De
um consulente:
“Tempo houve em que
a garantia dos imóveis era – estranhamente! - de seis meses, como o definiu
uniformemente o Supremo Tribunal de Justiça.
Uma lei de 1994 veio
a conferir aos imóveis uma garantia de 5 anos. Confirmada, de resto, pela Lei
de Defesa do Consumidor de 1996. E, mais tarde, pela Lei das Garantias dos Bens
de Consumo de 2003.
No projecto da lei
que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2022, a garantia não se alterou.
Lembro-me de ter
lido críticas suas ao equiparar um “corta-unhas rombo com 4 reparações”, cuja
garantia perfaria 5 anos, a um imóvel com idêntico prazo de garantia.
Posto isto, a
pergunta: como ficou em definitivo a
garantia dos imóveis na Lei que saiu em Outubro de 2021 para vigorar a partir
de 2022? Há alguma vantagem para os consumidores?”
Posta a questão, eis
o que se nos oferece:
1.
Com efeito, se bem que o Supremo
Tribunal de Justiça, com votos de vencido de ilustres Conselheiros, haja
estabelecido – em definitivo – um entendimento de que a garantia dos imóveis,
na compra e venda, teria a duração de seis meses, o facto é que o Código Civil
de 1966 estabelecia, nos contratos de empreitada, para imóveis de longa duração
uma garantia mais confortável, como segue:
“1.
…, se a empreitada tiver por objecto a construção, modificação ou reparação de
edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração e, no decurso de cinco anos a contar da
entrega, ou no decurso do prazo de garantia convencionado, a obra, por
vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, ruir total ou
parcialmente, ou apresentar defeitos graves ou perigo de ruína, o empreiteiro é
responsável pelo prejuízo para com o dono da obra.”
2.
A Lei Nova da Garantia dos Bens de Consumo de 18 de Outubro de 2021
estabelece a esse propósito o que segue:
“1 — O profissional responde
perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista quando o bem
imóvel lhe é entregue e se manifeste no prazo de:
a) 10
anos, em relação a faltas de conformidade relativas a elementos construtivos
estruturais;
b) Cinco
anos, em relação às restantes faltas de conformidade.
…
5 — Para efeitos do disposto
no n.º 1, o Governo pode aprovar, por portaria, uma lista exemplificativa dos elementos
construtivos estruturais dos bens imóveis.”
3.
Esta aparente inovação representa um
recuo perante os vícios ocultos dos elementos construtivos estruturais, que
dariam um período bem mais confortável sempre que se revelasse, sempre que
viessem à tona tais vícios, e nada acrescenta aos 5 anos para as mais
desconformidades não estruturais, razão por que se entende que o consumidor
fica, com efeito, a perder com esta “prodigalidade” do legislador.
4.
Elementos
construtivos estruturais são, consoante os manuais, as partes resistentes fundamentais da construção
que suportam os esforços a que a edificação está sujeita, funcionando em
conjunto e sendo objecto de projecto específico: são elementos que comprometem a estabilidade da construção e, por vezes, não estão
visíveis nem acessíveis: as pás, os
pilares, as sapatas, a laje, a madre.
5.
Elementos construtivos não estruturais são as partes não resistentes da construção que são
suportadas pelos elementos estruturais, com
funcionalidades diferenciadas, sendo geralmente
definidas no projecto de arquitectura: elementos que não comprometem a
estabilidade da construção, sendo normalmente visíveis ou de acessibilidade
fácil.
6.
Estes conceitos não dizem quase nada e dizem tudo,
afinal.
7.
Uma garantia de 10 anos, sem mais, como
o propusémos, permitia acudir a coisas que com cinco anos escapam a quem
investe as economias de uma vida, em geral, para comprar uma casa ou paga à
banca durante 30 ou 50 anos cinco ou seis casas e só vê uma, na realidade,
incluída no seu património.
8.
Problema diferente e em que convém
atentar é que, quantas vezes, quando consumidor invoca a garantia, já não há
empresa de construção civil, já não há promotor imobiliário, nem sombra deles:
razão por que importaria revir sobre um Projecto de Lei, apresentado na
anterior legislatura, da autoria da então deputada
Fátima Ramos, acerca da constituição de um Fundo de Garantia da Habitação
(ou da Construção).
EM
CONCLUSÃO:
a.
A garantia dos imóveis biparte-se em:
10 anos para os elementos construtivos estruturais; 5 anos para os não
estruturais.
b.
O consumidor, com a ilusão dos 10
anos, em vez de ganhar, perdeu com esta “manobra de diversão” do Governo.
c.
Porque as garantias se traduzem, em
geral, em algo de efémero por se eximirem os construtores e os promotores às
suas responsabilidades, curial seria se encarasse a constituição de um Fundo susceptível
de responder pela garantia em caso de não conformidade das edificações com o modelo-padrão.
Mário Frota
Presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal