Ter-se-á alguém dado conta de que as facturas das comunicações electrónicas vinham muito “apimentadas” tanto pelo débito de chamadas não efectuadas, como pela activação de um dos canais Meo - o “Caça e Pesca” – que jura a pés juntos não haver feito nem ninguém por si, em casa onde só moram dois octogenários.
O facto é que situações destas são recorrentes e constituem grossa violação de preceitos legais vigentes.
1. No vertente caso é de um “serviço-surpresa” que se trata, não encomendado e que exorbita do pacote original: algo que soma valores às parcelas da factura, em patente desvio à legalidade.
2. Desde logo, um CRIME DE BURLA:
“Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa”. (Código Penal: art.º 217).
4. Depois, pelo ordenamento jurídico pátrio, um ilícito de consumo: a LDC – Lei de Defesa do Consumidor (n.º 4 do artigo 9.º)
«O consumidor não fica obrigado ao pagamento de bens ou serviços que não tenha prévia e expressamente encomendado ou solicitado, ou que não constitua cumprimento de contrato válido…».
5. Mas tal hipótese está incursa na LEI DAS PRÁTICAS COMERCIAIS DESLEAIS
“É agressiva, em qualquer circunstância e, como tal proibida, a prática que consista em
«exigir o pagamento imediato ou diferido de bens e serviços … que o consumidor não tenha solicitado...» (DL 57/2008: al. f) do art.º 12.º).
6. E o n.º 1 do artigo 28 do DL 24/2014 estatui:
«É proibida a cobrança de qualquer tipo de pagamento relativo a fornecimento não solicitado de bens ou a prestação de serviços não solicitada pelo consumidor (…)».
7. A LDC, no seu artigo 9.º - A, reforça tais proibições:
«1 - Antes de o consumidor ficar vinculado pelo contrato ou oferta, o fornecedor… tem de obter o [seu] acordo expresso para qualquer pagamento adicional que acresça à contraprestação acordada relativamente à obrigação contratual principal do [próprio] fornecedor….
2 - A obrigação de pagamentos adicionais depende da sua comunicação clara e compreensível ao consumidor, sendo inválida a [sua] aceitação quando não lhe tiver sido dada a possibilidade de optar pela inclusão ou não desses pagamentos adicionais.
…
4 - Incumbe ao fornecedor de bens ou prestador de serviços provar o cumprimento do dever de comunicação estabelecido no n.º 2.
5 - O disposto no presente artigo aplica-se à compra e venda, à prestação de serviços, aos contratos de fornecimento de serviços públicos essenciais de água, gás, electricidade, comunicações electrónicas e aquecimento urbano e aos contratos sobre conteúdos digitais.»
8. Tais práticas configuram ainda crime de especulação, previsto e punido pela Lei Penal do Consumo, cuja moldura é a de prisão de seis meses a três anos e multa não inferior a 100 dias (DL 28/84: art.º 35).
10. Para além da burla e especulação com previsão de prisão, ilícitos de mera ordenação social passíveis de coima.
11[MF1] . A Nova Lei das Comunicações Electrónicas de 2022 também o proíbe:
1 - … as empresas [de] comunicações só podem exigir aos [consumidores] o pagamento de bens ou serviços que não sejam de comunicações eletrónicas e não façam parte da oferta que o consumidor contratou, quando estes tenham prévia, expressa e especificamente autorizado a realização do pagamento de cada um dos referidos bens ou serviços, através de declaração em qualquer suporte duradouro.
…
3 - Incumbe às empresas… provar que o [consumidor] autorizou a realização do pagamento dos bens ou serviços de terceiros que lhe hajam sido cobrados, nos termos do n.º 1, sob pena de não lhe poderem exigir esse pagamento ou, no caso de este já ter sido realizado, deverem restituir o valor cobrado.”
Como se vê, há leis em barda.
Estas formas torpes de esvaziar os bolsos dos consumidores exigem consumidores despertos e actuantes. E um Regulador atento e eficiente.
O que está a acontecer é uma roubalheira sem limites!
Mário Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO DO COINSUMO - Portugal

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