terça-feira, 11 de maio de 2021

Edição de hoje no Portal do PROCON RS, do Rio Grande do Sul, Porto Alegre


O DIREITO DO CONSUMO EM PORTUGAL

As Dívidas dos Serviços Públicos Essenciais e seus Modos de Extinção

(Portal do PROCON RS, Portalegre, Brasil, edição de 11 de Março de 2021)

 

 

A principal obrigação do consumidor de serviços públicos essenciais é a de pagar o preço.

Porém, nem sempre as facturas apresentadas pelos fornecedores correspondem fielmente (e com rigor) aos consumos.

O CONSUMIDOR TEM DE PAGAR SÓ O QUE CONSOME

NA EXACTA MEDIDA DO QUE E EM QUE CONSOME

Há, em geral, facturas que apresentam valores superiores aos consumidos. E um dos princípios básicos é esse: PAGAR SÓ O QUE SE CONSOME. E tão só. Há, pode dizer-se, nestes casos, sobrefacturação, ou seja, facturação em excesso. Como pode haver, é facto, subfacturação, isto é, facturação por defeito, a factura apresenta consumo inferior ao realmente efectuado. Com as consequências que advêm, neste particular, meses mais tarde, com os acertos. Os acertos podem queimar a bolsa dos consumidores.

Desequilibram, não raro, os orçamentos domésticos. Se tal acontecer, isto é, se os valores não corresponderem aos consumos registados, o consumidor deve exercer o seu direito de reclamação no prazo estabelecido para o pagamento.

E não tem de ceder às exigências dos fornecedores que, tantas vezes, ainda recorrem a uma fórmula estafada, a saber: “PAGUE PRIMEIRO – RECLAME DEPOIS”.

Fórmula que curiosamente vem já dos romanos.

Terá de reclamar de forma apropriada, em especial no LIVRO DE RECLAMAÇÕES. Para que dele conste o desvio à normalidade nas relações com os consumidores.

Se tiver dificuldades em lavrar a reclamação, peça a ajuda de alguém que possa fazê-lo por si.

E pagar só após a decisão final sobre a reclamação.

Há, porém, situações em que o consumidor se deve escusar de pagar: sempre que a dívida se achar prescrita.

PRESCRIÇÃO DE DÍVIDAS

As dívidas prescrevem pela passagem do tempo. Há distintos prazos de prescrição, consoante a natureza das dívidas.

Assim,

. o prazo ordinário da prescrição é de vinte anos.

. prescrevem, porém, entre outros, no prazo de cinco anos:

. as rendas e alugueres devidos pelo locatário, ainda que pagos por uma só vez;

. os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, e os dividendos das sociedades;

. as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros;

. as pensões alimentícias vencidas;

. quaisquer outras prestações periodicamente renováveis.

A lei apresenta ainda outras hipóteses, em particular no que se refere a prescrições que se fundam na presunção de cumprimento, mas que ora não vêm ao caso.

Para as dívidas dos serviços públicos essenciais (água, energia eléctrica, gás, comunicações electrónicas …, …) o prazo de prescrição é de 6 meses.

A Lei dos Serviços Públicos Essenciais estabelece-o no seu artigo 10.º:

“1 - O direito ao recebimento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação.

2 - Se, por qualquer motivo, incluindo o erro do prestador do serviço, tiver sido paga importância inferior à que corresponde ao consumo efectuado, o direito do prestador ao recebimento da diferença caduca dentro de seis meses após aquele pagamento.

3 - A exigência de pagamento por serviços prestados é comunicada ao utente, por escrito, com uma antecedência mínima de 10 dias úteis relativamente à data-limite fixada para efectuar o pagamento.

4 - O prazo para a propositura da acção ou da injunção pelo prestador de serviços é de seis meses, contados após a prestação do serviço ou do pagamento inicial, consoante os casos.

