terça-feira, 30 de agosto de 2022

Acesso a linhas telefónicas para contactos do consumidor e sua divulgação

 


I

O PRINCÍPIO-REGRA PLASMADO

NA LDC – LEI DE DEFESA DO CONSUMIDOR

A princípio [em 2014, que a LDC é de 1996…] era assim:

Artigo 9.º-D

Serviços de promoção, informação ou contacto com os consumidores

1 - A disponibilização de linha telefónica para contacto no âmbito de uma relação jurídica de consumo não implica o pagamento pelo consumidor de quaisquer custos adicionais pela utilização desse meio, além da tarifa base, sem prejuízo do direito de os operadores de telecomunicações facturarem aquelas chamadas.

2 - O disposto no número anterior não prejudica a aplicação do Decreto-Lei n.º 134/2009, de 2 de Junho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de Junho, em tudo o que não contrarie a presente lei.

(Introduzido pela Lei n.º 47/2014, de 28 de Julho, que transpusera parcialmente a Directiva n.º 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Outubro de 2011).

Formulação aparentemente simples que redundou em inúmeros equívocos, como se pode apreender dos termos do preâmbulo do diploma que revoga o dispositivo e verte sobre o regime que entrou em vigor em 01 de Novembro de 2021.

Porém, como se previne no preâmbulo do DL 59/2021, de 14 de Julho:

“A aplicação do disposto no referido n.º 1 do artigo 9.º-D tem sido dificultada pela ausência de um entendimento comum sobre o conceito de «tarifa base», mencionado na sua redacção. Acresce que enquanto a directiva, na versão portuguesa, fala em «tarifa de base», o legislador nacional optou por usar a expressão «tarifa base», o que aumentou as dúvidas interpretativas. Na verdade, enquanto a expressão «tarifa base» remete para uma ideia de tarifa ideal recomendada para todos os consumidores, a expressão «tarifa de base» transmite a ideia de tarifa normal de cada consumidor em concreto.

A propósito deste conceito, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), no Acórdão n.º C-568/15, de 2 de Março de 2017, e no âmbito de uma questão prejudicial sobre a aplicação do artigo 21.º daquela directiva, considerou que o conceito de tarifa de base corresponde ao custo normal de uma comunicação habitual que o consumidor esperaria suportar, ou seja, refere -se à tarifa habitual da comunicação telefónica, sem despesas suplementares para o consumidor. O mesmo Tribunal concretiza esta ideia, concluindo que o custo ou preço de uma chamada relativa a um contrato de consumo celebrado, efectuada para uma linha telefónica de apoio ao cliente, explorada por um profissional, não pode exceder o custo de uma chamada para uma linha telefónica geográfica fixa comum ou para uma linha telefónica móvel.

Aquilo que o TJUE pretendeu foi, portanto, esclarecer que quando o consumidor contacta telefonicamente o fornecedor de bens ou o prestador de serviços não pode pagar mais do que aquilo que pagaria por uma chamada normal para um número geográfico ou móvel. Isto significa, por exemplo, que caso o consumidor disponha de um tarifário que inclua «pacote de minutos» para qualquer número geográfico ou móvel a chamada efectuada deve ser descontada no valor de minutos disponível no seu tarifário, não podendo ser cobrado um valor adicional — só naquela hipótese se pode dizer que o consumidor está a efectuar uma chamada dentro do custo normal que esperaria suportar.

Em última análise, o que se pretende é que o consumidor possa contactar telefonicamente o fornecedor de bens ou o prestador de serviços sem qualquer entrave ou restrição, no fundo, que promova tal contacto tal como faz para os demais contactos da sua lista telefónica, relativamente aos quais sabe que pode ou não pagar essa comunicação consoante o seu tarifário, sabendo também que nunca suportará um valor que vai para além de um custo normal.

Por outro lado, a lei nacional, ao falar em «linha telefónica para contacto no âmbito de uma relação jurídica de consumo» pode abranger, na sua literalidade, os casos em que a própria chamada telefónica se traduz na relação jurídica de consumo, como sucede nos casos em que o serviço prestado ao consumidor é a própria chamada. Não é, seguramente, intenção da lei a de abranger este tipo de chamadas quando impõe que o pagamento da chamada não pode ir além da tarifa de base, pelo que se entende ajustado que as relações abrangidas pela norma fiquem devidamente delimitadas.

 

 

E agora é assim [de um artigo simples a um diploma legal complexo], como segue nos passos subsequentes.

Que estranha forma de legislar! E de legislar de modo avulso… e talvez inconsequente!

