terça-feira, 31 de agosto de 2021

O VALOR DAS COISAS: um ‘corta-unhas’ “rombo” vale para o direito o mesmo que um ‘imóvel de longa duração’?


A garantia das coisas móveis duráveis está em vias de se reforçar no âmbito do direito português: passa de dois para três anos.

E no que toca a recondicionados, a garantia será também de três anos.

Já no que se prende com os usados (sem os artificialismos empregues no Brasil com a estafada fórmula dos “semi-novos”…), a garantia estabelece-se de análogo modo nos três anos, mas confere-se às partes a prerrogativa de a negociarem, em função naturalmente do estado de conservação e de funcionamento da coisa, não podendo, porém, baixarem-na dos 18 meses.

No mínimo, pois, a garantia dos usados, por acordo, será de 18 meses.

Como inovação, porém, a norma segundo a qual por cada uma das reparações nas coisas móveis duradouras  acresce uma garantia de seis meses.

Todavia, o que tange aos imóveis,  a garantia é deixada intocada pelo projecto de diploma em discussão.

 O que quer significar que a garantia se fixa em cinco anos. E nem sequer há extensão, à semelhança dos móveis, por cada uma das intervenções…

Um “corta-unhas”, por exemplo, se acaso tiver quatro intervenções em razão das suas desconformidades, fica com uma robusta  garantia de 5 anos… Mais robusta que a própria coisa!

Um imóvel para a vida, um imóvel de longa duração não tem mais que os 5 anos de garantia… à semelhança, aliás, da garantia  de um “corta-unhas” rombo que haja sido submetido a  quatro intervenções  pelas deficiências que apresenta!

O comum dos mortais, como o disse noutro escrito,  paga 5 casas à banca, se tiver obtido um crédito hipotecário e, no fim, só fica com uma, para tanto desfrutando de uma garantia miserável como se a coisa fosse descartável, de papelão ou contraplacado! … 

Ou andou a poupar, com um inaudito sacrifício, durante toda a vida, para poder pagar a casa a a pronto… e nisso derreteu todas as suas esforçadas economias… mas sem a segurança de a ter íntegra e sólida, que a garantia é rala e não protege minimamente! Isto se, entretanto, após uma levada de construções o construtor civil não se der à insolvência, frustrando desde logo a simples actuação da garantia por menor que seja a infiltração de humidade registada logo no quarto em que dorme a criança…

Em Portugal, o Supremo Tribunal de Justiça – cai não tentes… - mostrou-se pusilânime na aplicação das regras cabíveis  no que se prende com a garantia dos imóveis de longa duração:

. ou os seis meses das coisas defeituosas, em que o Código Civil não distinguia emtre coidas móveis e imóveis;

. os ou cinco anos aplicáveis aos imóveis no regime da empreitada civil.

Ou caía no artigo 916 do Código Civil, antes da modificação operada em 1994, ou deixava-se acolher pelo artigo 1225 com que tal acervo brindava o dono da obra nas empreitadas.

Ora, o artigo 916, ao tempo, rezava (uma “reza” com dúbias convicções para quem ousasse aplicar o preceito a imóveis de longa duração):

(Denúncia do defeito)

1. O comprador deve denunciar ao vendedor o vício ou a falta de qualidade da coisa, excepto se este houver usado de dolo.
2. A denúncia será feita até trinta dias depois de conhecido o defeito e dentro de seis meses após a entrega da coisa.

 

Já o artigo 1225 com a rudeza de quem mete as mãos na “massa, rugia:

“se a empreitada tiver por objecto a construção … de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração e, no decurso de cinco anos a contar da entrega…, a obra, por vício do solo ou da construção … ou por erros na execução dos trabalhos, ruir total ou parcialmente, ou apresentar defeitos, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra ou a terceiro adquirente.”

