INTERNACIONALIZOU-SE
PROGRAMA
DE
07.OUT.25
VL
CONCLUSÃO DO TEMA DO PROGRAMA ANTERIOR
Concluiremos hoje o programa encetado a semana passada em colaboração com a Faculdade de Direito da Universidade do Passo Fundo, no Rio Grande do Sul Brasil, dirigida pelo Prof. Rogério da Silva e a Faculdade de Filosofia, com o Prof. Artur Milei.
E o tema é o da OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA.
Poderíamos dizer que a obsolescência programada é também uma máquina de corroborar desigualdades? Pois aqueles que possuem mais capital podem trocar de telemóvel como quem troca de roupa, mas para a maioria, quando um aparelho avaria definitivamente antes da hora, bom, é um drama, não é?
MF
Poder-se-á pensar nisso. Mas as pretensas facilidades de acesso ao crédito tendem a colocar artificialmente as pessoas em pé de igualdade. E isso causa ainda diferenças mais profundas no seio da sociedade.
Além disso, a atracção pelo novo tem também reflexos na criminalidade.
Há quem furte ou quem roube para andar na moda...
E o criminoso desenvolvimento da indústria da contrafacção (que faz parecer como originais produtos contrafeitos, quiçá mais em conta e para concorrência com os que os ostentam a partir de uma bolsa mais recheada).
O facto é que as estratégias mercadológicas das empresas para enredar nas suas malhas os néscios, os ingénuos, as pessoas ambiciosas têm consequências trágicas.
VL
Será que existem saídas reais para isso? Movimentos de reparação ou leis mais duras? Ou corremos o risco de que não há muitas alternativas para combater a obsolescência? Precisaremos sempre consumir o novo e “melhor”? O que podemos fazer?
MF
Na Europa, o caminho vem-se fazendo: as legislações proíbem já tais práticas.
Em Portugal desde 5 de Julho de 2023 que esse tipo de preocupações foi posto na Lei-Quadro de Defesa do Consumidor.
A Directiva do Direito à Reparação data de 13 de Junho (Diretiva (UE) 2024/1799 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de junho de 2024, relativa a regras comuns para promover a reparação de bens) e visa, no dizer da Secretária de Estado belga do Orçamento e Protecção do Consumidor “A diretiva adotada em 30 de Maio de 2024, consolidada em 13 de Janeiro de 2013 e publicada no Jornal Oficial da União Europeia, consagra um novo direito para os consumidores: o direito de ter produtos defeituosos reparados de forma mais fácil, barata e rápida. Também incentiva os fabricantes a fabricar produtos que durem mais e possam ser reparados, reutilizados e reciclados. E, por fim, torna a reparação uma atividade económica mais atractiva, capaz de criar empregos de qualidade na Europa. Todos os agentes económicos ganham, e o ambiente também.
VL
O que é que o Prof. considera importante saber sobre Obsolescência Programada? E quais indicações de leitura, filmes ou outros materiais recomenda para se aprofundar o tema?
MF
Ir incessantemente em busca de artigos que quer no domínio do consumo quer no da sustentabilidade, quer no domínio dos Objectivos do Milénio se vêm produzindo um pouco por toda a parte por se tratar de um tema preocupante com reflexos no nosso quotidiano.
Há que aprofundar e denunciar situações de ocorrência diária em que os protagonistas somos, tantas vezes, nós...
Há um filme clássico “A Conspiração da Lâmpada Eléctrica” que é bem o retrato da economia linear versus economia circular.
Outro, uma co-produção franco-espanhola, Comprar, deitar fora, comprar” ou a História Secreta da Obsolescência Programada”, legendado em português....
Há um sem número de artigos nossos que podem ser colhidos da Internet ou do jornal digital da apDC – o NETCONSUMO ou em revistas científicas.
Como recomendação de livros
· “Obsolescência Planejada”, de Helmuth Klein (Português)
· “OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA E MEIO AMBIENTE: A GERAÇÃO DE RESÍDUOS DE EQUIPAMENTOS ELETROELETRÔNICOS”, in Revista Direito e Sustentabilidade
· “OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA E CONSUMO SUSTENTÁVEL”, de MARKUS NORAT, ITHANYÊ ALMEIDA
· “Os Caminhos do Lixo: da obsolescência programada à logística reversa”, de Márcio Magera.
