Projecto
de Lei n.º 37/XIV/1.ª
Partido
Comunista Português
Estabelece
medidas de promoção da durabilidade e garantia dos equipamentos para o combate
à obsolescência programada
Exposição
de motivos
O consumo predatório e não planificado democraticamente
dos recursos naturais e a introdução na Natureza de uma carga poluente superior
àquela que, em muitos casos, os ciclos naturais são capazes de absorver ou
neutralizar, têm vindo a caracterizar o desenvolvimento do modo de produção actual.
Uma das formas de os grupos económicos aumentarem os
lucros, além do corrente aumento da taxa de exploração sobre os trabalhadores,
é a do incremento do volume de vendas.
Em vários produtos utilizados comummente estão a ser
introduzidas pelo produtor – os grandes grupos económicos – características que
provocam a obsolescência do produto em data anterior àquela que a tecnologia e
os materiais actualmente disponíveis permitem.
A melhoria de várias técnicas e a descoberta de novos
materiais permitiriam produzir utensílios e dispositivos cada vez mais
eficientes e duradouros. No entanto, verifica-se exactamente o contrário. A
investigação e desenvolvimento das grandes empresas, principalmente dos grandes
grupos económicos, tem vindo a concentrar-se na obtenção de métodos visando a obsolescência de produtos sem
qualquer outro motivo senão o da oferta de um seu substituto com custos para os
consumidores e a Natureza que se avolumam.
Os afirmados objectivos dos planos para a economia
circular, além da insuficiência ou mesmo desacerto das medidas tomadas pelo
Governo, confrontam-se com a avidez dos grandes grupos económicos e acabam por
ser utilizados para uma ainda maior concentração de lucro.
Ou seja, no essencial, acabam por se constituir
fileiras de carácter circular apenas nos segmentos passíveis de apropriação
privada do lucro.
Estima-se que os custos
da obsolescência programada ou da pequena durabilidade de alguns utensílios
e dispositivos são sensíveis não apenas no consumo exacerbado de recursos naturais
e de serviços de reciclagem e tratamento de resíduos, como também no plano da
emissão de gases com efeito estufa. A título de exemplo, para utilizar os dados
mais recentes, recolhidos pelo EEB (European
Environmental Bureau) – uma rede de ONG de Ambiente sediadas no espaço
europeu, um aumento de um ano no prazo
de vida de telefones portáteis, aspiradores, máquinas de lavar roupa e
computadores portáteis, poderia representar uma diminuição de 4 milhões de
toneladas de Dióxido de Carbono - equivalente nas emissões. De acordo com os
estudos desse Gabinete, o tempo de vida útil de um smartphone – a título de
exemplo – para que se pudesse dizer em relativo equilíbrio com os ciclos
naturais e humanos de reposição de recursos – deveria situar-se entre os 25 e
os 232 anos. Actualmente, o tempo de vida útil de um smartphone é de 3 anos.
Os custos ambientais e económicos desta discrepância são gigantescos e
incomportáveis. A potência computacional de um pequeno aparelho com telefone é
hoje capaz de realizar facilmente a esmagadora maioria das tarefas. No entanto,
os próprios produtores introduzem mecanismos vários – quer no hardware,
quer no software – para impedir a realização plena das capacidades do
dispositivo no longo prazo.
A resistência e
durabilidade dos materiais está
programada para cumprir um mínimo de utilizações, bem como a própria
programação de uma boa parte dos aparelhos que fazem uso de software
contém linhas que tornam o dispositivo menos eficaz e mais lento ao
longo do tempo. Por outro lado, muito software – mesmo excluindo os jogos
de vídeo – é produzido com cada vez mais exigências de hardware para que, no
entanto, realizem o mesmo conjunto de tarefas com eficácia semelhante. Os
sistemas operativos dos vários dispositivos electrónicos são disso exemplo.
Apesar de não apresentarem diferenças assim tão significativas ao longo do
tempo e de em muitos casos essas diferenças se limitarem a estética, são cada
vez mais exigentes do ponto de vista do hardware, gerando um consumo
encadeado de software e hardware em exagero e acima das
reais necessidades.