O Supremo Tribunal de Justiça, chamado a pronunciar-se, em dada altura, acerca da orientação que haveria que perfilhar doravante perante decisões divergentes por si mesmo vertidas em concretas espécies de facto submetidas a julgamento, veio por acórdão de 10 de Dezembro de 1996 (já depois da mudança operada por lei) propender peremptoriamente a considerar que a garantia, nestes casos, já que onde a lei não distingue (móveis /imóveis…) não deve o intérprete fazê-lo, era de seis meses tanto para móveis como para imóveis...

Choveram impropérios a propósito de uma tal tese que, na altura, o menos que cognominada fora, foi de “conservadora”.

O articulista Francisco Teixeira da Mota dizia no “Público” – jornal de grande difusão editado em Lisboa e no Porto -, no 1.º de Fevereiro de 97, a tal propósito:

“Com um período de seis meses…, muitas vezes, quando se dava pelas infiltrações de humidade com as chuvadas de inverno, já não era possível reclamar!”

Os Conselheiros que votaram o acórdão de uniformização de jurisprudência teriam parado no tempo. Outros rebelaram-se fragorosamente, citando o jusfilósofo Cabral de Moncada: o saudoso Cardona Ferreira, com quem privámos amiúde nas andanças do “arrendamento urbano” e Sousa Inês, para além dum Lopes Pinto.

De há muito que propugnamos pela garantia decenal (10 anos)… no mínimo)!

Helena Roseta, ao tempo bastonária da Ordem dos Arquitectos, dissera algures, numa reunião científica, que uma estrutura imobiliária que não durasse, ao menos 50 anos, não seria estrutura, não seria nada!

Cinco (5) anos de garantia para um imóvel é nada!

O Estado, que legislou em proveito próprio, no Código dos Contratos Públicos, de início seguiu a moda dos 5 anos, que a Lei de Defesa do Consumidor também consagrara pelo corte de 10 do anteprojecto para os 5 do projecto que se aprovara em 1996, mas de imediato grafou uma outra regra  com uma garantia mais ampla, mais extensa que reza assim (Código: n.º 2 do artigo 397):

“O prazo de garantia varia de acordo com o defeito da obra, nos seguintes termos:

a) 10 anos, no caso de defeitos relativos a elementos construtivos estruturais;

b) 5 anos, no caso de defeitos relativos a elementos construtivos não estruturais ou a instalações técnicas;

c) 2 anos, no caso de defeitos relativos a equipamentos afectos à obra, mas dela autonomizáveis.”

Parece que toda a gente ignora estas profundas assimetrias no âmbito do direito, em Portugal.

Por nós, com excepção do que se encerra na alínea c), os 10 anos têm de cobrir tudo…

Daí que há semanas tivéssemos ousado dirigir-nos aos políticos que se acantonam nos diferentes quadrantes da vida pública, em Portugal, com uma exortação do teor seguinte:

“Senhores Ministros, secretários de Estado, deputados da Nação, senhores Edis, Eleitos Locais:

Estão todos ao serviço dos construtores civis ou, por uma vez, sem exemplo, dispor-se-ão a estar ao lado dos consumidores que pagam o que não lembra ao diabo por um tugúrio para não poder reclamar das desconformidades nos imóveis com que são brindados?

E, como remate, que as férias vos tragam lucidez, por uma vez, e mudem lá a garantia, agora de 5 para 10, que não como Vera Jardim [presidente do grupo parlamentar Socialista, ao tempo] que no anteprojecto da Lei de Defesa do Consumidor de 96, do alto do seu iluminado poder, cortou os 10 que lá estavam (no artigo 4.º) e passou-os a 5…

Claro que com aliados tão fidedignos, como estes, os construtores menos probos rejubilam!

E os mais, os probos, os rectos, os verticais,  estrebucham porque a ausência de qualidade é alicerce de uma concorrência desleal…

Há quem construa para a vida, mas há muito quem se “dedique” a construir para meses ou para anos (curtos…)! E, esses, levam seguramente vantagem!

 

Mário FROTA

apDC – DIREITO DO CONSUMO - Coimbra


 Projecto com o apoio do Fundo do Consumidor

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