II
CONSULTÓRIO
De Coimbra:
“Sou pessoa de idade avançada.
Impuseram-me a factura digital.
Só agora me dei conta de que a Meo me estava a cobrar por um serviço que não requisitei: o “waitingring”, de música; e a activação do canal - “Caça e Pesca”. Nem sequer sei activar canais…
Com esta brincadeira” já me levaram, num só ano, 96 €…
Foi uma filha, que se ‘zangou’ comigo, por gastos excessivos, por andar por aí a “assinar” canais, que me deu a saber da coisa …
À fé de quem sou: “nada fiz, sou inocente!”
Não há lei que me proteja desta indecência?”
O TAL CANAL… EM QUE ANDAM, SIM, À CAÇA DO “CAPITAL” E À PESCA DO “PILIM”!
MF
1. É de um “serviço-surpresa” que se trata, não encomendado e que excede o pacote original: algo que engrossa a factura, em patente desvio à legalidade.
2. É um crime de burla:
“Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa” (Cód. Penal: art.º 217).
3. É um ilícito de consumo:
«O consumidor não fica obrigado ao pagamento de bens ou serviços que não tenha prévia e expressamente encomendado ou solicitado, ou que não constitua cumprimento de contrato válido…» (Lei 24/96: n.º 4 do artigo 9.º).
5. Previsto ainda na Lei das Práticas Comerciais:
“É agressiva, em qualquer circunstância e, como tal proibida, a prática que consista em exigir o pagamento imediato ou diferido de bens e serviços … que o consumidor não tenha solicitado...» (DL 57/2008: al. f) do art.º 12.º).
6. E na lei que proíbe outras práticas negociais:
«É proibida a cobrança de qualquer tipo de pagamento relativo a fornecimento não solicitado de bens ou a prestação de serviços não solicitada pelo consumidor (…)» (DL 24/2014: n.º 1 do art.º 28).
7. A Lei-Quadro de Defesa do Consumidor reforça tais proibições:
«1 - Antes de o consumidor ficar vinculado pelo contrato ou oferta, o fornecedor… tem de obter o [seu] acordo expresso para qualquer pagamento adicional que acresça à contraprestação acordada relativamente à obrigação contratual principal do [próprio] fornecedor….
2 - A obrigação de pagamentos adicionais depende da sua comunicação clara e compreensível ao consumidor, sendo inválida a [sua] aceitação quando não lhe tiver sido dada a possibilidade de optar pela inclusão ou não desses pagamentos adicionais.
…
4 - Incumbe ao fornecedor de bens ou prestador de serviços provar o cumprimento do dever de comunicação estabelecido no n.º 2.
5 - O disposto no presente artigo aplica-se à compra e venda, à prestação de serviços, aos contratos de fornecimento de serviços públicos essenciais de água, gás, electricidade, comunicações electrónicas e aquecimento urbano e aos contratos sobre conteúdos digitais.» (Lei 24/96: art.º 9.º - A).
8. Configura ainda crime de especulação: moldura de 6 meses a três anos de prisão e multa não inferior a 100 dias (DL 28/84: art.º 35).
11[MF1] . A Lei das Comunicações Electrónicas também o prevê:
1 - … as empresas [de] comunicações só podem exigir aos [consumidores] o pagamento de bens ou serviços que não sejam de comunicações eletrónicas e não façam parte da oferta que o consumidor contratou, quando estes tenham prévia, expressa e especificamente autorizado a realização do pagamento de cada um dos referidos bens ou serviços, através de declaração em qualquer suporte duradouro.
…
3 - Incumbe às empresas… provar que o [consumidor] autorizou a realização do pagamento dos bens ou serviços de terceiros que lhe hajam sido cobrados, …, sob pena de não lhe poderem exigir esse pagamento ou, no caso de este já ter sido realizado, deverem restituir o valor cobrado.” (Lei 16/2022: art.º 125).