5 - O disposto no presente artigo não se aplica ao fornecimento de energia eléctrica em alta tensão.”

Para que a prescrição seja eficaz, ou seja, para que o consumidor da sua inexigibilidade judicial se possa prevalecer, cabe invocá-la, uma vez interpelado pelo credor para pagar.

Em regra e em geral, se o consumidor não invocar em seu benefício a prescrição, a dívida subsistirá, cabendo-lhe efectuar o pagamento se para tanto nisso for condenado.

Mas há no domínio dos serviços públicos essenciais uma excepção de ponderar: é que o direito vem assistido da denominada caducidade do direito de acção que fulmina, por assim dizer, a própria prescrição não invocada no tempo, no lugar e na peça processual ou procedimental próprios.

Há, pois, uma nuance que se analisará noutro passo, a saber, quando se contemplar o instituto da CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO.

O fornecedor poderá exigir o pagamento quer por carta, quer por meio de qualquer acção judicial (ou injunção). Se o fizer por carta, o consumidor, na resposta, terá de dizer exactamente que a dívida reclamada já prescreveu.

Se se tratar de um qualquer meio judicial (acção ou injunção…) é na contestação ou na oposição, respectivamente, que o consumidor invocará, em seu favor, a prescrição.

O tribunal não pode conhecer oficiosamente, por sua iniciativa, pois, da prescrição.

É o que diz o Código Civil, no seu artigo 303:

“O tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público”.

É ao consumidor ou seu representante que cabe invocar a prescrição.

Não pode esperar que outrem o faça por si. Menos ainda o juiz conheça da prescrição se o caso for parar à barra dos tribunais.

O Código Civil diz, por outras palavras, que, vencido o tempo da prescrição, tem o consumidor o direito de não pagar.

Eis como o diz no seu

Artigo 304:

(Efeitos da prescrição)

“1. Completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito.

2. Não pode, contudo, ser repetida a prestação realizada espontaneamente em cumprimento de uma obrigação prescrita, ainda quando feita com ignorância da prescrição; este regime é aplicável a quaisquer formas de satisfação do direito prescrito, bem como ao seu reconhecimento ou à prestação de garantias.

3. No caso de venda com reserva de propriedade até ao pagamento do preço, se prescrever o crédito do preço, pode o vendedor, não obstante a prescrição, exigir a restituição da coisa quando o preço não seja pago”.

No entanto, se pagar, por ignorância, distracção ou por qualquer outra circunstância, não pode o consumidor, por força de lei, exigir a devolução do montante que tiver pago (a lei chama-lhe “a repetição do indevido”: “não pode ser repetida a prestação”; “não pode voltar a ser pedido o que pagou “indevidamente”…).

Há como que uma ideia de justiça aqui, contraposta à de segurança jurídica: se pagou, embora não o devesse fazer por razões de segurança do direito, pagou bem. É justo que tenha pago. E, por isso, nada pode pedir de volta. Não poderá pedir que se lhe restitua o que indevidamente pagou.

A CADUCIDADE DO RECEBIMENTO DA DIFERENÇA DO PREÇO

O mesmo sucede quando o fornecedor factura a menos e, depois, pretende acertar contas.

Imaginemos a seguinte situação: o consumidor teve um consumo real de 100, mas só lhe foi debitado 10.

A diferença, que é de 90, tem de ser reclamada pelo credor (fornecedor) em seis meses.

Veja-se o que diz a Lei dos Serviços Públicos Essenciais no n.º 2 do artigo 10.º, já transcrito noutro passo:

“Se, por qualquer motivo, incluindo o erro do prestador do serviço, tiver sido paga importância inferior à que corresponde ao consumo efectuado, o direito do prestador ao recebimento da diferença caduca dentro de seis meses após aquele pagamento.”

