A garantia das
coisas móveis duráveis está em vias de se reforçar no âmbito do direito
português: passa de dois para três anos.
E no que toca a recondicionados, a garantia será também
de três
anos.
Já no que se
prende com os usados (sem os artificialismos empregues no Brasil com a estafada
fórmula dos “semi-novos”…), a garantia estabelece-se de análogo modo nos três
anos, mas confere-se às partes a prerrogativa de a negociarem, em
função naturalmente do estado de conservação e de funcionamento da coisa, não
podendo, porém, baixarem-na dos 18 meses.
No
mínimo, pois, a garantia
dos usados, por acordo, será de 18 meses.
Como inovação,
porém, a norma segundo a qual por cada uma das reparações nas coisas
móveis duradouras acresce uma garantia
de seis meses.
Todavia, o que
tange aos imóveis, a garantia é deixada intocada pelo projecto
de diploma em discussão.
O que quer significar que a garantia se fixa
em cinco anos. E nem sequer há
extensão, à semelhança dos móveis, por cada uma das intervenções…
Um “corta-unhas”, por exemplo, se acaso
tiver quatro intervenções em razão
das suas desconformidades, fica com uma robusta garantia
de 5 anos… Mais robusta que a própria coisa!
Um imóvel para a
vida, um imóvel de longa duração não tem mais que os 5 anos de garantia… à
semelhança, aliás, da garantia de um
“corta-unhas” rombo que haja sido submetido a
quatro intervenções pelas
deficiências que apresenta!
O comum dos
mortais, como o disse noutro escrito,
paga 5 casas à banca, se tiver obtido um crédito hipotecário e, no fim,
só fica com uma, para tanto desfrutando de uma garantia miserável como se a
coisa fosse descartável, de papelão ou contraplacado! …
Ou andou a poupar,
com um inaudito sacrifício, durante toda a vida, para poder pagar a casa a a
pronto… e nisso derreteu todas as suas esforçadas economias… mas sem a
segurança de a ter íntegra e sólida, que a garantia é rala e não protege
minimamente! Isto se, entretanto, após uma levada de construções o construtor
civil não se der à insolvência, frustrando desde logo a simples actuação da
garantia por menor que seja a infiltração de humidade registada logo no quarto
em que dorme a criança…
Em Portugal, o Supremo
Tribunal de Justiça – cai não tentes… - mostrou-se pusilânime na aplicação das
regras cabíveis no que se prende com a
garantia dos imóveis de longa duração:
. ou os seis meses
das coisas defeituosas, em que o Código Civil não distinguia emtre coidas
móveis e imóveis;
. os ou cinco anos
aplicáveis aos imóveis no regime da empreitada civil.
Ou caía no artigo
916 do Código Civil, antes da modificação operada em 1994, ou deixava-se
acolher pelo artigo 1225 com que tal acervo brindava o dono da obra nas empreitadas.
Ora, o artigo 916,
ao tempo, rezava (uma “reza” com dúbias convicções para quem ousasse aplicar o
preceito a imóveis de longa duração):
(Denúncia do defeito)
1. O comprador
deve denunciar ao vendedor o vício ou a falta de qualidade da coisa, excepto se
este houver usado de dolo.
2. A denúncia será feita até trinta dias depois de conhecido o defeito e dentro
de seis
meses após a entrega da coisa.
Já o artigo 1225
com a rudeza de quem mete as mãos na “massa, rugia:
“se a empreitada
tiver por objecto a construção … de edifícios ou outros imóveis destinados por
sua natureza a longa duração e, no decurso de cinco anos a contar da
entrega…, a obra, por vício do solo ou da construção … ou por erros na
execução dos trabalhos, ruir total ou parcialmente, ou apresentar defeitos, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo
causado ao dono da obra ou a terceiro adquirente.”