EM CONCLUSÃO
- A lei proíbe a dispensa de produtos e serviços não solicitados e sua cobrança (Lei 24/96: n.º 4 do art.º 9.º, art.º 9.º - A; DL 57/2008: al. f) do art.º 12; DL 24/2014: art.º 28; Lei 16/2022: art.º 125).
- Tal prática configura crime de burla (prisão até 3 anos ou multa) e de especulação (prisão de 6 meses a 3 anos e multa não inferior a 100 dias) (Cód. Penal: art.º 217; DL 28/84: art.º 35).
2.
E se o serviço falhar, a reclamação há-de estalar
VL
Um cidadão acidentado é presente a um hospital público.
No hospital deixam-no sem assistência.
Perante o descaso, que direitos poderá, no imediato, exercer?!”
MF
Direito de queixa:
O Livro de Reclamações (Livro Amarelo) é um valioso instrumento de cidadania: seja no formato electrónico seja em suporte físico.
A lei, na ânsia de acelerar o acesso à Era Digital, prefere o Livro Electrónico.
E estabelece:
. Deve facultar-se ao cidadão, como meio subsidiário, o livro de reclamações quando for impossível ou inconveniente a reclamação em linha.
. O cidadão solicitará o Livro de Reclamações
. Se for recusado, exigirá a presença do dirigente que superintende no serviço para assegurar os seus direitos;
- Se a resistência persistir, recorrerá à autoridade policial para remover a recusa e, no caso, para o levantamento do respectivo auto;
. Aporá na folha respectiva sucinta reclamação narrando os factos com precisão;
. Recolherá a folha a si reservada que conservará em seu poder;
. Poderá, à cautela, dirigir a reclamação à entidade de que dependa o departamento ou o serviço de que se trata;
. Ao serviço cumpre dar resposta ao reclamante, com a devida justificação e as medidas tomadas ou a tomar, se for o caso, no prazo máximo de 15 dias;
. Tomar as medidas correctivas necessárias, se for o caso;
. Registar a reclamação e a resposta na plataforma aplicável, removendo-se os dados pessoais dos reclamantes;
. Se sobre a reclamação recair decisão superior, o serviço ou o gabinete do ministro ou secretário de Estado comunicará, preferencialmente por via eletrónica, o seu teor ao reclamante;
. Se a situação o impuser, o membro do Governo deve promover auditorias, nos termos da lei, a fim de apurar responsabilidades;
. Se o cidadão prescindir do livro de reclamações e remeter carta ou mensagem ao serviço, a lei dispõe nestes termos:
. Toda a carta tem resposta: a correspondência (sugestões, críticas ou pedidos de informação), é objecto de análise e decisão e a resposta oferecida no mais curto lapso de tempo.
. Não obstante, em 15 dias formular-se-á a resposta com:
- Decisão final sobre o teor da correspondência, se a complexidade e a carga de trabalho do serviço o não impedirem;
- Informação intercalar sobre o estado em que se encontra a análise da comunicação expedida; ou
- Rejeição liminar da comunicação apresentada, quando a lei o determinar.
Em síntese, o que lhe cabe fazer.
3.
OUÇAM! OUÇAM! O VENTO SOPROU, A AUDIÇÃO NÃO VOLTOU E O DINHEIRO EVAPOROU…
VL
“Atraída expressamente por uma empresa para um teste de audição, acabei por sair de lá, tão perturbada com a lavagem ao cérebro a que fui submetida, com um aparelho que importou em 3 600 € e um contrato de crédito de valor equivalente.
Ainda não decorreu um mês, já lá voltei para afinações, mas o facto é que não noto nenhumas melhorias.
Continuo a ouvir com graves deficiências.
O que fazer?”
MF
Importa oferecer a resposta que se nos afigura adequada:
1. O contrato celebrado tem os contornos de uma venda fora de estabelecimento (DL 24/2014, de 14 de Fevereiro)
2. Com efeito, são também consideradas vendas fora de estabelecimento as efectuadas…
2.1. no estabelecimento comercial ou através de quaisquer meios de comunicação à distância imediatamente após o consumidor ter sido, pessoal e individualmente, contactado em local que não seja o do estabelecimento (DL 24/2014: subal. i) da al. i) do art.º 3.º).