Observar-se-á a este respeito quanto se disse a propósito da prescrição de dívidas. O pagamento da diferença, se exigido para além de seis meses, caduca, cai, não sendo, pois, exigível ao consumidor que o faça. E valem aqui as mesmas considerações feitas em relação à prescrição: é ao consumidor que cabe invocar a caducidade

. ou por carta se por carta lho exigirem

. ou na resposta (contestação da acção ou oposição à injunção) ao meio judicial contra si usado

. se o não fizer, só não será condenado a pagar se na acção ou injunção o juiz tomar conhecimento de que o meio processual usado (proposta a acção ou requerida a injunção) o foi fora de tempo: e aqui suscita-se o fenómeno da caducidade do direito de acção

. o tribunal não pode substituir-se ao consumidor: está vedado ao juiz, nestes casos, conhecer oficiosamente da caducidade do direito de recebimento da diferença do preço, por tal se equiparar, neste passo, à prescrição.

Se bem que haja quem interprete, de modo favorável ao consumidor, na conjunção de dois dos artigos da Lei dos Serviços Públicos Essenciais (10.º e 13.º), os dispositivos em vigor para concluir pela oficiosidade do conhecimento caducidade da diferença do preço, em aplicação do que estabelece o Código Civil, no seu artigo 333, sob a epígrafe “apreciação oficiosa da caducidade”, a saber:

“1. A caducidade é apreciada oficiosamente pelo tribunal e pode ser alegada em qualquer fase do processo, se for estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes.

2. Se for estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes, é aplicável à caducidade o disposto no artigo 303 [invocação provocada].”

E o facto é que o n.º 1 do artigo 13 da Lei dos Serviços Públicos Essenciais refere claramente que

“É nula qualquer convenção ou disposição que exclua ou limite os direitos atribuídos aos utentes pela presente lei.”

Conquanto estabeleça também, no seu n.º 2, que a nulidade só é susceptível de ser invocada pelo consumidor.

Diferente do instituto de que se curou é o da CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO,

que noutro passo se analisará.

A IGNORÂNCIA DO DIREITO E

A NATUREZA DA PRESCRIÇÃO E DA CADUCIDADE

Os consumidores ignoram, em geral, os direitos que lhes assistem.

E só consequentes acções de informação nos meios de comunicação (jornais, revistas, rádio, televisão…) permitirão que os direitos se assimilem e os consumidores os retenham e exerçam quando postos em causa.

Mas se o consumidor, como é de seu direito, se recusar a pagar, porque prescrita a dívida ou por haver caducado o direito à diferença do preço, daí não poderão advir quaisquer consequências nefastas ou desvantagens, como nalguns casos sucede, com hipóteses como as que a seguir se perfilam:

. a suspensão do serviço;

. a extinção do contrato;

. a exigência de caução ou outras garantias para poder continuar a processar-se o fornecimento ou a prestação de serviço;

. a recusa de celebração de um outro contrato…

CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO

A Lei estabelece ainda que a acção tem de ser proposta em seis meses sob pena da caducidade do direito de acção:

“O prazo para a propositura da acção ou da injunção pelo prestador de serviços é de seis meses, contados após a prestação do serviço ou do pagamento inicial, consoante os casos.” (n.º 4 do artigo 10.º da Lei 23/96, de 26 de Julho).

Ora,

Não se ignore que a caducidade do direito de acção é também de 6 meses, o que significa que acção ou injunção proposta para além de tal prazo cai, caduca, nem sequer é apreciada.

E a caducidade é, neste passo, ao que parece, de conhecimento oficioso, isto é, deve o tribunal conhecê-la sem necessidade de invocação da excepção pelo interessado, no caso, pelo consumidor.

Aliás, o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 03 de Novembro de 2009, pelo punho de Paulo de Sá, definiu-o com meridiana clareza numa decisão tirada, ao que se nos afigura, ponderada:

I - A interpretação conjugada dos arts. 10.º e 13.º da Lei n.º 23/96, de 26-07, aponta no sentido de que a caducidade é, aqui, de conhecimento oficioso.