O Supremo Tribunal
de Justiça, chamado a pronunciar-se, em dada altura, acerca da orientação que
haveria que perfilhar doravante perante decisões divergentes por si mesmo
vertidas em concretas espécies de facto submetidas a julgamento, veio por
acórdão de 10 de Dezembro de 1996 (já depois da mudança operada por lei)
propender peremptoriamente a considerar que a garantia, nestes casos, já que
onde a lei não distingue (móveis /imóveis…) não deve o intérprete fazê-lo, era
de seis meses tanto para móveis como para imóveis...
Choveram
impropérios a propósito de uma tal tese que, na altura, o menos que cognominada
fora, foi de “conservadora”.
O articulista
Francisco Teixeira da Mota dizia no “Público” – jornal de grande difusão
editado em Lisboa e no Porto -, no 1.º de Fevereiro de 97, a tal propósito:
“Com um período de
seis meses…, muitas vezes, quando se dava pelas infiltrações de humidade com as
chuvadas de inverno, já não era possível reclamar!”
Os Conselheiros
que votaram o acórdão de uniformização de jurisprudência teriam parado no
tempo. Outros rebelaram-se fragorosamente, citando o jusfilósofo Cabral de
Moncada: o saudoso Cardona Ferreira, com quem privámos amiúde nas andanças do
“arrendamento urbano” e Sousa Inês, para além dum Lopes Pinto.
De há muito que
propugnamos pela garantia decenal (10 anos)… no mínimo)!
Helena Roseta, ao
tempo bastonária da Ordem dos Arquitectos, dissera algures, numa reunião
científica, que uma estrutura imobiliária que não durasse, ao menos 50 anos,
não seria estrutura, não seria nada!
Cinco (5) anos de
garantia para um imóvel é nada!
O Estado, que
legislou em proveito próprio, no Código
dos Contratos Públicos, de início seguiu a moda dos 5 anos, que a Lei de
Defesa do Consumidor também consagrara pelo corte de 10 do anteprojecto para os
5 do projecto que se aprovara em 1996, mas de imediato grafou uma outra regra com uma garantia mais ampla, mais extensa que
reza assim (Código: n.º 2 do artigo 397):
“O prazo de
garantia varia de acordo com o defeito da obra, nos seguintes termos:
a) 10 anos, no
caso de defeitos relativos a elementos construtivos estruturais;
b) 5 anos, no caso
de defeitos relativos a elementos construtivos não estruturais ou a instalações
técnicas;
c) 2 anos, no caso
de defeitos relativos a equipamentos afectos à obra, mas dela autonomizáveis.”
Parece que toda a
gente ignora estas profundas assimetrias no âmbito do direito, em Portugal.
Por nós, com
excepção do que se encerra na alínea c), os 10 anos têm de cobrir tudo…
Daí que há semanas
tivéssemos ousado dirigir-nos aos políticos que se acantonam nos diferentes
quadrantes da vida pública, em Portugal, com uma exortação do teor seguinte:
“Senhores
Ministros, secretários de Estado, deputados da Nação, senhores Edis, Eleitos
Locais:
Estão todos ao
serviço dos construtores civis ou, por uma vez, sem exemplo, dispor-se-ão a estar
ao lado dos consumidores que pagam o que não lembra ao diabo por um
tugúrio para não poder reclamar das desconformidades nos imóveis com
que são brindados?
E, como remate, que
as férias vos tragam lucidez, por uma vez, e mudem lá a garantia, agora de 5
para 10, que não como Vera Jardim [presidente do grupo parlamentar Socialista,
ao tempo] que no anteprojecto da Lei de Defesa do Consumidor de 96, do alto do
seu iluminado poder, cortou os 10 que lá estavam (no artigo 4.º) e passou-os a
5…
Claro que com
aliados tão fidedignos, como estes, os construtores menos probos rejubilam!
E os mais, os
probos, os rectos, os verticais,
estrebucham porque a ausência de qualidade é alicerce de uma
concorrência desleal…
Há quem construa
para a vida, mas há muito quem se “dedique” a construir para meses ou para anos
(curtos…)! E, esses, levam seguramente vantagem!
Mário FROTA
apDC – DIREITO DO CONSUMO -
Coimbra
Projecto com o apoio do Fundo do Consumidor