quinta-feira, 24 de outubro de 2024

REVISTA LUSO-BRASILEIRA DE DIREITO DO CONSUMO

 


EDITORIAL

 

Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,

E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.

Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!

 

Fernando Pessoa

 

“… o homem sonha, a obra nasce.”

E, na sua esteira, “projecto o melhor, espero o pior e… seja o que Deus quiser!”

A que projectos aspiraria um Homem do Direito, desapossado do seu chão natal por quantos escreveram a página mais negra da História de Portugal, no insuspeito dizer de António José Saraiva, príncipe das letras, mercê do ignominioso abandono colonial com epicentro na majestática Angola, em pleno ano de 1975?

A que projectos se consagraria na sua ânsia da edificação de uma Cidadania sem excluídos que a um deserdado da fortuna se poderia cometer?

A que aspirações poderia almejar no desassossego de um peregrinar errante por entre as paragens onde a língua de Camões estagiou, quando do Direito se tem a essência de salutares regras de convivência num reaproximar dos povos, num Código Universal que não sofreie nem estigmatize nem segregue nem retalhe em categorias nesta aspiração global de que a Dignidade enforme o estatuto de todos e cada um pelas sete partilhas do Globo?

Na génese, a preocupação de um Direito acessível ao leigo ou profano, na esteira de um Jean Calais-Auloy, que a duras penas erigiu um segmento distinto na geografia do Direito com o aparar de agrestes arestas que estabelecem patamares de supra – infra ordenação e exercem implacavelmente uma sorte de poder soberano, no mercado, contra os súbditos que a tudo se sujeitam e tudo consentem nas desigualdades actuais que se cultivam  e exacerbam…

Depois, sem excessos nem exageros, “um pequeno passo para o homem…”, na descodificação do Direito do quotidiano para o vulgo no Semanário ”Tempo” editado em Lisboa, em 1981, com os azedumes dos retrógrados dirigentes da Ordem dos Advogados que concebiam o direito como monopólio seu insusceptível de dessacralização por um herege que o pretendia acessível à generalidade.

De permeio, um sem número de iniciativas com o envolvimento dos estudantes de Direito e de Farmácia, em Coimbra, a fim de se desvendarem as rotas da vida e os embates com as realidades do mundo exterior à Velha Torre, símbolo dos Gerais desde 1577.

Em 1988, o Grande Congresso Mundial das Condições Geral dos Contratos e das Cláusulas Abusivas (Coimbra, Maio), sob a égide Jacques Delors, figura incontornável da construção europeia, com a animadversão de retrógrados e pretensos progressistas que aspiravam a um direito das cavernas com a imutabilidade da força bruta a execrar as mais lídimas aspirações à libertação dos que se acham a ferros por toda a parte.

Na sequência, para que dependências se não forjassem, o grito na edificação da AIDC – a Associação Internacional de Direito do Consumo, em redor da qual se congregaram os mais egrégios privatistas das sete partidas, arvorados em “jusconsumeristas” na nascente realidade para que Esther Petterson advertira Jonh Kennedy em 1962: os consumidores são o suporte do mercado, não há mercado sem c9nsumidores, mas os consumidores estão a ferros por toda a parte, não são os senhores do mercado, antes seus dóceis escravos…

E os trabalhos preambulares do Código de Defesa do Consumidor do Brasil, com o buliço do Herman Benjamin, hoje grada figura da Magistratura Tupiniquim.

E a ideia de uma cooperação mais intensa com o Brasil, depois de, em sucessivas jornadas, se haver calcorreado as mais longínquas paragens do País-Continente, forjado no génio de uma lusitanidade empolada, levando a boa nova do Monumento de Cidadania que, não tardaria, surgiria em Setembro de 1990, como suprema exigência da Lei Suprema.

E as continuadas peregrinações ou em eventos sob a égide da AIDC/IACL ou em relevantes iniciativas dos Estados, das Universidades, das Escolas Superiores da Magistratura e do Ministério Público que se protraíram anos a fio.

E a ideia de um veículo susceptível de constituir o traço de união entre o nascente direito do consumidor e o titubeante direito do consumo, em afirmação crescente sob a égide de Montpellier com o pater Jean Calais-Auloy, e a que se associaram  de seguida Bremen, com Norbert Reich, e Louvain-la-Neuve com uma jovem promessa, o Bourgoignie.

Para além do Instituto Luso-Brasileiro de Direito do Consumo, agregador de entusiasmos, com a plétora de iniciativas em Coimbra, na esteira da Associação Internacional. ou os eventos em catadupa que se desenvolveram multitudinariamente pelas exigências de um Código revolucionário que se ofertou ao Brasil e às suas gentes, os estímulos à cooperação transbordaram.

