quinta-feira, 28 de março de 2024

CONSULTÓRIO DO CONSUMIDOR

 


(29 de Março de 2024)

 FORA OU DENTRO DO ESTABELECIMENTO?

COM OU SEM HIPÓTESE  DE DESISTIMENTO?

 

“Recebi em casa uma comunicação da firma onde habitualmente compro os electrodomésticos: oferta de uma arca congeladora, último modelo, com um preço promocional.

Dirigi-me ao estabelecimento e acabei por comprar.

Cheguei, no entanto, à conclusão, 5 dias depois, que nada acrescentaria, de resto, aos equipamentos que já tinha e quis desistir da compra.

Telefonei para a empresa: lamentaram, dizendo que como a compra fora ao balcão, nada poderiam fazer porque em tais casos não há lugar aos 14 dias para desistência: só se a compra fosse fora de estabelecimento.”

Apreciada a factualidade, cumpre dizer:

1.    Os contratos de compra e venda ao balcão, salvo se a contento ou sujeitos a prova, de par  com circunstâncias outras, são firmes, têm de ser rigorosamente cumpridos.

 2.    Há contratos à distância (por correio, por meios electrónicos,  telefone ou telecópia) como fora de estabelecimento, em que os consumidores dispõem de um período de reflexão (de 14 ou 30 dias, segundo os casos) no decurso do qual podem dar o dito por não dito.

 3.    No regime dos contratos fora de estabelecimento cabem os celebrados em

 

3.1.        Local indicado pelo fornecedor …, a que o consumidor se desloque, por sua conta e risco, na sequência de uma comunicação comercial (v.g., em instalações de bombeiros para venda de produtos de saúde, precedidos, por vezes, de falsos rastreios, etc.);

3.2.        Domicílio do consumidor;

3.3.        Local de trabalho do consumidor;

3.4.        Em reuniões em que a oferta é promovida por demonstração perante pessoas reunidas num dado domicílio, a instâncias do fornecedor (‘reuniões Bimby’);

3.5.        Ou durante uma deslocação organizada pelo fornecedor fora de estabelecimento (“Conheça a Galiza grátis”).

 

4.    Mas aí também cabem os contratos celebrados no estabelecimento comercial  ou por quaisquer meios de comunicação à distância imediatamente após o consumidor ter sido, pessoal e expressamente, contactado em local que não seja o do próprio estabelecimento (DL 24/2014:  subal. i) da al. i) do art.º 3.º).

 5.    O artigo 9.º do DL 24/2014 reza o seguinte:

“1 - O contrato celebrado fora do estabelecimento comercial é reduzido a escrito e deve, sob pena de nulidade, conter, de forma clara e compreensível e na língua portuguesa, as informações determinadas pelo artigo 4.º [todo o clausulado de a a z].

2 - O fornecedor… deve entregar ao consumidor uma cópia do contrato assinado ou … noutro suporte duradouro…”

 6.    Como se preteriu a forma legal prescrita (em papel ou noutro suporte duradouro, a bel talante do consumidor), o contrato é nulo.

 7.    A nulidade é invocável a todo o tempo, por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal: não está, por conseguinte, limitada aos 14 ou 30 dias, consoante os casos, para o exercício do direito de retractação (o de dar o dito por não dito) (Código Civil: art.º 286; DL 24/2014: n.º 1 do art.º 10.º)

 8.    O contrato, ainda que celebrado no estabelecimento, não é equiparável aos… celebrados normalmente nos estabelecimentos a que os consumidores se desloquem espontaneamente em razão dos seus interesses e querer momentâneos e em que, salvo se ocorrer vício, avaria, etc., não pode  haver marcha-atrás!

 

EM CONCLUSÃO:

a.    O contrato celebrado nas instalações próprias do estabelecimento comercial após contacto pessoal e expresso promovido pela empresa subsume-se no regime dos contratos fora de estabelecimento (DL 24/2014: subal. i) da alínea i) do art.º 3.º).

 b.    Como tal, ao contrário dos contratos habituais celebrados em estabelecimento, meramente consensuais, sem observância de forma legal escrita, o contrato de que se trata obedece rigorosamente a forma: tem de ser passado ao papel (ou outro suporte duradouro) (DL 24/2014: n.º 1 do art.º 9.º).

 c.    Se tal se não tiver observado, o contrato é nulo: nulidade invocável a todo o tempo por qualquer interessado e declarada oficiosamente pelo tribunal (Código Civil: art.º 286).

 Tal é, salvo melhor juízo, o nosso parecer.

 

Mário Frota

presidente da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal

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