sábado, 9 de dezembro de 2023

‘Fundos-abutres’ e “corta-garras”…


De uma advogada de Coimbra:

“Na semana passada, deu a saber qual a posição da Ordem dos Advogados a propósito do financiamento, em dados termos, das acções colectivas pelos ora denominados Fundos-abutres. A pergunta que se suscita é a seguinte: proíbe o Estado uma tal prática ou, não a proibindo, permite-a sem quaisquer limites?”

 1.    Excelente a questão, porque terça-feira última (05), em suplemento à I série do Diário da República, veio finalmente a lume o regime da Acção Colectiva constante de uma Directiva europeia de 25 de Novembro de 2020. E aí, com efeito, de modo implícito, o legislador permite um tal financiamento. Só que com limites rígidos.

 2.    Eis o que no DL 114-A/2023 define no n.º 1 do seu art.º 10.º:

“No caso de celebração de acordo de financiamento …, o demandante fornece ao tribunal cópia autenticada do acordo, redigido de forma clara, facilmente compreensível e em língua portuguesa, devendo incluir os seguintes elementos:

a) Uma síntese financeira [com] as fontes de financiamento [destinadas a] apoiar a acção colectiva;

b) As diferentes custas e despesas … suportadas pelo terceiro financiador.”

3. “Sempre que o acordo de financiamento seja objecto de alterações, aditamentos ou convenções adicionais ou acessórias o demandante apresenta ao tribunal … a nova versão.” (n.º 2)

4. O acordo de financiamento deve garantir a independência do demandante e a ausência de conflitos de interesses.

5. “O demandante é independente do terceiro financiador se for exclusivamente responsável [pelas]  decisões [da e na] acção colectiva, … em defesa dos interesses em causa, [a saber,] pela escolha dos mandatários judiciais, definição da estratégia processual e, ainda, [por] intentar, prosseguir, desistir, transigir, recorrer ou não … e, em geral, [nela] praticar ou não …  qualquer acto processual.” (n.º 4)

6.  “O [terceiro] financiador… não pode impor, impedir ou influenciar por qualquer forma [tais] decisões, sendo nulas quaisquer cláusulas em … contrário, nomeadamente as que imponham qualquer autorização ou consulta … antes de uma tomada de decisão ou que associem uma consequência desvantajosa para o demandante à tomada de qualquer uma dessas decisões.” (n.º 5).

7. “O acordo de financiamento … não pode prever uma remuneração do financiador … para além de um valor justo e proporcional, avaliado à luz das características e factores de risco da acção colectiva em causa e do ‘preço de mercado’ (?) de tal financiamento.” (n.º 6).

8. São inadmissíveis as acções colectivas [suportadas por um] acordo de financiamento se, ao menos, um dos demandados … [for] concorrente do financiador ou … entidade [dele] dependente. (n.º 7).

9. Se ocorrer a violação do que precede, cumpre ao tribunal convidar o demandante, em dado prazo, a recusar ou alterar o financiamento de forma a garantir a observância da(s) norma(s) violada(s):  declarará a ilegitimidade activa do demandante se as alterações se não efectuarem. (n.º 8).

10. Se for denegada a legitimidade activa do demandante, tal rejeição não afectará os direitos dos titulares dos interesses em causa, cabendo ao Ministério Público substituir-se ao demandante na prossecução da acção (n.º 9).

 

EM CONCLUSÃO:

a.    O legislador português, socorrendo-se de uma norma supletiva da Directiva “Acção Colectiva” (“caso uma acção colectiva para medidas de reparação seja financiada por um terceiro, na medida em que o direito nacional o permita…”) consente agora, sem rebuços, no financiamento por terceiros das acções de um tal jaez (DL 114-A: n.º 1 do artigo 10.º).

 b.    Ponto é saber se tal norma não viola qualquer preceito constitucional.

 c.    A mancheia de restrições a um tal financiamento tempera os excessos de tantos dos acordos celebrados por instituições que, entre nós, deles se socorriam para instaurar as acções, avantajando os próprios Fundos ávidos de receitas decorrentes das indemnizações arbitradas pelos tribunais.

d.    No limite, se os acordos forem excessivos ou leoninos, a recondução aos termos legais impor-se-á ou perderão a legitimidade processual activa as instituições que se propuserem desencadear as acções colectivas em causa.

 

Mário Frota

presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO -, Portugal

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