A sobreprodução
está intimamente ligada ao consumo
excessivo de recursos naturais, mas também é causa e simultaneamente
consequência concreta das grandes crises capitalistas, das bolhas especulativas
que as antecedem e dos colapsos financeiros que as caracterizam.
Não é razoável, nem justo que sejam concentrados
esforços sobre os hábitos de consumo das populações sem que sejam exigidas
normas mínimas de combate à obsolescência aos grandes produtores
de bens. Colocar a escolha única e exclusivamente do lado do consumidor não
assegura o fim da produção desnecessária, nem responsabiliza o lado da oferta,
na medida em que visa apenas criar um novo mercado para elites económicas
(supostamente consciente e justo – o chamado conscious) enquanto
mantém para a generalidade dos consumidores o mercado pré-existente.
A moda de produção “ecológica” não corresponde a
nenhuma alteração de fundo do modo de produção, mas sim à criação de um novo
nicho de mercado, praticamente sem regulamentação e fiscalização em que é o
próprio produtor que estabelece o que é ou não conscious, justo ou
ecológico. Da mesma forma, não é razoável nem justo que se combatam no
território nacional explorações de recursos necessários para alimentar as
necessidades de exploração de recursos naturais exacerbadas pelo modo de
produção capitalista, sem ir a montante do problema e sem combater o fim de
vida útil programado dos bens de consumo.
A indústria comandada sob as regras do modo de
produção capitalista não incorpora os avanços científicos capazes de menorizar
os seus impactos no globo e na saúde dos seres humanos, mas sim, as descobertas
científicas que lhe permitem aumentar o lucro.
É pois urgente criar normas e regras que sobreponham
os valores da saúde, do bem-estar e do equilíbrio entre o Ser Humano e a
Natureza à ganância e voracidade dos grandes grupos económicos.
A utilização do design é igualmente determinante. Ao
invés de serem criadas peças com vista à maximização do número de utilizações e
à plena concretização do fim a que se propõem, a apropriação capitalista das
capacidades do design, aplica-o na produção de aparelhos em que os elementos
estéticos se sobrepõem ao valor de uso e limitam objectivamente a durabilidade
do artigo, por imposição de mercado e pela constante
criação de novas vagas de
design, cuja diferença para o anterior é, muitas vezes, também meramente
estética. Mas outras práticas ainda mais simples são utilizadas pelos grandes
grupos económicos. Por exemplo: a simples
eliminação da utilização de baterias substituíveis nos telemóveis e a sua substituição por baterias incorporadas;
a utilização de peças incorporadas e praticamente insubstituíveis manualmente
em inúmeros electrodomésticos e outros dispositivos, entre muitas outras
técnicas.
É hoje possível apurar o
custo médio por utilização de um bem. Ou seja, é importante ter em conta que o
preço global de um dispositivo ou bem, não aponta necessariamente para o preço
real da utilização. Imaginemos um carro que custa o mesmo que um outro, mas que
está programado – pela electrónica e pelos materiais utilizados – para ser
capaz de percorrer apenas metade dos quilómetros. Isso significa que o preço
médio por utilização desse carro é, na verdade, o dobro do do outro. Assim, a
ciência e a técnica podem ser também colocadas ao serviço da melhoria da percepção
pública do preço de um bem e também ao serviço do aumento da longevidade dos
bens. Também a exigência legal que é colocada sobre cada mercado pode impedir
os custos crescentes da obsolescência programada. Claro que o capitalismo é
incompatível com a boa e racional utilização dos recursos naturais, na medida
em que lucra com a sua destruição e apropriação, no entanto, cabe ao Estado
limitar essa avassaladora concentração de lucros e proteger os consumidores e
trabalhadores das práticas que são lesivas dos interesses comuns.
O presente projecto de lei
pretende introduzir normas que actuam essencialmente sobre os produtores e o
Estado.
De acordo com os estudos
realizados, a aprovação de regras que estendessem a longevidade – apenas de
alguns dos dispositivos – em 5 anos
no espaço da União Europeia representaria a diminuição de 12 milhões de
toneladas anuais de equivalente-CO2. Se essa intenção fosse alcançada, isso
seria equivalente a retirar quase 15 milhões de veículos movidos a combustíveis
fósseis das estradas.