(consultório que deveria ter sido publicado hoje, 30 de Setembro de 2022, no diário 'As Beiras', editado em Coimbra, mas que por razões que nos escapam, naturalmente de falta de espaço, o não foi)
30
de Setembro de 22
REDUFLAÇÃO: é só um mero “palavrão” ou algo de descomunal que com um requintado
“primor” afecta, no essencial, os direitos do consumidor?
“Perante a redução da quantidade e, quiçá, da qualidade dos alimentos processados,
fenómeno a que se dá o nome de reduflação
[que resulta da aglutinação de duas palavras: 'reduzir' e '(in) flação'], parece que as pessoas
são unânimes em considerar que não há, no facto, qualquer ilícito.
Uma dada margarina
apresentava-se numa embalagem com 500 gr: a marca reduziu a quantidade de
produto, primeiro para 450 e, depois, para 400 gr., mas manteve a embalagem com
as mesmas características e a aparência de antanho. E o preço disparou de 3
para 5,54€.
Na base da embalagem, de forma dissimulada, rotulagem com a quantidade
actual.
Pergunta-se: não há, com efeito, qualquer ilícito só porque a quantidade
alterada consta da rotulagem?”
Cumpre apreciar:
1.
Se não houver inteira conformidade
entre o produto e os dizeres da rotulagem, a moldura típica em que se enquadra
a factualidade subjacente é a da “fraude
sobre mercadorias” que o n.º 1 do artigo 23 da Lei Penal do Consumo de 20
de Janeiro de 1984 contempla:
“Quem,
com intenção de enganar outrem nas
relações negociais, fabricar, transformar, introduzir em livre prática,
importar, exportar, reexportar, colocar sob um regime suspensivo, tiver em
depósito ou em exposição para venda, vender
ou puser em circulação por qualquer outro modo mercadorias:
a)
Contrafeitas ou mercadorias pirata, falsificadas ou depreciadas, fazendo-as
passar por autênticas, não alteradas ou intactas;
b)
De natureza diferente ou de qualidade e quantidade inferiores às que afirmar possuírem ou aparentarem,
será
punido com prisão até 1 ano e multa até 100 dias, salvo se o facto estiver
previsto em tipo legal de crime que comine pena mais grave.”
2.
Aliás, ainda que haja, após a redução do produto, conformidade
entre a quantidade alterada e o constante da rotulagem, é possível entrever a
aplicação de um tal dispositivo porque, sem alteração da embalagem e dos mais
elementos, a aparência é a do produto
original, com 500 gr., que não a de 400 gr. em que por fim se ‘converteu’,
com a manutenção do preço original ou o que é mais, na circunstância, com a sua
quase duplicação [de 3 € para 5,54 €].
3.
Se a factualidade, porém, não assentar no quadro do crime
de fraude sobre mercadorias, há que excogitar se não cabe no
enquadramento dos ilícitos de mera
ordenação social (nas contra-ordenações económicas), tal como o configura a
Lei das Práticas Comerciais Desleais de
26 de Março de 2008, no seu artigo 7.º, sob a epígrafe “acções enganosas”:
“é
enganosa [uma qualquer] prática comercial que contenha informações falsas ou
que, mesmo
sendo factualmente correctas, por qualquer razão, nomeadamente a sua apresentação
geral, induza ou seja susceptível de induzir em erro o consumidor em
relação a um ou mais dos elementos… e que, em ambos os casos, conduz ou é
susceptível de conduzir o consumidor a tomar uma decisão de transacção que de
outro modo não tomaria:
§ As
características principais do bem ou serviço, tais como a sua disponibilidade,
as suas vantagens, os riscos que apresenta, a sua execução, a sua
composição…”
4.
As omissões enganosas também colhem
para efeitos de modelação das práticas comerciais desleais, tal como as recorta
a lei, no seu artigo 9.º:
“Tendo
em conta todas as suas características e circunstâncias e as limitações do meio
de comunicação, é enganosa, e portanto conduz ou é susceptível de conduzir o
consumidor a tomar uma decisão de transacção que não teria tomado de outro
modo, a prática comercial:
§ Que
omite uma informação com requisitos substanciais para uma decisão negocial
esclarecida do consumidor;
§ Em
que o profissional oculte ou apresente de modo pouco claro, ininteligível ou
tardio a informação do antecedente referida;
§ Em que o profissional não refere a intenção
comercial da prática, se tal não se puder depreender do contexto.
5.
A apresentação das embalagens [da
imagem física da embalagem] ilude os consumidores porque é em tudo igual à
anterior: há que precaver os consumidores contra eventuais “ilusões de óptica”,
independentemente da conformidade do produto [composição, qualidade e
quantidade…] com a rotulagem.
5.1.A aparência é
também elemento decisivo na modelação da fraude… e na decisão negocial que o
consumidor vier a tomar.
5.2.A
transparência é, por tal modo, preterida, afastada, comprometida…
EM
CONCLUSÃO
a.
A reduflação [o ‘emagrecimento’ do produto e a manutenção ou a subida
do preço] é susceptível de configurar um crime
contra a economia se as características da embalagem, por exemplo, forem
iguais às da precedentemente usada e a que o consumidor se habituara, e é passível
de prisão e multa. [DL 28/84: alínea i) do
n.º 1 do artigo 23]
b.
Ou é susceptível de configurar, no
limite, prática enganosa passível de
coima e sanção acessória.[DL 57/2008: alínea b) do n.º 1 do art.º 7.º ].
Tal é, salvo melhor juízo, a nossa opinião.
Mário Frota