sexta-feira, 17 de setembro de 2021

Consultório do CONSUMIDOR

 


A garantia da casa

Continua em bolandas

Andam pela bitola rasa

Estas coisas execrandas…

 “O Secretário de Estado do Comércio e Serviços anunciou, em audição no Parlamento, no dia 14 de Setembro que, afinal, a garantia dos imóveis passa de 5 anos, como se achava no projecto de diploma, para 10 anos, mas só quanto a defeitos construtivos estruturais. Ora, isso não parece ser o mesmo que 10 anos, pura e simplesmente. Porque parece limitar, efectivamente, os termos da garantia.

Não se sabe o que o diploma aprovado pelo Governo no dia 2 de Setembro em curso mais possa trazer a este respeito. Mas esta notícia, apesar de aparentemente boa, não protegerá, segundo nos parece, convenientemente os consumidores. Qual a vossa opinião?”

Cumpre responder:

1.      Com efeito, do projecto de Decreto-Lei n.º 1049/XXII/21, do 1.º de Julho do ano em curso, e do n.º 1 do seu artigo 23, constava simplesmente: “o profissional responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista quando o bem lhe é entregue e se manifeste no prazo de cinco anos.”

 2.      Nós, até de forma caricatural, perante a nova configuração do regime das coisas móveis duradouras, fizemos equiparar a garantia de um “corta-unhas” rombo (com 4 intervenções) à dos imóveis porque, em ambas as hipóteses, a garantia seria de 5 anos.

 3.      E lembrámos ao “legislador” que até o Estado havia fugido da garantia quinquenal para, com uma outra construção, no Código dos Contratos Públicos, se haver dado a si mesmo uma garantia distinta, nestes termos:

“O prazo de garantia varia de acordo com o defeito da obra, nos seguintes termos:

a) 10 anos, no caso de defeitos relativos a elementos construtivos estruturais;

b) 5 anos, no caso de defeitos relativos a elementos construtivos não estruturais ou a instalações técnicas;

c) 2 anos, no caso de defeitos relativos a equipamentos afectos à obra, mas dela autonomizáveis.”

 4.      Mas dissemos mais: “Por nós, com excepção do que se encerra na mencionada alínea c), os 10 anos têm de cobrir tudo (vícios estruturais e não estruturais)…”

 5.      E propusemos simplesmente esta redacção:

 1 - O promotor assegura ao consumidor a conformidade da coisa com o contrato pelo prazo de dez anos.

2 - Havendo substituição da coisa, o imóvel goza de um prazo de garantia de dez anos a contar da data da entrega.

3 - O prazo referido no n.º 1 suspende-se a partir da data da comunicação da desconformidade ao promotor e durante o período em que o consumidor dela estiver privado.

4 - As desconformidades que se manifestem num prazo de dez anos a contar da data de entrega da coisa imóvel, presumem-se existentes já nessa data, salvo quando tal for incompatível com a natureza ou com as características da desconformidade da coisa em si.”

6.      Soube-se agora pela voz do Secretário de Estado que a redacção por que optaram é a do Código dos Contratos Públicos, já que restritiva: se ao oitavo ano os madeiramentos levantarem todos, o facto estará ou não coberto pela garantia? Se a humidade surgir só ao 6.º ano, o defeito é construtivo estrutural ou não?

 7.      Temos para nós que é de um enorme disparate que se trata. Que revela uma estranha ausência de sensibilidade perante o bem maior da generalidade das famílias que acedeu ou acede à habitação própria mediante recurso ao crédito hipotecário ou pelas poupanças de uma vida.

 8.      Claro que se o diploma vier a ser promulgado, o Parlamento terá, querendo, a faca e o queijo na mão, aprovando eventual alteração nesse sentido, eliminando, pois, as restrições que o dispositivo comporta.

 EM CONCLUSÃO

a.      A alteração dos 5 para os 10 anos da garantia dos imóveis com as restrições aos defeitos construtivos estruturais é um manifesto desfavor aos consumidores.

b.      A alteração deveria abarcar todos os defeitos, estruturais e não estruturais, com excepção obviamente dos decorrentes das coisas móveis autonomizáveis.

c.       Se o Presidente promulgar o diploma, o Parlamento, interpretando as necessidades reais dos consumidores, tomará a iniciativa legislativa de emendar a mão ao Governo, alterando o ponto.

Eis o que modestamente se nos afigura.

 

Mário Frota

apDC – DIREITO DO CONSUMO - Coimbra

Edição de 17de Setembro de 21

D’ “AS BEIRAS”

 

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