terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

RÁDIO VALOR LOCAL DIRE©TO AO CONSUMO


 “INFORMAR PARA PREVENIR”

“PREVENIR PARA NÃO REMEDIAR”

programa de

11 de Fevereiro de 2025

I

A MOEDA COM CURSO LEGAL

&

OS CASOS DA VIDA

 

I

INTRÓITO

A OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA

VL

Ainda a propósito do caso de um consumidor de Coimbra que se viu a braços com um termo-acumulador que teve um breve ciclo de vida – 4 anos -  e que a empresa Leroy Merlin se recusa a reparar, o Prof. vem insistindo em algo que a generalidade ignora: a obsolescência precoce e a obsolescência programada.

A lei portuguesa proíbe a obsolescência programada?

E as leis estrangeiras?

MF

“A obsolescência prematura é, na sua essência, a pré-determinação deliberada do ciclo de vida de um produto. Como se, ao nascer, se inscrevesse, na sua matriz, a concreta data da sua morte por antecipação do seu ciclo normal de vida. Como se o produto, no momento do seu lançamento no mercado, se fizesse acompanhar já de uma certidão com uma data de óbito próxima… numa antecipação de uma vida bem mais longa, não fora a artimanha.” Para levar naturalmente a que as pessoas comprem outro, novo, quiçá também com um breve período de vida se aferida pela sua natural funcionalidade.

Não se esqueça que, segundo o Gabinete Europeu do Ambiente, na esfera da Comissão Europeia, um smartphone tem como período real de vida dentre 25 e 232 anos. Porém, não dura mais de 3 anos para que as pessoas se afadiguem em comprar outro porque o tornam deliberadamente obsoleto, fora de circuito, fora de mercado…

Só em 2015 pela Resolução 70/186, votada a 22 de Dezembro, a Assembleia Geral das Nações Unidas deu o devido relevo ao consumo sustentável, enunciando princípios e estabelecendo directrizes.

Nela se define consumo sustentável como “a satisfação das necessidades de bens e serviços das gerações presentes e futuras de tal modo que sejam sustentáveis do ponto de vista económico, social e ambiental.”

E estabelece um princípio básico de responsabilidade: “compartem-na todos os membros e organizações da sociedade”.

Nela se diz que “os consumidores informados, os Estados Membros, as empresas, os sindicatos e as organizações ambientais e de consumidores desempenham um papel relativamente importante nesse particular”.

O que se pretende prevenir é a obsolescência precoce ou a obsolescência programada.

A Lei-Quadro de Defesa do Consumidor vigente estabelece, de modo congruente com o que se vem proclamando em tema de sustentabilidade, que

“É vedada ao fornecedor de bens ou ao prestador de serviços a adopção de quaisquer técnicas que visem reduzir deliberadamente a duração de vida útil de um bem de consumo a fim de estimular ou aumentar a substituição de bens ou a renovação da prestação de serviços que inclua um bem de consumo.” (Lei 24/96: n.º 7 do art.º 9.º).

E, socorrendo-nos do tipo legal de crimes sobre fraude sobre mercadorias, é adequado enquadrar tais práticas ma moldura que segue:

“Quem, com intenção de enganar outrem nas relações negociais, fabricar, transformar, introduzir em livre prática, importar, exportar, reexportar, colocar sob um regime suspensivo, tiver em depósito ou em exposição para venda, vender ou puser em circulação por qualquer outro modo mercadorias: …

b) De natureza diferente ou de qualidade e quantidade inferiores às que afirmar possuírem ou aparentarem, será punido com prisão até 1 ano e multa até 100 dias, salvo se o facto estiver previsto em tipo legal de crime que comine pena mais grave.” (DL 28/84: n.º 1 do art.º 23).

Em França, porém, o Código do Consumo (code de la consommation) prescreve no seu artigo L 441-2:

“É proibida a prática da obsolescência programada, definida pela utilização de técnicas, incluindo software, através das quais o responsável pela colocação de um produto no mercado visa reduzir deliberadamente o seu tempo de vida.”