Quantos mais diplomas se editarem, melhor para os que “pescam em águas turvas” e fazem das leis algo muito pior que um chapéu de pobre, mais amarrotado que a mais amarrotada das coisas desprezíveis…

II

OBRIGAÇÃO GERAL DE INFORMAÇÃO

 

1.     Indicação obrigatória dos números de contacto

Os fornecedores de bens ou prestadores de serviços que operem nos distintos segmentos do mercado de consumo, sem excepção, e facultem linhas telefónicas para contacto do consumidor devem divulgar, de forma clara e visível,

§  nas suas comunicações comerciais,

§  na página principal do seu sítio na Internet,

§  nas facturas,

§  nas comunicações escritas com o consumidor e

§  nos contratos com este celebrados, quando assumam a forma escrita,

 o número ou números telefónicos de contacto, aos quais deve ser associada, de forma igualmente clara e visível, informação actualizada do correspondente preço.

2.     Pormenor

A informação acerca dos números e do preço das chamadas principiará pelas linhas gratuitas e pelas linhas geográficas ou móveis, apresentando,  de seguida, se for o caso, por ordem crescente de preço, o número e o preço das chamadas para as demais linhas.

3 . Preço único

§  Quando não for possível apresentar um preço único para a chamada, pelo facto de tal ser variável em função da rede de origem e da rede de destino, deve, em alternativa, ser prestada a seguinte informação, consoante o caso:

 

§  «Chamada para a rede fixa nacional»;

 

§  «Chamada para rede móvel nacional».

 

II

LINHAS TELEFÓNICAS DO FORNECEDOR DE BENS

OU DO PRESTADOR DE SERVIÇOS

1.     Limitação de custos

O custo, para o consumidor, das chamadas efectuadas para as linhas telefónicas facultadas pelo fornecedor de bens ou pelo prestador de serviços, para os necessários contactos, no âmbito de uma relação jurídica de consumo, não pode ser superior ao valor da sua tarifa de base.

2.     Glossário: significados

2.1.          Fornecedor

Por fornecedor se entende quer o fornecedor de bens propriamente dito como o prestador de serviços no âmbito de uma relação jurídica de consumo.

2.2.          Entidade que preste serviços públicos essenciais

Por tal se entende a empresa que dispense serviços, designadamente ps de fornecimento de água, de energia eléctrica, de gás natural e de gases de petróleo liquefeitos canalizados, de comunicações electrónicas, de serviços postais, de recolha e tratamento de águas residuais, de gestão de resíduos sólidos urbanos e de transporte de passageiros, bem como outros que como tal venham a ser qualificados.

 

2.3.          ‘Contacto telefónico no âmbito de uma relação jurídica de consumo’

Considera-se como tal o contacto telefónico promovido por um consumidor com um fornecedor.

Não se consideram como tal as chamadas telefónicas que constituem uma prestação de serviço autónoma, que não esteja relacionada com o fornecimento de qualquer bem ou a prestação de qualquer serviço prévios ao consumidor, designadamente as chamadas de telemedicina e de televoto e as destinadas a campanhas de angariação de fundos.

 

 

2.4.          Tarifa de base

 Por «tarifa de base» se entende o custo de uma comunicação telefónica comum que o consumidor espera suportar de acordo com o respectivo tarifário de telecomunicações.

3.     Linha telefónica gratuita: gratuita ou onerosa?

O fornecedor obriga-se a facultar ao consumidor uma linha telefónica gratuita ou, em alternativa, uma linha telefónica a que corresponda uma gama de numeração geográfica ou móvel.

4.     Proibição do cobrança adicional

Tratando-se chamadas que constituam uma prestação de serviço autónoma, como se define no ponto 3, não podem ser cobrados ao consumidor, simultaneamente, o preço da chamada e um outro adicional pelo serviço prestado, cabendo-lhe pagar tão só um preço único pela chamada efectuada.

5.     Serviços Públicos Essenciais: obrigações a que se adscrevem

A entidade que preste serviços públicos essenciais é obrigada a tornar acessível ao consumidor uma linha para contacto telefónico, gratuita ou, em alternativa, uma outra a que corresponda uma gama de numeração geográfica ou móvel.

 

III

LINHAS TELEFÓNICAS ADICIONAIS

1.     Restrições

Sempre que, para além da linha telefónica gratuita ou da que corresponda a uma gama de numeração geográfica ou móvel, se faculte uma linha adicional, o fornecedor e a entidade que preste serviços públicos essenciais não podem, em tal linha, dispensar um serviço manifestamente mais eficiente ou mais célere ou com melhores condições do que o que prestam através da linha gratuita ou da que corresponda uma gama de numeração geográfica ou móvel.

IV

PROIBIÇÃO DE COBRANÇA PRÉVIA DE OUTROS MONTANTES

O fornecedor e a entidade que opera nos serviços públicos essenciais, obrigados que se acham a proporcionar o acesso a uma linha telefónica gratuita ou uma outra a que corresponda uma gama de numeração geográfica ou móvel, estão impedidos de cobrar, previamente, ao consumidor qualquer montante diverso do permitido, sob a condição de lhe ser restituído tal valor no final da chamada.