II - A caducidade extingue os efeitos jurídicos do direito em virtude de um facto jurídico stricto sensu, independentemente de qualquer manifestação de vontade.

…”

Sendo , em bom rigor, de conhecimento oficioso, a CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO como que absorve a prescrição.

Ainda que não seja invocada pelo interessado, a prescrição não produzirá os seus efeitos, deixando, pois, a dívida de ser judicialmente exigível, limpando-a de todo, a não ser no estrito plano das obrigações naturais, a que noutro passo se aludiu.

Os efeitos da prescrição não invocada não relevam perante a caducidade do direito de acção: a acção é intempestiva se for instaurada para além dos seus meses que a lei estabelece de prazo necessário para o efeito, para que possa prosseguir e seus termos apreciados; se não for observado o prazo e o demandante o exceder, instaurá-la-á fora de tempo, a acção atingida pela caducidade cai por si só, naufraga por razões meramente formais, cabendo ao juiz conhecer do facto por via das obrigações a que se adscreve, isto é, oficiosamente, pois. E, nisso, como que se consome a prescrição, que deixa de produzir os efeitos da sua não invocação, ou seja, os da condenação no pagamento.

TRIBUNAIS ARBITRAIS NECESSÁRIOS

Sempre que os consumidores se vejam envolvidos em litígios no domínio dos serviços públicos essenciais, recomenda-se que recorram aos tribunais arbitrais de conflitos de consumo, que desde 2011 funcionam como tribunais necessários, não podendo, como até então sucedia, em tantos casos, os demandados, os prestadores de serviço furtar-se, eximir-se, escapar à acção de tais órgãos de administração extrajudicial da justiça.

Os tribunais arbitrais de conflitos de consumo, em sentido estrito, situam-se em Guimarães, Braga, Porto, Coimbra, Lisboa, Faro e Funchal e, para as zonas do País não servidas por tais órgãos, é competente em razão do território o Tribunal Arbitral de Conflitos de Consumo Nacional, situado em Braga, nas instalações do CIAB – Centro de Informação e Arbitragem de Braga.

Eis, para cabal informação, a lista dos centros em laboração no País:

Em geral

Centro Nacional de Informação e Arbitragem de Conflitos de Consumo (CNIACC)

Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo da Região de Coimbra (CACRC)

Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo de Lisboa (CACCL)

Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo da Região Autónoma da Madeira (CACC RAM)

Centro de Informação de Consumo e Arbitragem do Porto (CICAP)

Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo do Ave, Tâmega e Sousa (TRIAVE)

Centro de Informação, Mediação e Arbitragem de Consumo (Tribunal Arbitral de Consumo) (CIAB)

Centro de Informação, Mediação e Arbitragem do Algarve (CIMAAL)

Em especial

Centro de Arbitragem do Sector Automóvel (CASA)

Centro de Informação, Mediação e Arbitragem de Seguros (CIMPAS)

Provedor do Cliente das Agências de Viagens e Turismo (Provedor da APAVT)

De assinalar que o processo nestes tribunais (ou equiparados) é rápido, seguro e gratuito (ou tendencialmente gratuito).

Não consideramos aqui, por razões óbvias, o Centro de Arbitragem da Universidade Autónoma de Lisboa (CAUAL), que também se ocupa de litígios de consumo.

Os consumidores nada terão de pagar, em princípio (tudo dependendo dos centros de arbitragem em que se situe o tribunal arbitral competente), para se socorrerem de tais tribunais, o que é uma vantagem considerável, se se atender ainda ao facto de a justiça ser muito rápida (90 dias, em geral, do início até ao fim de um pleito, é o tempo prescrito pela lei para o efeito).

Justiça pronta é justiça de ouro…

Justiça que tarda tem sempre o amargo sabor da injustiça!

Mário Frota

apDC – DIREITO DO CONSUMO - Coimbra

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