quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

DIREITO EUROPEU DO CONSUMO CONTRATOS POR TELEFONE: um simples telefonema e o contrato celebrado?

 
“Ligaram-me de uma empresa de energia eléctrica (o antigo monopólio: a EDP) a propor certas condições para que mudasse de comercializador.

Sem que se houvesse avançado no diálogo, sem que ficasse a conhecer em pormenor as condições, sem que tivesse dado o meu consentimento, consideraram o contrato celebrado. Abusivamente! Mas não se ficaram por aí: juntaram a esse  um outro contrato de seguro dos equipamentos e um outro ainda de assistência em caso de avaria e fiquei aparentemente obrigada também perante estes.

Ao que parece, as coisas funcionam assim. Mas as empresas têm o direito de o fazer?

Que direitos terei, que direitos terá o consumidor?”

Os contratos por telefone estão na ordem do dia…

E, ao contrário do que se julga saber, há normas que os regem e a que se deve obediência.

Duas hipóteses se perfilam e desenham na circunstância:

1.ª Se a iniciativa do telefonema for da empresa, o consumidor só fica, em princípio, obrigado depois de assinar a oferta ou remeter o seu consentimento por escrito.

Disse-se “em princípio”.

E assim será: é que, mesmo depois da celebração de um contrato não presencialdistância, por telefone), se o contrato for válido, o consumidor dispõe de 14 (catorze) dias consecutivos para se retractar, ou seja, para dar o dito por não dito, isto é, goza de um direito de desistência ou de retractação exactamente porque a lei lhe dá todo esse tempo para ponderar, para reflectir, para saber se o contrato lhe convém ou não, para ajuizar, pois, da conveniência ou do interesse em celebrar ou não o contrato.

Mas para tanto é necessário que do clausulado do contrato (que tem de ser presente ao consumidor por meio de qualquer suporte duradouro*) conste o tal direito de desistência ou de retractação.

(*Por suporte duradouro se entende “qualquer instrumento, designadamente o papel, a chave Universal Serial Bus (USB), o Compact Disc Read-Only Memory (CD-ROM), o Digital Versatile Disc (DVD), os cartões de memória ou o disco rígido do computador, que permita ao consumidor ou ao fornecedor de bens ou prestador do serviço armazenar informações que lhe sejam pessoalmente dirigidas, e, mais tarde, aceder-lhes pelo tempo adequado à finalidade das informações, e que possibilite a respectiva reprodução inalterada.”)

Se, porém, do clausulado não constar tal direito (o de desistência ou de retractação), o consumidor dispõe, não de 14 dias, mas de 12 meses para dar o dito por não dito. Doze meses que acrescem aos 14 dias. Sem quaisquer consequências para si. E como forma de penalizar o co-contratante que não observou os ditames da lei.

2.ª Se a iniciativa do telefonema for, no entanto, do consumidor, o contrato considera-se, em princípio, celebrado. Mas o fornecedor tem de o confirmar em 5 (cinco) dias mediante a remessa de todo o clausulado de onde constará o período de reflexão ou de ponderação de 14 (catorze) dias dentro dos quais se poderá verificar a desistência. Se não constar, observar-se-á o mesmo que na hipótese anterior: o período para o exercício do direito de desistência ou retractação será então de 12 meses contados dos 14 dias iniciais.

Reconduz-se, no entanto, à hipótese primeira (o telefonema por iniciativa do fornecedor) se, no decurso de uma chamada feita pelo consumidor com qualquer outro propósito, for abordado para a celebração de um contrato, qualquer que seja… A saber, o contrato só se considera celebrado, nestes casos, se acaso o consumidor der o seu consentimento por escrito ou depois de assinar a oferta. O que parece curial.

3.ª No caso da celebração, não de um só contrato de fornecimento de energia, mas ainda da imposição lateral de um contrato de seguro e de um de assistência técnica, o que nem sequer se revelou no momento do contacto com o consumidor, há manifestamente violação da lei.

É que “o consumidor não fica obrigado ao pagamento de bens ou serviços que não tenha prévia e expressamente encomendado ou solicitado, ou que não constitua cumprimento de contrato válido…” (n.º 4 do artigo 9.º da LDC – Lei de Defesa do Consumidor).

Ademais, “é vedado ao fornecedor… fazer depender o fornecimento de um bem… da aquisição de um outro ou outros (n.º 6 do artigo 9.º da LDC – Lei de Defesa do Consumidor).

4.ª O que se estranha é que empresas de certo porte façam por ignorar as leis em vigor e atentem contra os direitos do consumidor, aproveitando-se, tantas vezes, do menor conhecimento que os consumidores têm dos seus próprios direitos para desferir golpes baixos como estes de que o consulente nos dá conta.

A informação ao consumidor é, com efeito, primordial: consumidor esclarecido é consumidor de parte inteira, é cidadão investido na plenitude dos seus direitos, com um estatuto invejável, que não um sujeito dotado como que de uma “capitis deminutio” (capacidade diminuída).

Por conseguinte, tratando-se de contrato cujo impulso se ficou a dever ao fornecedor, seria indispensável que o consumidor assinasse a oferta ou desse o seu consentimento por escrito. Não havendo consentimento, não há contrato. Menos ainda os outros dois contratos proibidos por se tratar de contratos não queridos (de contratos “casados”, como se diz no Brasil)…

O consumidor a nada estará obrigado.

E o fornecedor comete um ilícito de mera ordenação social passível de coima que, de momento, se situa ainda entre 2 500 a 25 000€, segundo o ordenamento jurídico português.

As sanções variam de Estado-membro para Estado-membro da União Europeia.

Daí que seja decisivo investir na informação do consumidor por todos os meios ao nosso alcance. Para que o consumidor saiba, em todas as circunstâncias, com que linhas se cose, em que lei vive.

Mário Frota

apDC – DIREITO DO CONSUMO - Coimbra

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