sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

CONSULTÓRIO DO CONSUMIDOR

 


CONTRATOS ‘FURADOS’, DADOS PASSADOS, CONTACTOS PERTURBANTES, ILÍCITOS EXTRAVAGANTES

 “Assediado por uma empresa de cobranças por dívida inexistente. E porquê inexistente? Porque após o telefonema nem assinei o contrato nem dei o meu consentimento quer oralmente quer por escrito.  

A empresa de cuidados de saúde cedeu-lhes os meus dados pessoais. E agora perturbam-me sistematicamente, exigindo que pague.

Pelo Natal, até me “ofereceram um presente”: um desconto muito ao jeito da época, espécie remissão parcial da “dívida”.”

Apreciados o factos, eis o que se nos  oferece:

1.       Se o contacto for da iniciativa da empresa, o contrato só se considerará válido se o consumidor o subscrever ou der o seu consentimento por escrito (DL 24/2014: n.º 8 do artigo 5.º).

 2.       Não havendo contrato nem dívidas dele emergentes, nem se pode dizer que a transmissão de dívidas esteja ferida de nulidade pelo não consentimento expresso do consumidor.

 3.       Donde, não ser invocável cláusula absolutamente proibida, em contrato de adesão, já que passíveis de nulidade as que “consagrem, a favor de quem as predisponha, a possibilidade de cessão da posição contratual, de transmissão de dívidas…, sem o acordo da contraparte…” (DL446/85: alínea l) do art.º 18)

 4.       A transmissão de dados pessoais está vedada, nos termos do Regulamento Geral de Protecção de Dados: “o tratamento só é lícito se e na medida em que se verifique pelo menos uma das seguintes situações:

 a)    O titular dos dados tiver dado o seu consentimento para o tratamento dos seus dados pessoais para uma ou mais finalidades específicas;

b)    O tratamento for necessário para a execução de um contrato no qual o titular dos dados é parte, ou para diligências pré-contratuais a pedido do titular dos dados;

c)    O tratamento for necessário para o cumprimento de uma obrigação jurídica a que o responsável pelo tratamento esteja sujeito…” (Reg.to 2016/679: art.º 6.º).

 5.       Constituem contra-ordenações económicas muito graves as violações ao invocado artigo (Lei 58/2019: al. b) do n.º 1 do art.º 37).

 

6.       A moldura sancionatória é a que segue:

6.1.        Grande empresa: de 5.000 a 20 000 000 € ou 4 % do volume anual de negócios, a nível mundial (o mais elevado dos valores),

6.2.        PME: de 2.000 a 2 000 000 € ou 4 % do volume anual de negócios, a nível mundial (idem) (Lei 58/2019: n.º 2 do art.º 37).

 

7.       Além do mais, as “comunicações não solicitadas” (estratégias mercadológicas) carecem de consentimento prévio e expresso do destinatário, desde que pessoa singular, sob pena de ilícito de mera ordenação social (Lei 41/2004: n.º 1 do art.º 13 – A)

 8.       Coima aplicável: de 5.000 € a 5 000 000 €, se perpetrado o ilícito por empresa (Lei 41/2004: al. f) do n.º 1 do art.º 14)

 9.       Considera-se agressiva, em qualquer circunstância, e, por isso ilícita, a prática negocial, a saber,  “solicitações persistentes e não solicitadas, por telefone, fax, e-mail ou qualquer outro meio de comunicação à distância…”, punível como contra-ordenação económica grave  (DL 57/2008: al. c) do art.º 12: n.ºs 1 e do art.º 21; DL 9/2021: al. b) do art.º 18).

 10.   A coima para um tal ilícito depende do talhe da empresa: se micro, pequena, média ou grande (respectivamente, de 1 700 a 3 000 €; de   4 000 a   8 000 €; de 8 000 a 16 000 € e de 12 000  a 24 000 €); para infracções transversais a nível europeu, cálculo com base em 4% do volume anual de negócios, salvo se se não puder apurar, circunstância em que o máximo cifrar-se-á em 2 000 000 € (DL 57/2008: n.ºs 1 e 2 do art.º 21; DL 9/2021: al. b) do art.º 18).

 11.   O assédio é ainda susceptível de constituir crime com prisão até 3 anos ou multa (Cód. Penal: art.º 154-A).

 12.   O consumidor deve lavrar o seu protesto no livro de reclamações electrónico para que a entidade de supervisão no mercado possa agir consequentemente.

 

EM CONCLUSÃO

Constitui ilícito de mera ordenação social, a distintos títulos, contactar de forma obsessiva, assediante um cidadão para que cumpra uma dívida inexistente em razão de contrato por comunicação à distância que não passou dos preliminares, não se tendo, pois, celebrado. No limite, poderá constituir um crime.

 Este é, salvo melhor juízo, o nosso parecer.

 

Mário Frota

presidente da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal

Sem comentários:

Enviar um comentário

CONFERÊNCIA “DA COMPRA E VENDA DE CONSUMO: das bagatelas às coisas que valem ouro

  Viseu 21 de Fevereiro de 2025 17.30   CONFERENCISTA: Prof. Mário Frota   Sabia que a garantia de coisa móvel recondicionada é ...