quarta-feira, 27 de agosto de 2025

Comprar, entregar (ou não) e, que desalinho, arrepiar caminho…

 


A informação para o consumo, enquanto dever do Estado para com a sociedade, não é cumprida em Portugal.

Com efeito, a Lei-Quadro de Defesa do Consumidor de 1996 prescreve imperativamente no n.º 2 do seu art.º 7.º:

“O serviço público de rádio e de televisão deve reservar espaços, em termos que a lei definirá, para a promoção dos interesses e direitos do consumidor”.

O consumidor suporta o serviço público através da contribuição do audiovisual na sua factura de energia, mês após mês.

O contribuinte garante as indemnizações compensatórias pelo serviço público através do erário.

Mas o “serviço público” “resume-se” ao “Preço (In)certo” (desculpa lá qualquer coisinha, ó Fernando Mendes!) e aos “concursos” pós-jornal da noite?…

Parece que ninguém se perturba com isso!

Daí que a informação não passe…

Um consumidor diz ter comprado, em loja, um electrodoméstico com entrega no seu próprio domicílio.

Não acordou no prazo de entrega, ao que parece.

E indaga se não pode “dar o dito por não dito”, “na pendência da entrega do bem”.

É que estava persuadido que se a coisa demorasse 15 ou mais dias poderia fazê-lo.

Ao esclarecimento, pois, que é isso que se nos exige:

·         Em princípio, se não tiver sido atraído ao estabelecimento, se tiver ido pelo seu pé e espontaneamente, "pacta sunt servanda" (o que quer significar que “os contratos têm de ser cumpridos nem que acabe o mundo”): os contratos têm de ser obrigatória, pontualmente cumpridos, isto é, ponto por ponto.

 

·         E se, bem entendido, o contrato, ainda que presencial, o não for de venda a contento (sob reserva de a coisa agradar ao comprador) ou sujeita a prova (sob condição de a coisa ser idónea para o fim a que se destina, garantindo-se as qualidades asseguradas pelo vendedor).

 

·         Tratando-se de uma “compra e venda firme”, ponto é saber se houve ou não acordo quanto ao prazo de entrega.

 

·         Não havendo, o prazo para o efeito é de 30 dias.

 

·         De outro modo, não sendo cumprido o prazo, aí sim, há hipótese de se pôr termo ao contrato (de o resolver) com a restituição do preço em 14 dias: se o fornecedor não cumprir tal prazo, terá de restituir em dobro o montante pago, como “pena” imposta por lei.

Eis o que diz o artigo 11 da Lei da Compra e Venda de Consumo:

. O bem considera-se entregue ao consumidor logo que este ou um terceiro por si indicado, que não o transportador, adquira a posse física do bem.

. O fornecedor deve entregar os bens na data ou no período indicado pelo consumidor.

. Na falta de indicação de data, o fornecedor tem 30 dias após a celebração do contrato para a entrega.

. Se o fornecedor incumprir a obrigação de entrega, o consumidor poderá dar-lhe uma segunda oportunidade, notificando-o para o efeito, a menos que o prazo imposto inicialmente seja essencial, circunstância em que o consumidor pode pôr, desde logo, termo ao contrato.

. Se o fornecedor não entregar os bens dentro do prazo adicional, é lícito ao consumidor pôr termo ao contrato.

. Se puser termo ao contrato, deve o fornecedor restituir o montante pago até 14 dias após a resolução.

. Se o fornecedor o não fizer em 14 dias, tem o consumidor o direito à devolução em dobro do montante pago, sem prejuízo da indemnização por danos materiais e morais a que houver lugar.

. Incumbe ao fornecedor a prova do cumprimento de tais obrigações.

. Se o consumidor cometer o transporte a pessoa diferente da proposta pelo fornecedor, o risco transfere-se para o próprio consumidor logo que se confie o bem ao transportador.

São estas, por conseguinte, as regras aplicáveis.

Há, portanto, o direito de se pôr termo ao contrato se o prazo não for cumprido, no quadro dos requisitos enunciados.

Que pena que o panorama da informação ao consumidor, em Portugal, seja tão desolador!

 

Mário Frota

presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal

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