quarta-feira, 12 de novembro de 2025

E se o contrato é porta-a-porta que importa se “Inês é morta”?

 


“Um toque suave, um indivíduo bem apessoado, de cativante linguagem e com uma proposta para reduzir a minha factura de energia eléctrica.

Uma prosa prolongada. Nem sempre fáceis de digerir os termos.

Quando concluiu, pedi-lhe naturalmente que me deixasse o escrito com as cláusulas do contrato para ponderar e que passasse noutro dia para saber se, afinal, eu aceitava tais termos e condições.

Um não peremptório! Que o contrato só me viria a parar às mãos uma vez assinado pela responsável sectorial da Goldenergy.

Ainda tentei argumentar sem resultado. Pior para ele: não assinei o contrato.

Não tenho de conhecer previamente as cláusulas de um contrato em que nada posso mudar porque de antemão redigido?”

 

Com efeito, é algo que parece normal segundo a sã razão das coisas.

E as leis vão nesse sentido.

A dos Contratos de Adesão (A Lei das Condições Gerais dos Contratos) diz expressamente no seu artigo 5.º:

§  As cláusulas… devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou aceitá-las.

 §  A comunicação far-se-á:

 o   de modo adequado e

 o   com a antecedência necessária

para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento

o  completo e

 o  efectivo

por quem use de comum diligência.

 

Por conseguinte, tem toda a razão a consumidora ao exigir do comissionista da empresa que deixasse o clausulado do contrato para o estudar ou pedir conselhos a quem “saiba da poda” porque tais contratos vêm, quantas vezes, numa linguagem inacessível – o “juridiquês” – que tem de ser inteiramente descodificado e acautelados os termos a que quem quer se vincule.

No entanto, a atitude do comissionista não faz qualquer sentido e revela notória deficiência formativa.

No entanto, importa dizer que os contratos ao domicílio ou porta-a-porta estão minuciosamente regulados pela Lei dos Contratos à Distância e Fora do Estabelecimento de 2014.

Para além da informação pré-contratual exigida, os contratos têm de ser reduzidos a escrito sob pena de nulidade, os consumidores têm de ficar com um exemplar do contrato em seu poder e dispõem, para ponderação ou reflexão, de 30 dias de calendário (seguidos), dentro dos quais podem “dar o dito por não dito”.

Na generalidade, em contratos do jaez destes (à distância ou fora de estabelecimento) o período de ponderação ou reflexão é de 14 dias. Com excepção dos contratos ao domicílio ou celebrados no decurso de uma excursão organizada pelo fornecedor.

Mas não é tudo.

A lei reza ainda:

“Se o fornecedor… não cumprir o dever de informação [atinente ao período de ponderação ou reflexão de 30 dias], o prazo para o exercício do direito de [retractação] é de 12 meses a contar da data do termo do prazo inicial [de 30 dias].”

Se, no decurso dos 12 meses, o fornecedor cumprir o dever de informação, o consumidor disporá de 30 dias para se retractar [‘dar o dito por não dito’] a partir da data de recepção de tal informação.

Portanto, para o exercício dos direitos é indispensável que haja informação séria, rigorosa, objectiva e adequada. Sob pena de a ignorância triunfar e os direitos irem cano abaixo…

Os consumidores precisam, em geral, de informação como de “pão para a boca” e de contratos cujo clausulado não omita criminosamente direitos para que os possam exercer sem reservas nem restrições.

Esperemos que deste modo os leitores possam, enfim, saber o que de todo o modo lhes é amiúde cerceado. Para que, em circunstâncias tais, possam exercer livremente os seus direitos, sobretudo nestes contratos de adesão.

 

Mário Frota

presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal

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