As penas para os infractores são, com efeito, muito severas, mãos que as que se cominam em Portugal: prisão até dois anos e multa de € 300 000.

A multa pode ser aumentada até 5% do volume de negócios anual da empresa, dependendo dos lucros que de uma tal prática fraudulenta advenham.

Teremos, pois, de olhar com olhos de ver uma tal prática porque a obsolescência programada representa um enorme gravame para a sociedade.

Porque ao dar-se menos vida às coisas, dá-se, como vimos sustentando, menos vida à vida!

 

II

OS CASOS CONTADOS PELOS OUVINTES

VL

Dado que, por falta de tempo, no último programa a resposta à última das questões foi muito telegráfica, de novo tornamos à que o ouvinte

Rodrigo Silva nos enviou:

“Comprei há dias para a minha empresa um hotspot da Galp, daqueles que levam uma botija. Os meus funcionários agradeceram. Contudo, na loja, disseram que a garantia seria apenas de 6 meses, porque o NIF era de uma empresa, pergunto por isso:

Estes seis meses não se aplicam apenas a electrodomésticos?”

 MF

Este estrangeirismo quer significar muitas coisas.

No caso, é de um aparelho de aquecimento a gás que se trata.

Com efeito, tratando-se de um contrato mercantil ou comercial, ou seja, entre empresas, rege subsidiariamente o Código Civil, que reza assim no seu

Artigo 921.º

(Garantia de bom funcionamento)

1. Se o vendedor estiver obrigado, por convenção das partes ou por força dos usos, a garantir o bom funcionamento da coisa vendida, cabe-lhe repará-la, ou substituí-la quando a substituição for necessária e a coisa tiver natureza fungível, independentemente de culpa sua ou de erro do comprador.

2. No silêncio do contrato, o prazo da garantia expira seis meses após a entrega da coisa, se os usos não estabelecerem prazo maior.

3. O defeito de funcionamento deve ser denunciado ao vendedor dentro do prazo da garantia e, salvo estipulação em contrário, até trinta dias depois de conhecido.

4. A acção caduca logo que finde o tempo para a denúncia sem o comprador a ter feito, ou passados seis meses sobre a data em que a denúncia foi efectuada.”

Já o artigo 916 do Código Civil estabelece do mesmo passo:

Artigo 916.º

(Denúncia do defeito)

“1. O comprador deve denunciar ao vendedor o vício ou a falta de qualidade da coisa, excepto se este houver usado de dolo.

2. A denúncia será feita até trinta dias depois de conhecido o defeito e dentro de seis meses após a entrega da coisa.

3 - Os prazos referidos no número anterior são, respectivamente, de um e de cinco anos, caso a coisa vendida seja um imóvel.”

Se se tratar de um consumidor, pessoa singular, já a garantia será de 3 anos, conforme a Lei da Compra e Venda de Consumo.

É o artigo  12 da Lei da respectiva Lei que o diz, sob a epígrafe:

“Responsabilidade do profissional em caso de falta de conformidade”

“1 — O profissional é responsável por qualquer falta de conformidade que se manifeste no prazo de três anos a contar da entrega do bem.

2 — Sem prejuízo do disposto nos n.os 1 a 3 do artigo 8.º, no caso de bens com elementos digitais, o profissional é responsável por qualquer falta de conformidade que ocorra ou se manifeste:

a) No prazo de três anos a contar da data em que os bens com elementos digitais foram entregues, quando o contrato estipule um único ato de fornecimento do conteúdo ou serviço digital ou quando o contrato estipule o fornecimento contínuo do conteúdo ou serviço digital durante um período até três anos; ou

b) Durante o período do contrato, quando este estipule o fornecimento contínuo do conteúdo ou serviço digital durante um período superior a três anos.

3 — Nos contratos de compra e venda de bens móveis usados e por acordo entre as partes, o prazo de três anos previsto no n.º 1 pode ser reduzido a 18 meses, salvo se o bem for anunciado como um bem recondicionado, sendo obrigatória a menção dessa qualidade na respectiva factura, caso em que é aplicável o prazo previsto nos números anteriores.

