“RTP: Canal 1 - Informação jurídica aos telespectadores a cargo de uma solicitadora. Colaboração da OSAE. Tema: arrendamento urbano.
De modo displicente assegurava a profissional que o arrendamento para habitação não teria de ser celebrado por escrito, ficando ao “livre arbítrio” dos sujeitos.
Que já fora tempo em que o contrato se “fazia” em Cartório em folhas de papel azul de 25 linhas.
Entre outros informes sem grande rigor, como o dizer-se que a lei fala em “deve, deve, deve, mas isso não são obrigações” porque o contrato fica ao “livre arbítrio” (sic) das partes.
Pergunta inevitável: o arrendamento urbano para habitação não tem de ser celebrado por escrito? Haverá liberdade de forma, ficando tudo à livre discrição dos contraentes?”
Eis o que se nos oferece dizer:
1. Na vigência do Código Civil de 1966, o contrato de arrendamento urbano para habitação era meramente consensual, i. é, não carecia de ser celebrado por escrito, bastava um simples acordo verbal.
2. Com uma excepção, porém: os sujeitos a registo (por mais de seis anos) exigiam – e exigem - escritura pública [Cód. Civil: al. a) do n.º 1 do art.º 1029].
3. Em 1974 se estabeleceu que “de futuro [a partir de 17 de Setembro de 1974] os contratos de arrendamento para habitação constarão obrigatoriamente de documento assinado por ambos os contraentes” [DL 445/74: art.º 14]
4. Em 1976 se reconheceu ao arrendatário a faculdade, em caso de inexistência de título, de optar entre nulidade ou validade do contrato: prevalecendo-se da validade, poderia, para o efeito, lançar mão de qualquer meio de prova; a inobservância do escrito presumia-se imputável ao locador e a respectiva nulidade só seria invocável pelo locatário [DL 188/76: art.º 1.º].
5. Em 1986 consagra-se disciplina em tudo análoga à de 1976 [DL 13/86: n.º 1 do art.º 1.º]
6. Em 1990, a exigência de escrito particular para os arrendamentos para habitação mantém-se: a inobservância da forma escrita só é suprível pela exibição do recibo de renda [DL 321-B/90: n.º 1 do art.º 7.º]
7. Em 2006, revoga-se a legislação até então vigente e torna-se ao Código Civil (reposição, com alterações, dos art.ºs 1083 a 1120): “O contrato de arrendamento urbano deve ser celebrado por escrito desde que tenha duração superior a seis meses “ [Código Civil: art.º 1069].
8. Em 2012, a redacção sofreu nova alteração: “O contrato de arrendamento urbano deve ser celebrado por escrito” [Cód. Civil: art.º 1069, modificado pela DL 31/2012, de 14 de Agosto].
9. Em 2019, aditou-se um n.º 2: ”Na falta de redução a escrito do contrato de arrendamento que não seja imputável ao arrendatário, este pode provar a existência de título por qualquer forma admitida em direito, demonstrando a utilização do locado pelo arrendatário sem oposição do senhorio e o pagamento mensal da respetiva renda por um período de seis meses” [Cód. Civil: art.º 1069, com a recomposição e o aditamento do DL 13/2019, de 12 de Fevereiro].
10. Quando a lei estabelece deveres, os contraentes estão sujeitos à sua observância. Sob pena de consequências algo gravosas como a declaração de nulidade ou a sujeição a sanções outras que só castigam quem as não respeite.
EM CONCLUSÃO:
a. Na vigência do Código Civil de 1966 o contrato de arrendamento era meramente consensual, ou seja, bastava o acordo verbal dos contraentes.
b. Desde 17 de Setembro de 1974 que o contrato de arrendamento para habitação está sujeito a forma legal: mero escrito particular.
c. Na versão actual do arrendamento urbano constante do Código Civil subsiste uma tal exigência: o contrato deve ser celebrado por escrito (n.º 1 do art.º 1069).
d. Se por facto do arrendatário se não reduzir a escrito o contrato, pode o arrendador declarar a nulidade do contrato por falta de forma (Cód. Civil: art.º 220).
e. Se o facto for imputável ao arrendador, o arrendatário para se prevalecer do contrato poderá prová-lo por qualquer meio, mostrando que, sem oposição, detém o gozo da coisa, cumprindo-lhe, ademais, exibir os comprovativos do pagamento mensal da renda de seis meses (Cód. Civil: n.º 2 do art.º 1069).
Tal é, salvo melhor juízo, o nosso parecer.
Mário Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal

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