segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

Projecto de Lei n.º 37/XIV/1.ª

Projecto de Lei n.º 37/XIV/1.ª

Partido Comunista Português

 

Estabelece medidas de promoção da durabilidade e garantia dos equipamentos para o combate à obsolescência programada

 

Exposição de motivos

O consumo predatório e não planificado democraticamente dos recursos naturais e a introdução na Natureza de uma carga poluente superior àquela que, em muitos casos, os ciclos naturais são capazes de absorver ou neutralizar, têm vindo a caracterizar o desenvolvimento do modo de produção actual.

Uma das formas de os grupos económicos aumentarem os lucros, além do corrente aumento da taxa de exploração sobre os trabalhadores, é a do incremento do volume de vendas.

Em vários produtos utilizados comummente estão a ser introduzidas pelo produtor – os grandes grupos económicos – características que provocam a obsolescência do produto em data anterior àquela que a tecnologia e os materiais actualmente disponíveis permitem.

A melhoria de várias técnicas e a descoberta de novos materiais permitiriam produzir utensílios e dispositivos cada vez mais eficientes e duradouros. No entanto, verifica-se exactamente o contrário. A investigação e desenvolvimento das grandes empresas, principalmente dos grandes grupos económicos, tem vindo a concentrar-se na obtenção de métodos visando a obsolescência de produtos sem qualquer outro motivo senão o da oferta de um seu substituto com custos para os consumidores e a Natureza que se avolumam.

Os afirmados objectivos dos planos para a economia circular, além da insuficiência ou mesmo desacerto das medidas tomadas pelo Governo, confrontam-se com a avidez dos grandes grupos económicos e acabam por ser utilizados para uma ainda maior concentração de lucro.

Ou seja, no essencial, acabam por se constituir fileiras de carácter circular apenas nos segmentos passíveis de apropriação privada do lucro.

Estima-se que os custos da obsolescência programada ou da pequena durabilidade de alguns utensílios e dispositivos são sensíveis não apenas no consumo exacerbado de recursos naturais e de serviços de reciclagem e tratamento de resíduos, como também no plano da emissão de gases com efeito estufa. A título de exemplo, para utilizar os dados mais recentes, recolhidos pelo EEB (European Environmental Bureau) – uma rede de ONG de Ambiente sediadas no espaço europeu, um aumento de um ano no prazo de vida de telefones portáteis, aspiradores, máquinas de lavar roupa e computadores portáteis, poderia representar uma diminuição de 4 milhões de toneladas de Dióxido de Carbono - equivalente nas emissões. De acordo com os estudos desse Gabinete, o tempo de vida útil de um smartphone – a título de exemplo – para que se pudesse dizer em relativo equilíbrio com os ciclos naturais e humanos de reposição de recursos – deveria situar-se entre os 25 e os 232 anos. Actualmente, o tempo de vida útil de um smartphone é de 3 anos. Os custos ambientais e económicos desta discrepância são gigantescos e incomportáveis. A potência computacional de um pequeno aparelho com telefone é hoje capaz de realizar facilmente a esmagadora maioria das tarefas. No entanto, os próprios produtores introduzem mecanismos vários – quer no hardware, quer no software – para impedir a realização plena das capacidades do dispositivo no longo prazo.

A resistência e durabilidade dos materiais está programada para cumprir um mínimo de utilizações, bem como a própria programação de uma boa parte dos aparelhos que fazem uso de software contém linhas que tornam o dispositivo menos eficaz e mais lento ao longo do tempo. Por outro lado, muito software – mesmo excluindo os jogos de vídeo – é produzido com cada vez mais exigências de hardware para que, no entanto, realizem o mesmo conjunto de tarefas com eficácia semelhante. Os sistemas operativos dos vários dispositivos electrónicos são disso exemplo. Apesar de não apresentarem diferenças assim tão significativas ao longo do tempo e de em muitos casos essas diferenças se limitarem a estética, são cada vez mais exigentes do ponto de vista do hardware, gerando um consumo encadeado de software e hardware em exagero e acima das reais necessidades.