4 — O prazo referido no n.º 1 suspende -se desde o momento da comunicação da falta de conformidade até à reposição da conformidade pelo profissional, devendo o consumidor, para o efeito, colocar os bens à disposição do profissional sem demora injustificada.

5 — A comunicação da falta de conformidade pelo consumidor deve ser efectuada, designadamente, por carta, correio electrónico, ou por qualquer outro meio susceptível de prova, nos termos gerais.”

Tem, pois, razão o comerciante. O que é, no fundo, uma patente aberração.

Mas as contradições do sistema são às mãos cheias, entre nós. E como ninguém força a mão ao legislador as injustiças perduram…

VL

Rosalinda Jesus – Salvaterra de Magos

Fui há dias com a família a um restaurante em Lisboa. No Parque das Nações. O atendimento foi 5 estrelas, mas na hora de pagar obrigaram-me a levantar dinheiro, porque o multibanco estava avariado. Chovia torrencialmente e tive de ir ao multibanco mais próximo no centro comercial vasco da gama, o que demorou mais de um quarto de hora com a família à espera. A questão é: Não devia haver uma informação ao cliente à porta? Ou o empregado de mesa não deveria informar?

 MF

O que diz a lei a tal propósito?

A moeda com curso legal é o euro, ou seja, as notas em papel e as moedas metálicas que o Banco Central manda cunhar.

Donde, em princípio, as pessoas deverem estar habilitadas a fazer os pagamentos em dinheiro com curso legal.

No entanto, como se generalizou o pagamento através de cartões de débito e de crédito, sempre que essa modalidade convenha a ambos os contraentes poderá ser adoptada.

E as pessoas contam que tal alternativa exista sempre que tenham de efectuar pagamentos nas transacções correntes.

Não se facultando tais meios por razões que se prendam com a disrupção dos sistemas, é curial que tenha de haver prévia informação. E prévia informação significa que haja indicações nesse sentido antes de se contratar o serviço, como no caso.

É isso que a Lei-Quadro de Defesa do Consumidor de 1996 estabelece no n.º 1 do seu artigo 8.º, a saber,

“O fornecedor de bens ou prestador de serviços deve, tanto na fase de negociações como na fase de celebração de um contrato, informar o consumidor de forma clara, objectiva e adequada, a não ser que essa informação resulte de forma clara e evidente do contexto, nomeadamente sobre:

a) As características principais dos bens ou serviços, tendo em conta o suporte utilizado para o efeito e considerando os bens ou serviços em causa;

b) A identidade do fornecedor de bens ou prestador de serviços, nomeadamente o seu nome, firma ou denominação social, endereço geográfico no qual está estabelecido e número de telefone;

c) Preço total dos bens ou serviços, incluindo os montantes das taxas e impostos, os encargos suplementares de transporte e as despesas de entrega e postais, quando for o caso…, etc!

Por conseguinte, deveria haver uma prevenção nesse particular, mediante a menção, à entrada, de uma tal circunstância.

Mas em Portugal culto da informação é algo que, em geral, inexiste. Desafortunadamente.

E seria indispensável que entidades públicas e privadas metessem na cabeça que o dever de informação é algo que lhes cabe em qualquer circunstância. Sob pena de responsabilidade, nos termos do artigo12 da Lei-Quadro de Defesa do Consumidor.

VL

Augusto José Lopes – Aveiras de Cima

Caro Professor, tenho vindo a ser assediado por uma empresa que vende energia só porque, sem perceber, os meus dados foram parar a uma agência qualquer, numa altura em que fiz uma compra online na Worten.

Dizem que dei o consentimento e que posso desistir do contacto por email, já o fiz mais de meia dúzia de vezes… mas o sistema parece não aceitar ou estão a gozar comigo. Esta situação é legal?

