segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

Os Fundos-abutres inquinam as acções colectivas: advogados ao serviço de ínvios interesses?


De um advogado do Porto: “podem os advogados assumir o patrocínio da acções colectivas subvencionadas por determinados Fundos que de todo os subordinam a suas ordens e instruções, limitando a direcção do processo para que foram mandatados por  instituição legitimada para as instaurar?”

 Ponderando, cumpre responder:

1.    O tema é actual e prende-se com o financiamento por terceiros das acções colectivas indemnizatórias que ora pululam, entre nós, mormente no Tribunal da Concorrência, em Santarém.

 2.      Uma sociedade de advogados solicitara já parecer ao Conselho Geral da Ordem dos Advogados acerca da “compatibilidade do exercício da advocacia e, em particular do patrocínio forense, quando o financiamento de uma acção judicial e dos honorários do mandatário da entidade que inicia a acção são exclusivamente assegurados por uma terceira entidade, que não é parte na acção, gozando tal entidade de prerrogativas relativas à condução do processo judicial, designadamente no que respeita ao acesso ao processo, ao direito à informação, ao controlo da escolha dos mandatários, à possibilidade de transigir quanto ao objecto da acção, à discussão prévia de certas decisões, ao direito de estar presente em audiências e à derrogação do sigilo profissional.”

 3.    A apreciação do Conselho Geral não é nada lisonjeira para os advogados que assumem, nessas condições, um tal patrocínio: “ressalta de imediato uma violação clara e inequívoca do artigo 92 do Estatuto da Ordem dos Advogados. Na verdade a desvinculação ao Sigilo Profissional não está na livre disposição do advogado e apenas pode ser dispensado mediante prévia autorização do presidente do conselho regional respectivo, com recurso para o Bastonário, …, e em condições muito excepcionais, nos termos do artigo 4.º do Regulamento de Dispensa de Segredo Profissional.

 4.    Ademais, pondera o Conselho, a Cláusula 4.6, do “Acordo de Financiamento” viola o artigo 67, n° 2, do EOA quanto ao princípio da livre escolha do mandatário, na exacta medida em que condiciona a escolha de mandatário pela Autora a uma entidade terceira.

 5.    “É igualmente violado o artigo 89 do EOA, no que respeita ao dever de independência do advogado, quando nas Cláusulas 4.2; 4.3; 4.4 e 4.5, do “Acordo de Financiamento” se impõem determinadas obrigações de gestão processual, que deveriam estar exclusivamente na esfera processual do advogado que lidera o processo, e que cerceiam e condicionam a sua autonomia técnica.”

 6.    “…Mais se diga, e numa perspectiva jurídico-constitucional, que estes contratos, porque comportam um exercício abusivo do direito de acesso aos tribunais, nomeadamente do direito fundamental de acção popular, encerram um vínculo contratual contrário à lei constitucional.”

 7.    “E por isso, por serem violadores de lei, são nulos, sendo tal nulidade de conhecimento oficioso.”

 8.    O parecer cita um escrito de Paulo Otero [Da dimensão constitucional dos acordos de financiamento … acções populares indemnizatórias um problema de abuso de direitos fundamentais] em que o autor propugna a inconstitucionalidade de tais acordos.

 9.    A admissibilidade dos acordos de financiamento por terceiros não é pacífica entre nós, como se infere de sucessivas posições assumidas, nomeadamente por jurisconsultos nacionais em acção pendente [Jus Omnibus versus Mastercard] no Tribunal da Concorrência, da Regulação e Supervisão.

 10.  Propendem para a admissibilidade de um tal pacto Carlos Blanco de Morais, Mariana Melo Egídio, Paula Costa e Silva e Nuno Trigo Reis, Paulo Paes Marques e Jorge Reis Morais, conquanto  Gomes Canotilho, Jónatas Machado e Malheiro de Magalhães, de par com Paulo Otero, se situem na trincheira oposta.

 

EM CONCLUSÃO

a.    Os acordos que os advogados vêm firmando com os Fundos de financiamento das acções colectivas violam um sem número de regras do Estatuto da O.A. (art.ºs 67, n.º 2, 89 e 92)

b.    A Ordem tende a considerar que tais acordos são nulos porque feridos de inconstitucionalidade.

c.    A doutrina divide-se, porém, sobre a matéria, aguardando-se que a Lei da Acção Colectiva Europeia venha a lume para saber qual a posição do legislador português a tal propósito, já que de modo expresso não há lei que a proíba, como nada há que a autorize.

 

Mário Frota

presidente emérito da apDC – DIREITODO CONSUMO -, Portugal

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