sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

O erro comum “vira” direito? De nenhum jeito!


A propósito de bens ofertados na quadra do Natal  e da susceptibilidade das trocas, circulam por aí versões erróneas com a chancela  da empresa  Deco-Proteste, Lda. (que se traveste fraudulentamente de associação de consumidores). Recuperadas em parte pela CNN – Portugal num apontamento passado durante os noticiários da semana passada.

 Os contratos celebrados, em princípio, num estabelecimento comercial, são firmes. São para valer. E só podem extinguir-se se os bens se apresentarem não conformes nos 30 dias seguintes à sua entrega. Podendo, depois disso e no período de três anos, o consumidor lançar mão de outros remédios: reparação, substituição, redução do preço e também da extinção do contrato.

 Mas pode tratar-se de contrato “fora de estabelecimento”:  celebrado na presença física simultânea do fornecedor e do consumidor em local que não o do estabelecimento comercial (ou até no estabelecimento se o consumidor for a tanto chamado para o efeito).

 Em princípio, a lei confere ao consumidor, em tais casos, um período de reflexão para que, querendo, se retracte (dê o dito por não dito), pondo termo ao contrato (nuns casos, de 14 dias; noutros, de 30, a saber, se no domicílio ou durante uma excursão).

 Há contratos celebrados em linha (online)  em que, em princípio, o consumidor dispõe de 14 dias para se retractar. Com excepções que há que conhecer.

 Há contratos celebrados regularmente nos estabelecimentos comerciais, em que se confere prazo para os consumidores verificarem se a coisa lhes apraz ou serve, podendo dela abrir mão, se o entender: como na venda a contento e na sujeita a prova.

 A venda a contento é feita sob a reserva de a coisa agradar ao consumidor.

Duas modalidades se entrevêem:

 mera proposta de venda;

 contrato susceptível de resolução (o consumidor poderá pôr-lhe termo se a coisa lhe não agradar).

Como proposta de venda, a coisa ser-lhe-á facultada para exame.

A proposta considera-se aceita se o consumidor se não pronunciar dentro do prazo para aceitação ( 8, 10, 15 dias…).

 Não havendo contrato não há pagamento: o valor do preço a depositar, sê-lo-á a título de caução. Devolvida a coisa, restituir-se-á a caução na íntegra.

Havendo contrato, a entrega da coisa não impede que o comprador lhe ponha termo: a devolução da coisa obriga à restituição imediata do preço.

 Em caso de dúvida, presume-se tratar-se  de proposta de venda.

 A compra e venda sujeita a prova também tem o seu regime no Código Civil: considera-se feita sob a condição (suspensiva) de a coisa ser idónea para o fim a que se destina e ter as qualidades asseguradas pelo vendedor.

 Condição suspensiva: as partes subordinam a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico.

 Se o acontecimento se verificar, o negócio jurídico produz os efeitos normais.

 Mas a venda sujeita a prova pode estar sujeita a condição resolutiva: as partes podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a extinção do negócio.

 Se o acontecimento se verificar, o negócio não produzirá efeitos.

 A coisa deve ser facultada ao comprador para prova: prova a fazer dentro do prazo e segundo a modalidade estabelecida pelo contrato ou pelos usos.

 Se tanto o contrato como os usos forem omissos, observar-se-ão o prazo fixado pelo vendedor e a modalidade escolhida pelo comprador, desde que razoáveis.

 Não sendo o resultado da prova comunicado ao vendedor antes de expirar o prazo a que se alude, a condição tem-se por verificada quando suspensiva (isto é, o negócio produz os efeitos normais) e por não verificada quando resolutiva (com análogos efeitos).

 Mas as partes podem ainda, ao abrigo da liberdade contratual, lançar mão do regime de dois ou mais negócios jurídicos ou apor no contrato as cláusulas que lhes aprouverem.

 Pactuando-se ou resultando dos usos que se a coisa não agradar ou não servir, efectuar-se-á a troca por outra, a solução será sempre menos gravosa para o vendedor. Porque não tem de devolver o preço pago.

 Mas é o que resulta da lei ou dos usos com força de lei: é direito, não  favor nem mera cortesia…

 Iludir os consumidores, isso sim,  é crime de lesa-cidadania!

 Que o Novo Ano seja portador das maiores venturas! E a informação seja fidedigna: séria, rigorosa, objectiva e adequada!

 

Mário Frota

presidente emérito da apDC - DIREITO DO CONSUMO - Portugal

 

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