 MF

O Regulamento Geral de Protecção de Dados rege no seu artigo 6.º, sob a epígrafe “Licitude do tratamento”:

“1.   O tratamento só é lícito se e na medida em que se verifique pelo menos uma das seguintes situações:

a) O titular dos dados tiver dado o seu consentimento para o tratamento dos seus dados pessoais para uma ou mais finalidades específicas;

b) O tratamento for necessário para a execução de um contrato no qual o titular dos dados é parte, ou para diligências pré-contratuais a pedido do titular dos dados;

c) O tratamento for necessário para o cumprimento de uma obrigação jurídica a que o responsável pelo tratamento esteja sujeito;

d) O tratamento for necessário para a defesa de interesses vitais do titular dos dados ou de outra pessoa singular;

e) O tratamento for necessário ao exercício de funções de interesse público ou ao exercício da autoridade pública de que está investido o responsável pelo tratamento;

f) O tratamento for necessário para efeito dos interesses legítimos prosseguidos pelo responsável pelo tratamento ou por terceiros, excepto se prevalecerem os interesses ou direitos e liberdades fundamentais do titular que exijam a protecção dos dados pessoais, em especial se o titular for uma criança.”

Porque não deu o seu consentimento para o efeito, denuncie o caso à Comissão Nacional de Protecção de Dados, sediada em Lisboa.

A moldura das sanções é a que segue:

Lei 58/2019, de 08 de Agosto,

Artigo 37.º

Contra- ordenações muito graves

1 - Constituem contra-ordenações muito graves:

b) Os tratamentos de dados pessoais que não tenham por base o consentimento ou outra condição de legitimidade, nos termos do artigo 6.º do RGPD ou de norma nacional…

2 - As contra-ordenações referidas no número anterior são punidas com coima:

b) De 2.000 (euro) a 2 000 000 (euro) ou 4 % do volume de negócios anual, a nível mundial, conforme o que for mais elevado, tratando-se de PME;

…”

 VL

Susana Coelho – Torres Vedras

Olá professor, não vou dizer o nome, mas tenho vindo a receber um jornal na minha caixa do correio. Nunca encomendei nada, nem conhecia o jornal e moro na mesma casa há mais de 15 anos. Já tentei com que não enviassem o jornal, porque não tenho interesse, mas do outro lado dizem para aproveitar a oferta. O que é facto é que tenho uma vizinha que passou pelo mesmo e tentaram fazer com que ela pagasse uma assinatura. Como posso cancelar isto?

 MF

Rege, em primeira linha, o

Artigo 3.º da Lei 6/99:

Publicidade domiciliária não endereçada

“É proibida a distribuição directa no domicílio de publicidade não endereçada sempre que a oposição do destinatário seja reconhecível no acto de entrega, nomeadamente através da afixação, por forma visível, no local destinado à recepção de correspondência, de dístico apropriado contendo mensagem clara e inequívoca nesse sentido.”

 Com as cominações seguintes, ainda em escudos, cuja conversão se impõe e ainda ninguém o fez:

Artigo 8.º

Sanções

1 - Constitui contra-ordenação, punível com coima de 200 000$00 a 500 000$00 ou de 400 000$00 a 6 000 000$00, consoante se trate, respectivamente, de pessoas singulares ou de pessoas colectivas, a infracção ao disposto nos artigos 2.º, 3.º, 4.º e 5.º, n.ºs 1, 3 e 4.

2 - Podem ainda ser aplicadas as sanções acessórias previstas no artigo 35.º do Código da Publicidade.

3 - A negligência é sempre punível, nos termos gerais.

4 - É aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 36.º do Código da Publicidade.”

E que escapou, ao que parece, ao Regime Jurídico das Contra-Ordenações Económicas. Aprovado pelo DL 09/2021, de 29 de Janeiro.

Além do mais, eis-nos perante uma prática negocial agressiva passível de coima:

Lei das Práticas Comerciais Desleais

Artigo 12.º

Práticas comerciais consideradas agressivas em qualquer circunstância

São consideradas agressivas, em qualquer circunstância, as seguintes práticas comerciais:

f) Exigir o pagamento imediato ou diferido de bens e serviços ou a devolução ou a guarda de bens fornecidos pelo profissional que o consumidor não tenha solicitado.

A violação deste preceito importa contra-ordenação económica grave.

Tratando-se de micro-empresa, a coima variará de 1700 a 3 000 €.

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