2.2. no local indicado pelo fornecedor (o estabelecimento) a que o consumidor se desloque, por sua conta e risco, na sequência de uma comunicação comercial feita próprio fornecedor … (DL 24/2014: subal. vi) da al. i) do art.º 3.º).
3. O contrato celebrado fora do estabelecimento comercial é reduzido a escrito e deve, sob pena de nulidade, conter, de forma clara e compreensível e em língua portuguesa, o clausulado constante da lei (DL 24/2014: n.º 1 do art.º 9.º).
4. O fornecedor deve entregar ao consumidor uma cópia do contrato assinado…, em papel ou, se o consumidor concordar, noutro suporte duradouro (DL 24/2014: n.º 2 do art.º 9.º).
5. Se o contrato não se tiver celebrado por escrito, a venda é nula por falta de forma legal (Cód. Civil: art.º 220; DL 24/2014: n.º 1 do art.º 9.º).
6. A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser conhecida oficiosamente pelo tribunal (Cód. Civil: art.º 286).
7. Se o contrato tiver sido regularmente celebrado, a saber, de papel passado, terá 14 dias para lhe pôr termo, contanto que a cláusula conste do contrato (DL 24/2014: n.º 1 do art.º 10.º)
8. Se do contrato não constar, o período para o efeito prolonga-se por mais 12 meses contados do termo dos 14 dias originais, tempo dentro do qual ‘pode dar o dito por não dito’ (DL 24/2014: n.º 2 do art.º 10.º)
9. No entanto, se o lapso para o efeito se tiver esgotado, há ainda uma hipótese, já que a consulente fala de avaria, de vício, de não conformidade: é que pode lançar mão da Lei da Compra e Venda de Consumo que versa sobre as garantias legais e contratuais (DL 84/2021, de 18 de Outubro).
10. Em princípio teria de observar uma dada hierarquia no recurso aos remédios previstos na lei: primeiro, reparação ou substituição e, só depois, os outros ali consignados (DL 84/2021: art.º 15).
11. Como, porém, a deficiência detectada nos aparelhos ocorreu nos 30 dias subsequentes à entrega, pode desde logo pôr termo ao contrato sem observar a enunciada hierarquia: “Nos casos em que a [não] conformidade se manifeste no prazo de 30 dias após a entrega do bem, o consumidor pode solicitar a imediata … resolução do contrato”: é o denominado “direito de rejeição” (DL 84/2021: art.º 16).
12. Com a extinção do contrato (por meio de resolução), o consumidor devolve os aparelhos e o fornecedor restitui-lhe o preço pago: no caso, porém, há um contrato de crédito que titula o pagamento.
13. Em tais circunstâncias, “a invalidade ou a [retractação] do contrato de compra e venda repercute-se, na mesma medida, no contrato de crédito coligado”, logo, o contrato de crédito caduca, cai com as consequências daí resultantes); ou no caso de não conformidade, o contrato de crédito também se extingue (DL 133/2009: n.º 2 do art.º 18; al. c) do n.º 3 do art.º 18, respectivamente).
EM CONCLUSÃO:
a. Tratando-se de um contrato subsumível na categoria de contrato fora de estabelecimento (ainda que outorgado no espaço do estabelecimento do fornecedor), a sujeição a forma é inevitável, o contrato tem de ser reduzido a escrito (DL 24/2014: n.º 1 do art.º 9.º).
b. Não o sendo, o contrato é nulo (Cód. Civil: art.º 220; DL 24/2014: n.º 1 do art.º 9.º).
c. A nulidade obriga à devolução da coisa e à restituição do preço (Cód. Civil: 289).
d. Sendo esta factualidade, dispensa-se na conclusão, por fastidioso, a síntese das hipóteses a propósito aventadas.

Sem comentários:
Enviar um comentário