(Preparado
para as “As Beiras” - edição de 10 de Dezembro de 2021 - mas que naturalmente
por razões de espaço não veio hoje a lume)
"Mens
sana in corpore sano" | proclamava Juvenal | mal antevendo o romano |
mísero "quadro" em Portugal
“Há ou não
franco desrespeito pela lei quando o Estado consente à “tripa forra”
publicidade à cerveja, ao vinho de mesa, a bebidas licorosas e a aguardentes
durante as competições desportivas, em geral, e quando nelas se envolvem
menores com as tarjas envolventes dos estádios pejadas de mensagens sugestivas
tendentes ao consumo de tais bebidas? E ainda quando nos “púlpitos dos
treinadores”, antes e após os jogos, se divisa, qual moldura de circunstância,
uma enorme quantidade de garrafas?”
Cumpre ponderar:
1. Com
efeito, o que se observa é algo de inimaginável e atinge as raias do
insuportável.
2. As
televisões passam à exaustão programas em que o tema central é o das bebidas
alcoólicas…
3. As
competições desportivas são palco privilegiado de um tal fenómeno.
4. Os
apresentadores não se coíbem de exaltar o álcool como algo de inerente aos usos
sociais, de fazer questão em brindar com os produtores e outros circunstantes,
de se exporem como principais veículos de espécies e marcas, em qualquer programa,
a qualquer hora, sem qualquer rebuço (em particular nos programas dos fins de
semana em que deambulam pelo País a consagração do álcool é de regra: as
televisões passam a qualquer hora, em espectáculos desportivos, a publicidade a
cervejas, a vinhos, a bebidas espirituosas).
5. No
“púlpito dos treinadores”, a “colocação do produto” é ostensiva (“et pour
cause”), como se não prescindissem provocatoriamente desse “elemento
decorativo”…
6. Canais há
que em jogos de infantis e juvenis passam, com efeito, a escâncaras,
publicidade a cervejas nos estádios e, por extensão, no pequeno ecrã, quando de
partidas transmitidas em directo a qualquer hora do dia...
7. As
cervejeiras patrocinam, como se não ignora, festividades escolares: encharcam
os cortejos de estudantes com o abominável espectáculo a que continuamente se
assiste…
8. E, no
entanto, o Código da Publicidade (em vigor?) estabelece inequivocamente, a
propósito das restrições ao objecto da publicidade, o que segue:
§ É proibida a publicidade (a
promoção, o patrocínio) a bebidas alcoólicas, na televisão e na rádio, entre as
7 horas e as 22 horas e 30 minutos.
§ É proibido associar a publicidade
de bebidas alcoólicas aos símbolos nacionais (!!!).
§ A publicidade a bebidas alcoólicas,
seja qual for o suporte empregue para a sua difusão, só é lícita quando:
o Não se
dirija especificamente a menores e, em particular, não os apresente a consumir
tais bebidas;
o Não
encoraje consumos excessivos;
o Não
menospreze os não consumidores;
o Não sugira
sucesso, êxito social ou especiais aptidões por efeito do consumo; Não sugira a
existência, nas bebidas alcoólicas, de propriedades terapêuticas ou de efeitos
estimulantes ou sedativos;
o Não
associe o consumo dessas bebidas ao exercício físico ou à condução de veículos;
§ As comunicações comerciais e a
publicidade de quaisquer eventos em que participem menores (com idade inferior
a 18 anos), designadamente actividades desportivas, culturais, recreativas ou
outras, não devem exibir ou fazer qualquer menção, implícita ou explícita, a
marca ou marcas de bebidas alcoólicas.
§ Nos locais onde decorram os eventos
em que participem menores não podem ser exibidas ou de alguma forma
publicitadas marcas de bebidas alcoólicas.
9. O que
sucede, com inusitada frequência, é que um tal dispositivo do Código da
Publicidade é ostensivamente ignorado, sobretudo pelas televisões.
10. As
sucessivas denúncias esbarram nas elásticas interpretações da ERC – Entidade
Reguladora para a Comunicação Social. Que, do alto da sua intocável autoridade,
treslê autenticamente a lei…
11. E se a
ERC é competente para acções em que avulte o patrocínio de programas por
marcas, já a Direcção-Geral do Consumidor detém a competência para a
publicidade ilícita, em geral.
EM
CONCLUSÃO:
a. O Código
da Publicidade restringe publicidade e patrocínio a bebidas alcoólicas, tanto
formal como substancialmente.
b. A
sistemática violação da lei, materializada nos quadros revelados, reclamaria
pronta intervenção das entidades a que incumbe prevenir como reprimir tais
práticas.
c. Uma
política de saúde pública exigiria uma séria reflexão a tal propósito e acções
pragmáticas tendentes a coibir o degradante espectáculo a que se assiste.
Mário Frota
Presidente
emérito da apDC _ DIREITO DO CONSUMO - Portugal