...ou tão só neste “jardim
à beira-mar plantado”*?
“Vai fermosa e não segura…”
“No contrato
de seguro de responsabilidade civil automóvel que contratei figura uma cláusula
segundo a qual terei direito a que me cedam um automóvel de substituição sempre
que ocorra uma avaria.
O certo é
que tive, é facto, uma avaria e vi-me em palpos de aranha para conseguir que o
seguro fosse actuado. Disseram-me da seguradora, desde logo, que antes de dois
dias não teria acesso ao veículo de substituição. E, depois, criaram-me
tamanhas dificuldades por causa da perícia a que um técnico procederia na
oficina a que vou regularmente, que fiquei sem jeito. E, o que é mais,
revoltado por, afinal, não ter direito àquilo que julgava ser direito meu.
Ninguém me esclareceu as voltas intermináveis que teria de dar e, menos ainda,
que ficaria privado do automóvel por dois ou mais dias, o que me obrigaria a
despesas outras de deslocação, etc. No momento da assinatura do contrato
ninguém me deu a saber nada disto. E espanta-me que isso seja o normal.
O que fazer
nestes casos?”
Com
procedimentos destes, nem sempre o “seguro
morre de velho”!
A manifesta ausência de cultura empresarial, a
vários títulos e a diferentes níveis, redunda sempre na denegação de direitos cobertos pelas apólices de seguro. E em
manifesto prejuízo do segurado.
Claro que se
frustra o direito se o veículo de substituição chegar às mãos do segurado
depois de efectuada a reparação, de nada servindo na circunstância.
Certo que as
seguradoras se têm de acautelar perante a hipótese de fraudes que, por vezes,
ocorrem.
Mas os
procedimentos têm de ser ajustados à natureza do direito que cumpre acautelar.
E com a rapidez que as situações requerem.
Sempre que
as seguradoras, consoante os casos, se propuserem criar dificuldades, levantar
obstáculos, opor barreiras à consecução do direito, impor formalidades
supérfluas ou que, de acordo com a situação, se mostre não se justificarem,
incorrem em práticas negociais desleais, na modalidade de práticas agressivas,
conforme a Lei das Práticas Comerciais
Desleais de 26 de Março de 2008.
Com efeito,
tal lei, na alínea d) do seu artigo 12, estatui que se consideram agressivas,
em qualquer circunstância, as seguintes práticas:
“Obrigar
o consumidor, que pretenda solicitar indemnização ao abrigo de uma apólice de
seguro, a apresentar documentos que, de acordo com os critérios de
razoabilidade, não possam ser considerados relevantes para estabelecer a
validade do pedido, ou deixar sistematicamente sem resposta a correspondência
pertinente, com o objectivo de dissuadir o consumidor do exercício dos seus
direitos contratuais.”
Para além de
sanções acessórias previstas, as seguradoras – por se tratar de ilícito de mera
ordenação social – ficam sujeitas a coimas que oscilam ainda entre os 3.000€ e
os 44 891,81€.
De assinalar
que o montante das coimas vai ser afeiçoado a todos os mais domínios dos
ilícitos de mera ordenação social, mas tal regime só entrará em vigor daqui a
uns meses.
A reclamação
deve ser efectuada, em livro, disponível na própria Seguradora, ou no Livro de Reclamações Electrónico,
segundo instruções dele constantes.
Para além do
Livro de Reclamações e do
conhecimento que a ASF - Autoridade de
Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (antigo Instituto de Seguros de
Portugal), tomar do que, por via disso, nele se lavrar, poderá ser feita
directamente uma denúncia a tal entidade para que aja, mandando instaurar os
autos, carreando os meios de prova e aplicando as sanções cabíveis de harmonia
com a lei.
Entendemos
que sempre que ocorram hipóteses semelhantes, devem os consumidores agir
consequentemente para que violações do jaez destas não passem em claro,
reclamando, denunciando, não ficando de braços cruzados, para que tudo se
acerte e as coisas melhorem.
Não se
ignore esta velha máxima:
“A qualidade é função da exigência
dos consumidores”!
A negligência do consumidor é
cúmplice e inculca sempre na contraparte a convicção de que é vantajoso
infringir! E, o que é mais, tem repercussão nos eventos futuros.
E já agora
(como desafio aos fornecedores e a
quantos se subsumem nessa posição) uma máxima, que deve ter ido para o Brasil
no bojo das naus de D. João VI e é lembrada em muitas das paragens desse imenso
e amado País-Continente:
“Quem não é competente não se
estabelece”!
Mário Frota
apDC – DIREITO DO
CONSUMO - Coimbra
*“Jardim à beira-mar plantado” é expressão de feição poética que
muitos atribuem a Luís de Camões, o Vate, o Príncipe dos Poetas Portugueses,
mas não. Pertence a Tomás Ribeiro (1831-1901) – ele, sim, como diz Jorge
Correia, de nítida inspiração camoniana:
«Jardim da Europa à beira-mar plantado
de loiros e de acácias olorosas;
de fontes e de arroios serpeado,
rasgado por torrentes alterosas,
onde num cerro erguido e requeimado
se casam em festões jasmins e rosas,
balsa virente de eternal magia
onde as aves gorjeiam noite e dia.»