“INFORMAR PARA
PREVENIR”
“PREVENIR PARA
NÃO REMEDIAR”
programa de
11 de
Fevereiro de 2025
I
A MOEDA COM
CURSO LEGAL
&
OS CASOS DA
VIDA
I
INTRÓITO
A
OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA
VL
Ainda
a propósito do caso de um consumidor de Coimbra que se viu a braços com um
termo-acumulador que teve um breve ciclo de vida – 4 anos - e que a empresa Leroy Merlin se recusa a
reparar, o Prof. vem insistindo em algo que a generalidade ignora: a obsolescência
precoce e a obsolescência programada.
A
lei portuguesa proíbe a obsolescência programada?
E
as leis estrangeiras?
MF
“A obsolescência
prematura é, na sua essência, a pré-determinação deliberada do ciclo de vida de
um produto. Como se, ao nascer, se inscrevesse, na sua matriz, a concreta data
da sua morte por antecipação do seu ciclo normal de vida. Como se o produto, no
momento do seu lançamento no mercado, se fizesse acompanhar já de uma certidão
com uma data de óbito próxima… numa antecipação de uma vida bem mais longa, não
fora a artimanha.” Para levar naturalmente a que as pessoas comprem outro,
novo, quiçá também com um breve período de vida se aferida pela sua natural
funcionalidade.
Não se esqueça que,
segundo o Gabinete Europeu do Ambiente, na esfera da Comissão Europeia, um smartphone tem como período real de vida
dentre 25 e 232 anos. Porém, não dura mais de 3 anos para que as pessoas se
afadiguem em comprar outro porque o tornam deliberadamente obsoleto, fora de
circuito, fora de mercado…
Só em 2015 pela Resolução
70/186, votada a 22 de Dezembro, a Assembleia Geral das Nações Unidas deu o
devido relevo ao consumo sustentável, enunciando princípios e estabelecendo
directrizes.
Nela se define consumo
sustentável como “a satisfação das necessidades de bens e serviços das gerações
presentes e futuras de tal modo que sejam sustentáveis do ponto de vista
económico, social e ambiental.”
E estabelece um princípio
básico de responsabilidade: “compartem-na todos os membros e organizações da
sociedade”.
Nela se diz que “os
consumidores informados, os Estados Membros, as empresas, os sindicatos e as
organizações ambientais e de consumidores desempenham um papel relativamente
importante nesse particular”.
O que se pretende
prevenir é a obsolescência precoce ou a obsolescência programada.
A Lei-Quadro de Defesa do
Consumidor vigente estabelece, de modo congruente com o que se vem proclamando
em tema de sustentabilidade, que
“É vedada ao fornecedor
de bens ou ao prestador de serviços a adopção de quaisquer técnicas que visem
reduzir deliberadamente a duração de vida útil de um bem de consumo a fim de
estimular ou aumentar a substituição de bens ou a renovação da prestação de
serviços que inclua um bem de consumo.” (Lei 24/96: n.º 7 do art.º 9.º).
E, socorrendo-nos do tipo
legal de crimes sobre fraude sobre mercadorias, é adequado enquadrar tais
práticas ma moldura que segue:
“Quem, com intenção de
enganar outrem nas relações negociais, fabricar, transformar, introduzir em
livre prática, importar, exportar, reexportar, colocar sob um regime
suspensivo, tiver em depósito ou em exposição para venda, vender ou puser em
circulação por qualquer outro modo mercadorias: …
b) De natureza diferente
ou de qualidade e quantidade inferiores às que afirmar possuírem ou
aparentarem, será punido com prisão até 1 ano e multa até 100 dias, salvo se o
facto estiver previsto em tipo legal de crime que comine pena mais grave.” (DL
28/84: n.º 1 do art.º 23).
Em França, porém, o
Código do Consumo (code de la consommation) prescreve no seu artigo L 441-2:
“É proibida a prática da
obsolescência programada, definida pela utilização de técnicas, incluindo
software, através das quais o responsável pela colocação de um produto no
mercado visa reduzir deliberadamente o seu tempo de vida.”
As penas para os
infractores são, com efeito, muito severas, mãos que as que se cominam em
Portugal: prisão até dois anos e multa de € 300 000.
