segunda-feira, 9 de novembro de 2020

COMPRA-E-PASSA: Compra e Passa pela LEI… como gato por vinha vindimada

 
Compra-e-Passa

Reproduzindo um texto de 2018

que reflecte sobre os empórios comerciais em Portugal
e o seu distanciamento das leis que procuram preservar os consumidores de métodos negociais que, a um tempo, lhes são nefastos como constituem uma afronta a uma concorrência saudável

COMPRA-E-PASSA:
Compra e Passa pela LEI… como gato por vinha vindimada

Um dos gigantes da distribuição – o Continente – lançou, pelas redes sociais, uma campanha de promoção, pretendendo enredar os consumidores no seu próprio circuito comercial, enunciando simplesmente, em fundo vermelho, algo do estilo:

ENVIE 5€ AOS SEUS AMIGOS E RECEBA 5€ PARA SI.

A ACOP - associação de CONSUMIDORES de PORTUGAL - veio a terreiro, denunciando às autoridades o facto, já que ferido de patente ilicitude.

Na sua aparente simplicidade, a que se associa uma perversa generosidade, vai aparelhada uma prática negocial desleal.

Trata-se de lhe facultar algo de precioso: por 5€, os consumidores conferem à SONAE-Distribuição os dados pessoais de um familiar, colega, amigo ou simplesmente conhecido.

É uma remuneração ínfima para um enorme esforço de colecta e transmissão de dados pessoais (cujo tratamento também não será, em princípio, lícito).

Além do mais, pôr os consumidores ao serviço das empresas, nestes termos, prejudica o mundo laboral (são os consumidores a substituir os trabalhadores que se desobrigariam decerto de tarefas semelhantes), a concorrência (quebra uma sã e leal concorrência entre firmas que se consagrem a análogas actividades) e, afinal, os próprios consumidores (na aparente consecução de vantagens pela “venda” de dados pessoais dos seus “amigos”)...

Nas vendas multinível (bola de neve), de análogo modo consideradas “vendas piramidais”, o método conduz a uma progressão geométrica do número de aderentes. O mercado rapidamente se saturaria: se, por exemplo, cada um dos consumidores tiver de arranjar quatro outros e cada um destes outros tantos e, assim, sucessivamente, o mercado francês esgotar-se-ia ao décimo terceiro nível e o mundial ao décimo sexto… Ganham os primeiros perdem os demais, como se assinala na obra de Jean Calais-Auloy, “Droit de la Consommation”, editada em Paris pela Dalloz.

A alínea r) do artigo 8.º da Lei das Práticas Comerciais Desleais de 2008, de forma genérica, proíbe essa e outras modalidades:

“ACÇÕES CONSIDERADAS ENGANOSAS EM QUALQUER CIRCUNSTÂNCIA”

São consideradas enganosas, em qualquer circunstância, as seguintes práticas comerciais:

r) Criar, explorar ou promover um sistema de promoção em pirâmide em que o consumidor dá a sua própria contribuição em troca da possibilidade de receber uma contrapartida que decorra essencialmente da entrada de outros consumidores no sistema e não da venda ou do consumo de produtos.

O quadro sancionatório constante do artigo 21 da referenciada lei diz taxativamente que:

“1 - A violação do disposto no artigo [8.º] constitui contra-ordenação punível com coima … de 3000 € a 44 891,81 €, se o infractor for pessoa colectiva.

2 - São, ainda, aplicáveis, em função da gravidade da infracção e da culpa do agente, as seguintes sanções acessórias:

a) Perda de objectos pertencentes ao agente;

b) Interdição do exercício de profissões ou actividades cujo exercício dependa de título público ou de autorização ou homologação de autoridade pública;

c) Encerramento de estabelecimento cujo funcionamento esteja sujeito a autorização ou licença de autoridade administrativa;

d) Publicidade da aplicação das coimas e das sanções acessórias, a expensas do infractor.

As sanções correspondentes às três primeiras hipóteses não excederão dois anos contados da decisão condenatória definitiva.

O que se estranha é que empresas da dimensão da mencionada ainda cometam deslizes infantis como os que se consubstanciam nestes exercícios aparentemente inofensivos, mas com uma carga de ilegalidades medonha.

Mário Frota
apDC - DIREITO DO CONSUMO - Coimbra

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