A sobreprodução está intimamente ligada ao consumo excessivo de recursos naturais, mas também é causa e simultaneamente consequência concreta das grandes crises capitalistas, das bolhas especulativas que as antecedem e dos colapsos financeiros que as caracterizam.

Não é razoável, nem justo que sejam concentrados esforços sobre os hábitos de consumo das populações sem que sejam exigidas normas mínimas de combate à obsolescência aos grandes produtores de bens. Colocar a escolha única e exclusivamente do lado do consumidor não assegura o fim da produção desnecessária, nem responsabiliza o lado da oferta, na medida em que visa apenas criar um novo mercado para elites económicas (supostamente consciente e justo – o chamado conscious) enquanto mantém para a generalidade dos consumidores o mercado pré-existente.

A moda de produção “ecológica” não corresponde a nenhuma alteração de fundo do modo de produção, mas sim à criação de um novo nicho de mercado, praticamente sem regulamentação e fiscalização em que é o próprio produtor que estabelece o que é ou não conscious, justo ou ecológico. Da mesma forma, não é razoável nem justo que se combatam no território nacional explorações de recursos necessários para alimentar as necessidades de exploração de recursos naturais exacerbadas pelo modo de produção capitalista, sem ir a montante do problema e sem combater o fim de vida útil programado dos bens de consumo.

A indústria comandada sob as regras do modo de produção capitalista não incorpora os avanços científicos capazes de menorizar os seus impactos no globo e na saúde dos seres humanos, mas sim, as descobertas científicas que lhe permitem aumentar o lucro.

É pois urgente criar normas e regras que sobreponham os valores da saúde, do bem-estar e do equilíbrio entre o Ser Humano e a Natureza à ganância e voracidade dos grandes grupos económicos.

A utilização do design é igualmente determinante. Ao invés de serem criadas peças com vista à maximização do número de utilizações e à plena concretização do fim a que se propõem, a apropriação capitalista das capacidades do design, aplica-o na produção de aparelhos em que os elementos estéticos se sobrepõem ao valor de uso e limitam objectivamente a durabilidade do artigo, por imposição de mercado e pela constante

criação de novas vagas de design, cuja diferença para o anterior é, muitas vezes, também meramente estética. Mas outras práticas ainda mais simples são utilizadas pelos grandes grupos económicos. Por exemplo: a simples eliminação da utilização de baterias substituíveis nos telemóveis e a sua substituição por baterias incorporadas; a utilização de peças incorporadas e praticamente insubstituíveis manualmente em inúmeros electrodomésticos e outros dispositivos, entre muitas outras técnicas.

É hoje possível apurar o custo médio por utilização de um bem. Ou seja, é importante ter em conta que o preço global de um dispositivo ou bem, não aponta necessariamente para o preço real da utilização. Imaginemos um carro que custa o mesmo que um outro, mas que está programado – pela electrónica e pelos materiais utilizados – para ser capaz de percorrer apenas metade dos quilómetros. Isso significa que o preço médio por utilização desse carro é, na verdade, o dobro do do outro. Assim, a ciência e a técnica podem ser também colocadas ao serviço da melhoria da percepção pública do preço de um bem e também ao serviço do aumento da longevidade dos bens. Também a exigência legal que é colocada sobre cada mercado pode impedir os custos crescentes da obsolescência programada. Claro que o capitalismo é incompatível com a boa e racional utilização dos recursos naturais, na medida em que lucra com a sua destruição e apropriação, no entanto, cabe ao Estado limitar essa avassaladora concentração de lucros e proteger os consumidores e trabalhadores das práticas que são lesivas dos interesses comuns.

O presente projecto de lei pretende introduzir normas que actuam essencialmente sobre os produtores e o Estado.

De acordo com os estudos realizados, a aprovação de regras que estendessem a longevidade – apenas de alguns dos dispositivos – em 5 anos no espaço da União Europeia representaria a diminuição de 12 milhões de toneladas anuais de equivalente-CO2. Se essa intenção fosse alcançada, isso seria equivalente a retirar quase 15 milhões de veículos movidos a combustíveis fósseis das estradas.

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