A multa pode ser
aumentada até 5% do volume de negócios anual da empresa, dependendo dos lucros
que de uma tal prática fraudulenta advenham.
Teremos, pois, de olhar
com olhos de ver uma tal prática porque a obsolescência programada representa
um enorme gravame para a sociedade.
Porque ao dar-se menos
vida às coisas, dá-se, como vimos sustentando, menos vida à vida!
II
OS
CASOS CONTADOS PELOS OUVINTES
VL
Dado
que, por falta de tempo, no último programa a resposta à última das questões
foi muito telegráfica, de novo tornamos à que o ouvinte
Rodrigo
Silva nos enviou:
“Comprei
há dias para a minha empresa um hotspot da Galp, daqueles que levam uma botija.
Os meus funcionários agradeceram. Contudo, na loja, disseram que a garantia
seria apenas de 6 meses, porque o NIF era de uma empresa, pergunto por isso:
Estes
seis meses não se aplicam apenas a electrodomésticos?”
MF
Este estrangeirismo quer
significar muitas coisas.
No caso, é de um aparelho
de aquecimento a gás que se trata.
Com efeito, tratando-se
de um contrato mercantil ou comercial, ou seja, entre empresas, rege
subsidiariamente o Código Civil, que reza assim no seu
Artigo
921.º
(Garantia
de bom funcionamento)
1. Se o vendedor estiver
obrigado, por convenção das partes ou por força dos usos, a garantir o bom
funcionamento da coisa vendida, cabe-lhe repará-la, ou substituí-la quando a
substituição for necessária e a coisa tiver natureza fungível,
independentemente de culpa sua ou de erro do comprador.
2. No silêncio do
contrato, o prazo da garantia expira seis meses após a entrega da coisa, se os
usos não estabelecerem prazo maior.
3. O defeito de
funcionamento deve ser denunciado ao vendedor dentro do prazo da garantia e,
salvo estipulação em contrário, até trinta dias depois de conhecido.
4. A acção caduca logo
que finde o tempo para a denúncia sem o comprador a ter feito, ou passados seis
meses sobre a data em que a denúncia foi efectuada.”
Já o artigo 916 do Código
Civil estabelece do mesmo passo:
Artigo
916.º
(Denúncia
do defeito)
“1. O comprador deve
denunciar ao vendedor o vício ou a falta de qualidade da coisa, excepto se este
houver usado de dolo.
2. A denúncia será feita
até trinta dias depois de conhecido o defeito e dentro de seis meses após a
entrega da coisa.
3 - Os prazos referidos
no número anterior são, respectivamente, de um e de cinco anos, caso a coisa
vendida seja um imóvel.”
Se se tratar de um
consumidor, pessoa singular, já a garantia será de 3 anos, conforme a Lei da
Compra e Venda de Consumo.
É o artigo 12 da Lei da respectiva Lei que o diz, sob a
epígrafe:
“Responsabilidade do profissional
em caso de falta de conformidade”
“1 — O profissional é
responsável por qualquer falta de conformidade que se manifeste no prazo de
três anos a contar da entrega do bem.
2 — Sem prejuízo do
disposto nos n.os 1 a 3 do artigo 8.º, no caso de bens com elementos digitais,
o profissional é responsável por qualquer falta de conformidade que ocorra ou
se manifeste:
a) No prazo de três anos
a contar da data em que os bens com elementos digitais foram entregues, quando
o contrato estipule um único ato de fornecimento do conteúdo ou serviço digital
ou quando o contrato estipule o fornecimento contínuo do conteúdo ou serviço
digital durante um período até três anos; ou
b) Durante o período do
contrato, quando este estipule o fornecimento contínuo do conteúdo ou serviço
digital durante um período superior a três anos.
3 — Nos contratos de
compra e venda de bens móveis usados e por acordo entre as partes, o prazo de
três anos previsto no n.º 1 pode ser reduzido a 18 meses, salvo se o bem for
anunciado como um bem recondicionado, sendo obrigatória a menção dessa
qualidade na respectiva factura, caso em que é aplicável o prazo previsto nos
números anteriores.