 

V

LINHAS TELEFÓNICAS DISPONÍVEIS AOS CIDADÃOS

NOS SERVIÇOS PÚBLICOS EM GERAL E

NOS SERVIÇOS PÚBLICOS ESSENCIAIS, EM PARTICULAR

O diploma que deu à estampa o regime legal cuja transcrição precede, modificou o teor do artigo 9.º da Lei 7/2020, editada em pleno estado de emergência devido ao surto pandémico com que nos confrontámos [ou ainda nos confrontamos].

Eis os seus termos actuais:

 

Lei 7/2020, de 10 de Abril

Artigo 9.º

Linhas telefónicas

1 - As entidades públicas estão impossibilitadas de disponibilizar:

a) Números especiais de valor acrescentado com o prefixo «7», para contacto telefónico dos consumidores;

b) Apenas números especiais, números nómadas com o prefixo «30», ou números azuis com o prefixo «808», para contacto telefónico dos consumidores.

2 - Todas as entidades públicas que disponibilizam linhas telefónicas com números especiais, com os prefixos «808» e «30», devem proceder à criação de uma alternativa de números telefónicos com o prefixo «2», no prazo máximo de 90 dias, a contar da data de entrada em vigor da presente lei.

3 - São abrangidas pelo presente artigo as entidades que estejam integradas na Administração Pública central, regional ou local e as empresas concessionárias da Administração Pública central, regional ou local.

4 - Tendo em conta a especificidade do serviço prestado pela linha SNS 24, o Ministério da Saúde deve no prazo máximo de 60 dias, a contar da data de entrada em vigor da presente lei, substituir o número do SNS 24 de prefixo «808» por um número especial, assegurando a sua total gratuitidade para os utentes.”

O facto é que,

Volvido todo este tempo [de 09 de Junho de 2020 a finais de Agosto de 2022], o número do SNS 24 continua a ser o 808 24 24 24.

E nos lugares da Rede onde a informação é prestada, lê-se ainda:

“A Linha SNS 24, disponibiliza:

Triagem, Aconselhamento e Encaminhamento em situação de doença, acessível através do telefone 808 24 24 24 (custo chamada local), ou via chat para pessoas com necessidades especiais;

Aconselhamento Terapêutico para esclarecimento de questões e apoio em matérias relacionadas com medicação, através do telefone 808 24 24 24 (custo chamada local);

Assistência em Saúde Pública, nomeadamente temas relacionados com a Gripe, Verão/Calor e Emergências/Intoxicações, acessível através do telefone 808 24 24 24 (custo chamada local), formulário de contacto, correio electrónico e fax;

Informação Geral de Saúde, nomeadamente a localização das unidades de saúde englobadas na rede de prestação do Serviço Nacional de Saúde, bem como farmácias, acessível através do telefone 808 24 24 24 (custo chamada local), formulário de contacto, correio electrónico e fax.”

Seria imperioso se pusesse ordem no caos.

E se economizasse nas leis e nas confusões instaladas um pouco por toda a parte.

A chamada é gratuita ou tem preço? Em que ficamos?

As chamadas no quadro de uma relação jurídica de consumo são onerosas ou gratuitas?

 

VI

O CASO EXCEPCIONAL NO ÂMBITO DAS REIVINDICAÇÕES AO ABRIGO DA LEI DAS GARANTIAS DOS BENS DE CONSUMO

Se, no entanto, o consumidor se socorrer do telefone para deduzir a sua reclamação ante a não conformidade do bem adquirido face às prescrições da Lei das Garantias dos Bens de Consumo, o n.º 2 do seu artigo 18 estabelece:

A reparação ou a substituição do bem é efectuada:

a) A título gratuito;

b) Num prazo razoável a contar do momento em que o profissional tenha sido informado pelo consumidor da falta de conformidade;

c) Sem grave inconveniente para o consumidor, tendo em conta a natureza dos bens e a finalidade a que o consumidor os destina.”

A expressão ‘a título gratuito’ tem sentido e alcance próprios, tal como resulta da lei:

E quer significar [DL 84/2021: alínea a) do artigo 2.º], à semelhança de expressão homóloga da Lei Anterior, a saber, “sem encargos”:

“livre dos custos necessários incorridos para repor os bens em conformidade, nomeadamente o custo de porte postal, transporte, mão -de -obra ou materiais.”

Ora, as chamadas efectuadas com um tal propósito, e a esse título, não podem ser objecto de cobrança ao consumidor, para se ser rigoroso.

Terão de ser gratuitas… sem mais!

 

 

Mário Frota

Presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal

 

 

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