Dezembro de 2021, três anos a partir do 1.º de Janeiro de 2022).
9. “Em caso de substituição do bem, não pode ser cobrado ao consumidor qualquer custo inerente à normal utilização do bem substituído.”
10. Por conseguinte, é de má política comercial que um estabelecimento de uma cadeia com a projecção da Worten, funcione em jeito de “competência estanque”: “já que foste comprar a outro lado, tens de arcar com os encargos do transporte para lá”, “desampara-nos a loja”, “ vai dar trabalho a quem deste o dinheiro”!
11. Porque as grandes insígnias, dotadas de cultura empresarial, não serão grandes se não cuidarem, se não estimarem, os consumidores.
12. Como dizia o Nobel da Economia de 1972, Jonh Hicks, “quem paga o salário dos trabalhadores não são os empregadores, não são os governos, não são os sindicatos: quem paga os salários dos trabalhadores são os consumidores”.
13. Como se vê nas camisolas dos jogadores de futebol : “RESPECT”, “RESPECT”, “RESPECT”! Não o respeitinho que por aí se proclama de modo pejorativo, mas… o RESPEITO, O RESPEITO!
EM CONCLUSÃO:
a. Os encargos inerentes ao transporte, em caso de reparação ou substituição do bem, suporta-os o fornecedor [DL 84/2021: al. a) do n.º 1 do art.º 18].
b. Por comodidade, é lícito ao consumidor recorrer a qualquer estabelecimento de uma dada insígnia [com estabelecimentos esparsos pelo país] sem que se justifique a recusa da aceitação do bem não conforme, como parece elementar e no quadro de uma cultura comercial que se exige de todos e de cada um.
c. Caso tal ocorra, deve consignar a recusa no Livro de Reclamações para os efeitos devidos.
Eis o que se nos oferece dizer.
Mário Frota
presidente emérito da apDC – Direito do Consumo - Portugal
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