4 — O prazo referido no
n.º 1 suspende -se desde o momento da comunicação da falta de conformidade até
à reposição da conformidade pelo profissional, devendo o consumidor, para o efeito,
colocar os bens à disposição do profissional sem demora injustificada.
5 — A comunicação da
falta de conformidade pelo consumidor deve ser efectuada, designadamente, por
carta, correio electrónico, ou por qualquer outro meio susceptível de prova,
nos termos gerais.”
Tem, pois, razão o
comerciante. O que
é, no fundo, uma patente aberração.
Mas as contradições do
sistema são às mãos cheias, entre nós. E como ninguém força a mão ao legislador
as injustiças perduram…
VL
Rosalinda
Jesus – Salvaterra de Magos
Fui
há dias com a família a um restaurante em Lisboa. No Parque das Nações. O
atendimento foi 5 estrelas, mas na hora de pagar obrigaram-me a levantar
dinheiro, porque o multibanco estava avariado. Chovia torrencialmente e tive de
ir ao multibanco mais próximo no centro comercial vasco da gama, o que demorou
mais de um quarto de hora com a família à espera. A questão é: Não devia haver
uma informação ao cliente à porta? Ou o empregado de mesa não deveria informar?
MF
O que diz a lei a tal
propósito?
A moeda com curso legal é
o euro, ou seja, as notas em papel e as moedas metálicas que o Banco Central
manda cunhar.
Donde, em princípio, as
pessoas deverem estar habilitadas a fazer os pagamentos em dinheiro com curso
legal.
No entanto, como se
generalizou o pagamento através de cartões de débito e de crédito, sempre que
essa modalidade convenha a ambos os contraentes poderá ser adoptada.
E as pessoas contam que
tal alternativa exista sempre que tenham de efectuar pagamentos nas transacções
correntes.
Não se facultando tais
meios por razões que se prendam com a disrupção dos sistemas, é curial que
tenha de haver prévia informação. E prévia informação significa que haja
indicações nesse sentido antes de se contratar o serviço, como no caso.
É isso que a Lei-Quadro
de Defesa do Consumidor de 1996 estabelece no n.º 1 do seu artigo 8.º, a saber,
“O fornecedor de bens ou
prestador de serviços deve, tanto na fase de negociações como na fase de
celebração de um contrato, informar o consumidor de forma clara, objectiva e
adequada, a não ser que essa informação resulte de forma clara e evidente do
contexto, nomeadamente sobre:
a) As características
principais dos bens ou serviços, tendo em conta o suporte utilizado para o
efeito e considerando os bens ou serviços em causa;
b) A identidade do
fornecedor de bens ou prestador de serviços, nomeadamente o seu nome, firma ou
denominação social, endereço geográfico no qual está estabelecido e número de telefone;
c) Preço total dos bens
ou serviços, incluindo os montantes das taxas e impostos, os encargos
suplementares de transporte e as despesas de entrega e postais, quando for o
caso…, etc!
Por conseguinte, deveria
haver uma prevenção nesse particular, mediante a menção, à entrada, de uma tal
circunstância.
Mas em Portugal culto da
informação é algo que, em geral, inexiste. Desafortunadamente.
E seria indispensável que
entidades públicas e privadas metessem na cabeça que o dever de informação é
algo que lhes cabe em qualquer circunstância. Sob pena de responsabilidade, nos
termos do artigo12 da Lei-Quadro de Defesa do Consumidor.
VL
Augusto
José Lopes – Aveiras de Cima
Caro
Professor, tenho vindo a ser assediado por uma empresa que vende energia só
porque, sem perceber, os meus dados foram parar a uma agência qualquer, numa
altura em que fiz uma compra online na Worten.
Dizem
que dei o consentimento e que posso desistir do contacto por email, já o fiz
mais de meia dúzia de vezes… mas o sistema parece não aceitar ou estão a gozar
comigo. Esta situação é legal?
