sexta-feira, 2 de maio de 2025

DIREITO À REPARAÇÃO: DAS COISAS, A CIRCUNSCRIÇÃO OU UM MERO PRECEITO SEM EXCEPÇÃO?


 “Depois de ter ouvido falar de um novo direito – o direito à reparação – como algo que visa prolongar a vida das coisas, evitando-se o desperdício e os resíduos, pergunto-me se isso abrange todo e qualquer bem duradouro de consumo e como é que as coisas se processarão porque, com os elevados preços de mão-de-obra, num mercado de escassa concorrência, é sempre  mais barato descartar, substituindo, que reparar.”

 Apreciada a questão, cumpre oferecer adequada resposta:

 1.    O novo direito resulta de um sem-número de Resoluções do Parlamento Europeu – de 04 de Julho de 2017, 25 de Novembro de 2020 e 07 de Abril de 2022 – e dos Planos de Economia Circular de 02 de Dezembro de 2015 e de 11 de Março de 2020.

 2.    Com tradução na a Directiva (EU) 2024/1799, de 13 de Junho de 2024.

  3.    Directiva que os ordenamentos dos Estados membros terão de transpor tempestivamente de molde a que entre em vigor em cada uma das geografias a 31 de Julho de 2026.

 

4.    A Directiva não tem, enquanto tal, um alcance universal: restringe a produtos “regulados” o novo direito e enumera-os exaustivamente, a saber:

4.1.        Máquinas de lavar roupa para uso doméstico e máquinas combinadas de lavar e secar roupa para uso doméstico [Regulamento (UE) 2019/2023 da Comissão]

4.2.         Máquinas de lavar louça para uso doméstico

[Regulamento (UE) 2019/2022 da Comissão Europeia]

4.3.        Aparelhos de refrigeração

[ Regulamento (UE) 2019/2019 da Comissão Europeia]

4.4.        Ecrãs electrónicos

[Regulamento (UE) 2019/2021 da Comissão Europeia]

4.5.        Equipamento de soldadura

 [Regulamento (UE) 2019/1784 da Comissão Europeia]

4.6.        Aspiradores

[Regulamento (UE) n.º 666/2013 da Comissão Europeia]

4.7.        Servidores e produtos de armazenamento de dados

[Regulamento (UE) 2019/424 da Comissão Europeia]

4.8.        Telemóveis, telefones sem fios e tábletes

[Regulamento (UE) 2023/1670 da Comissão Europeia]

4.9.        Secadores de roupa para uso doméstico

[Regulamento (UE) 2023/2533 da Comissão Europeia]

4.10.     Bens em que estejam incorporadas baterias de meios de transporte ligeiros

[Regulamento (UE) 2023/1542 do Parlamento Europeu e do Conselho]

 

5.    No entanto, na esteira de outros normativos, o consumidor terá sempre direito a assistência pós-venda de todo e qualquer bem de consumo duradouro:

“O consumidor tem direito à assistência [pós-venda], com incidência no fornecimento de peças e acessórios, pelo período de duração média normal dos produtos fornecidos.” (Lei 24/96: n.º 5 do art.º 9.º).

6.    Como se lhe garante a existência de acessórios ou sobresselentes por um período dilatado para que se assegure, noutros moldes, a reparação seja de que bem for:

“Sem prejuízo do cumprimento dos deveres inerentes à responsabilidade do fornecedor ou do produtor pela não conformidade dos bens, o produtor é obrigado a dispor das peças necessárias à reparação dos bens adquiridos pelo consumidor, durante o prazo de 10 anos após a colocação em mercado da última unidade do bem respectivo  (DL 84/2021: art.º 21).

 7.    O que quer significar, ao contrário do que possa supor-se, que o direito à reparação em geral reveste uma característica de universalidade fora do quadro dos bens “regulados”, por paradoxal que pareça, em vista das observações precedentes.

EM CONCLUSÃO:

a.    A Directiva de 13 de Junho de 2024, cujas disposições entrarão em vigor no EEE a 31 de Julho de 2026, confere o direito à reparação a uma dezena de produtos especificamente regulados (Anexo II).

 

b.    Os consumidores gozam, porém, de assistência pós-venda dos bens de consumo que adquiram, independentemente da sua categoria ou classificação (Lei 24/96: n.º 5 do art.º 9.º).

 

c.    E disporão, para reparação dos bens, de peças, acessórios e sobressalentes por um período de 10 anos após o lançamento no mercado da última das unidades do modelo de que se trate (DL 84/2021: art.º 21).

 

d.    O que inculca a ideia de que o direito de reparação é universal e não se circunscreve aos que o anexo II da Directiva enuncia.

 

Mário Frota

presidente do Instituto Luso-Brasileiro de Direito do Consumo

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