E, após porfiados esforços, em casa de Edson Ferreira Freitas, professor da UNIP, de São Paulo, à Alameda Campinas, ter-se-ão delineado as linhas mestras de uma publicação do estilo, que mister seria se achasse um prestigiado editor que se dispusesse a assumir tão oneroso encargo.

Ante as dificuldades experimentadas em um mercado com a dimensão do da Capital Económica do Brasil, partilhámos com o Des. Joatan Marcos de Carvalho, comum amigo, domiciliado em Curitiba, tais agruras.

De pronto se mostrou disponível para encetar diligências  nesse sentido: e, a breve trecho, descortinou uma respeitada editora paranaense, a BONIJURIS, de Luiz Fernando de Queiroz, que sem tergiversações se predispôs a assumir os pesados encargos de edição, associando uma livraria da terra, a JM Livraria e Editora, Ltd.,  para a necessária difusão pelo País. Com o patrocínio e o apoio institucional de conceituadas entidades da terra.

A JM Livraria e Editora, volvidos anos, dissociou-se, por ausência manifesta de dimensão, do propósito de prosseguir o indefectível esforço de difusão, o que sobrecarregou deveras a BONIJURIS, que detinha outros títulos, aliás, bem sucedidos, e neles concentrara as suas energias.

O Dr. Luiz Fernando de Queiroz, jurista distinto, acolhera o projecto da Revista Luso-Brasileira, como o fizera, de resto, de análogo modo com outras publicações, e nele se empenhou de modo denodado nos sete anos em que perdurou o esforço editorial.

Uma palavra de louvor e reconhecimento por uma tal gesta, a despeito das acrescidas responsabilidades de difusão para que em termos factuais escasseava dimensão à sua conceituada empresa.

O Dr. Luiz Fernando de Queiroz, hoje retirado das lides, continua a ser, para nós, o obreiro-mor, o  homem do leme da nau-capitânia que soube intuir da relevância de uma publicação do estilo como incremento de uma cooperação inorgânica entre o Brasil e Portugal, intervindo nas actividades pedagógicas que a apDC – Direito de Consumo, desenvolvera em Cursos de Pós-Graduação professados em Coimbra, em que esteve sempre presente com um escol dos seus mais dilectos colaboradores.

A Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo, em que tanto investiu, sem quaisquer resultados de índole comercial, e como denodado apego a uma ideia que à cultura jurídica de ambos os países cumpre reconhecer, a figura tutelar de Luiz Fernando Queiroz impor-se-á indelevelmente.

O Desembargador Joatan Marcos de Carvalho foi sempre a presença marcante “in loco” e tanto lhe deve também a Revista nos seus primeiros sete longos e laboriosos anos de vida…

Como poeta que é, destacado membro da Academia de Letras José de Alencar, de Curitiba, recordar-se-á decerto do Editorial em que se louvou esse glorioso tempo de edição e de fecunda cooperação nos versos que o Vate consagrara a” Jacob, pai de Raquel, serrana bela, que a ela só por prémio pretendia…”

A BONIJURIS, cumprida a missão, findara a notável cooperação em que empenhadamente se envolvera.

Outros rumos se abririam.

E foi pela mão do Prof. Dr. Gregório Assagra de Almeida, que conhecêramos há um ror de anos, em Minas Gerais, em relevantes funções ministeriais, que se excogitou, em parceria com a Universidade de Ribeirão Preto, a possibilidade de se dar continuidade a tão relevante quão entusiasmante  projecto.

O Coordenador da Escola de Direito, Prof. Dr. Sebastião Sérgio da Silveira, hoje Magnífico Reitor da Universidade de Ribeirão Preto, abraçou a mãos ambas o projecto e tudo se concertou para que nas celebrações do Centenário da Vetusta Instituição se  proceda ao lançamento da II série da  Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo.

Nomes sonantes da jusconsumerística brasileira e portuguesa se perfilaram para preencher de forma notável esta edição de afirmação e continuidade. Outros, em razão de quefazeres inopinados e vicissitudes outras, não puderam marcar presença, o que muito se lamenta. Fá-lo-ão decerto em edições posteriores.

O Centro de Estudos de Direito do Consumo adstrito à sociedade científica apDC – Direito do Consumo, sediado em Coimbra, e o Curso de Pós-Graduação da Universidade de Ribeirão Preto dão-se as mãos para trazer a lume este veículo de cultura jurídica, dos novos direitos, e de aproximação de povos que partilham princípios e valores universais, na excelência dos seus trajectos e de uma História comum que há-de servir de alento a novos cometimentos.

A Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo servirá de suporte a tais aspirações.

Praza a Deus que tão radiosa cooperação floresça em múltiplos domínios. Disso colherão os povos inegáveis vantagens!

Deus guarde o Brasil!

Deus abençoe os seus amados filhos, do Óiapoque ao Chuí, e os que na diáspora honram as suas tradições centenárias.

 

Mário Frota

Centro de Estudos de Direito do Consumo, Coimbra, Outubro de 2024

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