MF
O Regulamento Geral de
Protecção de Dados rege no seu artigo 6.º, sob a epígrafe “Licitude do
tratamento”:
“1. O tratamento só é lícito se e na medida em
que se verifique pelo menos uma das seguintes situações:
a) O titular dos dados
tiver dado o seu consentimento para o tratamento dos seus dados pessoais para
uma ou mais finalidades específicas;
b) O tratamento for
necessário para a execução de um contrato no qual o titular dos dados é parte,
ou para diligências pré-contratuais a pedido do titular dos dados;
c) O tratamento for
necessário para o cumprimento de uma obrigação jurídica a que o responsável pelo
tratamento esteja sujeito;
d) O tratamento for
necessário para a defesa de interesses vitais do titular dos dados ou de outra
pessoa singular;
e) O tratamento for
necessário ao exercício de funções de interesse público ou ao exercício da
autoridade pública de que está investido o responsável pelo tratamento;
f) O tratamento for
necessário para efeito dos interesses legítimos prosseguidos pelo responsável
pelo tratamento ou por terceiros, excepto se prevalecerem os interesses ou
direitos e liberdades fundamentais do titular que exijam a protecção dos dados
pessoais, em especial se o titular for uma criança.”
Porque não deu o seu
consentimento para o efeito, denuncie o caso à Comissão Nacional de Protecção
de Dados, sediada em Lisboa.
A moldura das sanções é a
que segue:
Lei
58/2019, de 08 de Agosto,
Artigo 37.º
Contra- ordenações muito
graves
1 - Constituem
contra-ordenações muito graves:
…
b) Os tratamentos de
dados pessoais que não tenham por base o consentimento ou outra condição de
legitimidade, nos termos do artigo 6.º do RGPD ou de norma nacional…
2 - As contra-ordenações
referidas no número anterior são punidas com coima:
b) De 2.000 (euro) a 2
000 000 (euro) ou 4 % do volume de negócios anual, a nível mundial, conforme o
que for mais elevado, tratando-se de PME;
…”
VL
Susana
Coelho – Torres Vedras
Olá
professor, não vou dizer o nome, mas tenho vindo a receber um jornal na minha
caixa do correio. Nunca encomendei nada, nem conhecia o jornal e moro na mesma
casa há mais de 15 anos. Já tentei com que não enviassem o jornal, porque não
tenho interesse, mas do outro lado dizem para aproveitar a oferta. O que é
facto é que tenho uma vizinha que passou pelo mesmo e tentaram fazer com que
ela pagasse uma assinatura. Como posso cancelar isto?
MF
Rege, em primeira linha,
o
Artigo 3.º da Lei 6/99:
Publicidade domiciliária
não endereçada
“É proibida a
distribuição directa no domicílio de publicidade não endereçada sempre que a
oposição do destinatário seja reconhecível no acto de entrega, nomeadamente
através da afixação, por forma visível, no local destinado à recepção de
correspondência, de dístico apropriado contendo mensagem clara e inequívoca
nesse sentido.”
Com as cominações seguintes,
ainda em escudos, cuja conversão se impõe e ainda ninguém o fez:
Artigo 8.º
Sanções
1 - Constitui
contra-ordenação, punível com coima de 200 000$00 a 500 000$00 ou de 400 000$00
a 6 000 000$00, consoante se trate, respectivamente, de pessoas singulares ou
de pessoas colectivas, a infracção ao disposto nos artigos 2.º, 3.º, 4.º e 5.º,
n.ºs 1, 3 e 4.
2 - Podem ainda ser
aplicadas as sanções acessórias previstas no artigo 35.º do Código da
Publicidade.
3 - A negligência é sempre punível, nos termos gerais.
4 - É aplicável, com as necessárias adaptações, o
disposto no artigo 36.º do Código da Publicidade.”
E que escapou, ao que
parece, ao Regime Jurídico das Contra-Ordenações Económicas. Aprovado pelo DL
09/2021, de 29 de Janeiro.
Além do mais, eis-nos
perante uma prática negocial agressiva passível de coima:
Lei das Práticas
Comerciais Desleais
Artigo 12.º
Práticas comerciais
consideradas agressivas em qualquer circunstância
São consideradas
agressivas, em qualquer circunstância, as seguintes práticas comerciais:
f) Exigir o pagamento
imediato ou diferido de bens e serviços ou a devolução ou a guarda de bens
fornecidos pelo profissional que o consumidor não tenha solicitado.
A violação deste preceito
importa contra-ordenação económica grave.
Tratando-se de
micro-empresa, a coima variará de 1700 a 3 000 €.