Lista Negra de Obrigações Naturais
À margem de quaisquer preceitos legais
É então crassa violação das regras
Tanto das Brancas como das Listas Negras
“Pese embora tenha invocado a prescrição da dívida e, bem assim, a caducidade do prazo para recurso à via judicial (seis meses após a prestação do serviço), fui agora informado pela MEO que as facturas iriam permanecer em dívida na base de dados na medida “em que a dívida continua a existir enquanto obrigação natural, apenas tendo deixado de ser exigível judicialmente” e que “… o processo de contencioso referente a esta conta foi entregue à agência de cobrança INTRUM Portugal...”.
Fui, entretanto, informado, por esta agência de cobranças de que teria de pagar a dívida para que não avançassem com o processo.
Isto não parece estar a acontecer, mas, com efeito, está e o assédio e as ameaças não cessam!”
1. Dever primeiro a que se adscreve qualquer partícipe no mercado é a observância da cláusula geral da boa-fé, nas vertentes por que se desdobra: subjectiva e objectiva.
2. Aliás, no pórtico da Lei dos Serviços Públicos Essenciais inscreve-se de modo impressivo um tal princípio-regra:
“O prestador do serviço deve proceder de boa-fé e em conformidade com os
ditames que decorram da natureza pública do serviço, tendo igualmente em conta a
importância dos interesses dos utentes que se pretende proteger.”
3. Invocada a prescrição, judicial ou extrajudicialmente, remanesce uma obrigação natural: a dívida jamais poderá ser exigida através de acção ou injunção. Daí a contradição, ao ameaçar-se o consumidor com a instauração de novo procedimento judicial, como consta do nefando rol de intimidações…
4. Obrigação natural é a que se funda num mero dever de ordem moral ou social, cujo cumprimento não é judicialmente exigível: se satisfeita, corresponderá a um dever de justiça. No caso vertente, no confronto entre a segurança e a justiça, prevalece a segurança jurídica.
5. A criação de uma LISTA NEGRA DOS DEVEDORES DE OBRIGAÇÕES NATURAIS é um artifício e é uma aberração, em vista das consequências que se assacam às dívidas prescritas que apagam as obrigações jurídicas.
6. Ademais, expõem os consumidores e os seus dados pessoais a uma empresa estranha ao tráfego negocial e, nessa medida, há também uma clara violação do Regulamento Geral de Protecção de Dados, que cumpre, a justo título, denunciar.
7. Se a empresa de comunicações electrónicas tiver efectuado uma qualquer cessão de dívidas a esse cobrador (qualificado ou não), infringe o Código Civil que, no seu artigo 577 (é que o crédito está, pela própria natureza da prestação, ligado à pessoa do credor), o proíbe.
8. Se o consumidor se recusar a pagar, porque invocada a prescrição, não pode daí sofrer qualquer desvantagem, a saber, explicitamente,
8.1. Nem a suspensão do serviço;
8.2. Menos ainda a extinção do contrato;
8.3. Eventuais exigências de caução ou outras garantias para poder continuar a fruir do serviço;
8.4. A recusa de celebração de um outro contrato…
8.5. A inserção em qualquer lista de baixo teor reputacional (a origem do fenómeno está no credor, que não no devedor: a prescrição não é um favor, é um direito, em homenagem à segurança jurídica).
- O facto de não haver sido cobrada a dívida, no lapso de tempo a tanto consignado, é imputável – só e tão só - à empresa, aos seus procedimentos, aos seus métodos, à sua negligência, à sua incompetência, logo, não poderão daí advir consequências negativas para os consumidores.
10. Ademais, o tratamento de tais dados só seria lícito, nos termos do Regulamento 2016/679, se necessário para o cumprimento de uma obrigação jurídica a que o responsável pelo tratamento estivesse sujeito, o que não é o caso.
- O assédio (as ameaças, as intimidações), para além de prática negocial agressiva, prevista na Lei das Práticas Comerciais Desleais de 2008, constitui crime, nos termos do artigo 154-A do Código Penal, passível de prisão até 3 anos ou multa, se outra mais grave não couber.
- Para além de o facto constituir ainda um crime de ofensa à reputação económica do consumidor (DL 28/84: art.º 41) passível de com pena de prisão de 1 ano e multa não inferior a 50 dias.
EM CONCLUSÃO
1. Invocada a prescrição de uma dívida, qualquer que seja, remanesce uma “obrigação natural”, insusceptível de cobrança judicial.
2. A constituição de uma lista negra de devedores de obrigações naturais é um delírio que exige a pronta intervenção dos psiquiatras do direito e uma ilicitude que berra com o Regulamento Geral de Protecção de Dados.
3. O assédio (a perseguição) constitui, para além de prática negocial ilícita, crime passível de prisão até 3 anos e, para tanto, deve ser denunciado ao Ministério Público.
4. Como o crime de ofensa à reputação económica passível de 1 ano de prisão.
Mário Frota
apDC – DIREITO DO CONSUMO - Coimbra
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