terça-feira, 21 de setembro de 2021

CONSUMIDOR, ENTE MENOR? FACTURAÇÃO POR ESTIMATIVAS, FRUSTRAÇÃO DE EXPECTATIVAS


(Artigo que hoje, 21 de Setembro de 21, vem a lume no PORTAL do PROCON RS, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil, por deferência do Director da Escola Superior de Defesa do Consumidor, Diego Ghiringhelli Azevedo)

A apDC – DIREITO DE CONSUMO - instou a Provedora de Justiça ("Ombudswoman") a suscitar a declaração de inconstitucionalidade das normas que suportam a facturação por estimativa nos serviços públicos essenciais (serviços de interesse económico geral), dados os reflexos na situação patrimonial dos consumidores e nos correspondentes orçamentos domésticos. Por mor da sobrefacturação, a tal título gerada, como da subfacturação com os inevitáveis acertos perturbadores dos exigíveis equilíbrios orçamentais.

Entende-se (entendemos nós de há muito com fundados argumentos) que há ofensa do princípio da protecção dos interesses económicos, de base constitucional, na sua essência e de forma brutal, como se intui naturalmente.

Do princípio da protecção dos interesses económicos do consumidor decorre desde logo o axioma: “o consumidor pagará só o que consome, na exacta medida do que e em que consome”, sob pena de os equilíbrios orçamentais serem gravosamente afectados. E o ordenamento enjeita fragorosamente uma tal hipótese!

Com a habitual cortesia, os Serviços da Provedora de Justiça dirigiram-se-nos recentemente, transmitindo a sua posição, mas frustrando de todo as mais fundadas expectativas acalentadas.

Eis o teor da missiva emanada dos Serviços da Provedora de Justiça, subscrita por uma das suas adjuntas:

“....

Sobre a pertinência de uma intervenção mais sistémica importa, todavia, ter presente inúmeros aspectos e diferentes variáveis.

Desde logo, e tomando como referência (por facilidade) apenas o sector eléctrico e do gás, deve notar-se que o Regulamento das Relações Comerciais dispõe que na facturação deve prevalecer a mais recente informação de consumos obtida por leitura directa dos equipamentos de medição, seja esta realizada pelo distribuidor ou comunicada pelo cliente.

Nesta medida, o consumo para efeitos de facturação apenas pode ser estimado na ausência de leitura directa dos equipamentos de medição.

Também é relevante assinalar que a metodologia de estimativa a ser utilizada deve ser seleccionada pelo cliente, de entre as opções disponibilizadas pelo operador, e deve constar das condições particulares do contrato de fornecimento de energia eléctrica celebrado entre o distribuidor e cada um dos seus clientes.

Aliás, apesar de frequentes, as estimativas de consumo não devem ser o método principal de apuramento do consumo.

Mais relevante será verificar que os decisores, "maxime" os decisores políticos, já assumiram publicamente que as estimativas de consumo têm reconhecidas desvantagens para os consumidores e, ao mesmo tempo, manifestaram a intenção, não só de reduzir a facturação por estimativa, como de eliminá-la, num futuro próximo.

De facto, no preâmbulo de diploma que trata da matéria de eficiência energética, defende-se que os consumidores se tornem parte activa da transição energética e da prioridade à eficiência energética, desenvolve-se a matéria da facturação, medição, submedição e informação aos consumidores, dando maior relevo à digitalização e à inteligência das redes como instrumento da transição energética e da acção climática, e valoriza-se a transparência e conhecimento dos consumidores sobre os seus consumos e custos.

Está já previsto que os contadores instalados após 25 de Outubro de 2020 devem assegurar a leitura à distância e que, aqueles que foram instalados anteriormente e que não permitam a leitura remota, deverão ser substituídos até 1 de Janeiro de 2027.

Parece-nos existir concordância generalizada com o fim das estimativas, ainda que a respectiva implementação esteja dependente de sistemas tecnológicos que apenas a médio prazo estarão à disposição da totalidade dos consumidores.

Por outras palavras: não obstante o alargado consenso quanto à indesejabilidade das estimativas de consumo, subsiste a questão da operacionalização do fim da facturação por estimativa.

Esta questão não é desprezível, na medida em que, não sendo devidamente acautelados os aspectos práticos da alteração, é previsível que os custos indispensáveis à instalação dos novos instrumentos de medição (que permitam a substituição das estimativas de consumo por telecontagem) venham a ser repercutidos nos consumidores, através da facturação.

Por tudo …, entendemos não se justificar presentemente a tomada de posição pedida.”

Trata-se de um rude golpe nos direitos e interesses dos consumidores.

Trata-se de algo que releva de juízos próprios da administração “de oportunidade e conveniência” que não do talhe dos princípios e regras sufragados pelo ordenamento, da estrita legalidade e subjacente constitucionalidade ou inconstitucionalidade das normas.

Não entendemos a decisão da Provedora de Justiça e de quantos a assessoram, já que o amparo que poderia constituir, de todo se dilui.

E isto porque a legitimidade processual activa para as acções de declaração de inconstitucionalidade não estão ao alcance de quem quer.

E a Provedora de Justiça detém uma tal legitimidade: para a fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade das leis.

É restrito o número de entidades para tanto legitimadas, a saber, o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República, o Primeiro–Ministro, o Provedor de Justiça, o Procurador–Geral da República, um décimo dos Deputados à Assembleia da República, entre outros, em conexão com a Regiões Autónomas e com processos em concreto apreciados.

Daí o recurso à Provedora de Justiça, pela singular posição que detém na arquitectura constitucional.

Frustrante! Triplamente frustrante! Porque não emitiu sequer um juízo de legalidade “in casu”, antes algo fundado em considerações fácticas etéreas ou diferidas no tempo, como se dos Objectivos faseados do Milénio se tratasse, afectadas por circunstâncias anormais susceptíveis de recomendar as modificações cronológicas delas decorrentes.

Lamentável, profundamente lamentável que os consumidores estejam tão desassistidos em Portugal, como ocorre actualmente!

“Não é por muito madrugar que amanhece mais cedo!”

E nós já nos cansámos de madrugar sem ver raiar o sol por entre as trevas como as que acinzentam as perspectivas a que aspiram os consumidores em meio à desorganização reinante e esmagados pelas posições de manifesta sobranceria das majestáticas dos serviços públicos que nada nem ninguém fará sofrear!

Até quando, Concidadãos, teremos de aguardar por uma decisão que de todo destrua tão aberrantes métodos de facturação?

Até quando os sacrossantos direitos dos consumidores terão por si a mão protectora a que os textos atribuem o condão de deles curar?

Nestas terras que outrora foram de Santa Maria, não há decerto que esperar por um qualquer milagre!

De todo já em tudo descremos!

Fique o registo para a posteridade!

 

Mário Frota

apDC – DIREITO DO CONSUMO - Coimbra

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