consultório
do
CONSUMIDOR
(deveria ter vindo a lume hoje, 03 de Novembro de 2023,
mas naturalmente por falta de espaço não foi publicado)
DÍVIDAS COM BARBAS
NÃO SOBEM ESCARPAS
“Dirigiu-se-nos uma senhora de Lisboa, que jamais teve MEO, interpelada a pagar 2.547€ de dívidas em atraso.
Surpreendida com tão ínvio procedimento, procurou indagar.
A reacção da MEO deixou-a ainda mais perplexa: a dívida remontava ao monopólio de telecomunicações – a PT –, transmitindo-se à MEO.
Em que ano se extinguiu a PT?”
Ante os factos, cumpre emitir opinião:
1. A MEO - Serviços de Comunicações e Multimédia, S.A., do grupo Altice Portugal, foi criada em 18 de Setembro de 2000, após a liberalização do Mercado Fixo de Telecomunicações em Portugal.
2. A Lei dos Serviços Públicos Essenciais, em que as Comunicações Electrónicas se inserem, data de 26 de Julho de 1996 e entrou em vigor em 24 de Outubro de 1996.
3. Sem curar de saber do hiato – entre 10 de Fevereiro de 2004 e 26 de Fevereiro de 2008 – em que com a cumplicidade do presidente da República de então se subtraiu as Comunicações Electrónicas à categoria de Serviços Públicos Essenciais, as regras da prescrição constantes da correspondente Lei são as aplicáveis.
4. A prescrição, em tais serviços, é de seis meses (Lei 23/96: n.º 1 do art.º 10.º).
5. O prazo de prescrição conta-se da data do fornecimento (coincidente com a da regular emissão da factura), anterior a 18 de Setembro de 2000.
6. E, para valer, o consumidor tem de a invocar, judicial ou extrajudicialmente, sob pena de tal lhe não aproveitar. Como manda, aliás, o art.º 303 do Código Civil:
“O tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público.”
7. A prescrição de curto prazo, como é o caso, liberta o consumidor do cumprimento judicial da dívida. A dívida extingue-se. Fica residualmente uma obrigação natural.
8. E obrigação natural é a que se “funda”, como diz a lei, “num mero dever de ordem moral ou social, cujo cumprimento não é judicialmente exigível...” (Código Civil: art.º 402)
9. A prescrição libera o consumidor, por isso se diz liberatória: extingue a dívida enquanto obrigação juridicamente exigível.
10. A prescrição é direito do consumidor. Não se trata de aproveitamento ilícito de uma qualquer situação. É ditada por razões de segurança jurídica. Que se prendem com o equilíbrio dos orçamentos domésticos. E para punir a inacção do fornecedor. Que dispõe de seis meses para cobrar voluntariamente ou propor a respectiva acção de dívida ou requerer a correspondente injunção.
11. Não se ignore que a caducidade do direito de acção é também de 6 meses, o que significa que acção ou injunção proposta para além de tal prazo cai, caduca, não tem sequer pernas para andar (Lei 23/96: n.º 4 do art.º 10.º)
12. E a caducidade é, neste passo, de conhecimento oficioso, isto é, deve o tribunal conhecê-la sem necessidade de invocação pelo interessado por mor da interpretação conjunta dos artigos 10 e 13 da Lei dos Serviços Públicos Essenciais (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03 de Novembro de 2009: conselheiro Paulo de Sá)
13. Sendo, em bom rigor, de conhecimento oficioso, a ‘caducidade do direito de acção’ como que absorve a prescrição que, a não ser invocada, nem mesmo assim deixará de produzir os seus efeitos.
14. Por conseguinte, perante uma tal exigência por via extrajudicial, cabe ao consumidor invocar, à cautela, a prescrição para se sossegar e não tornar a ser incomodado por pretensa dívida que vem (?) de antes de 18 de Setembro de 2 000…
EM CONCLUSÃO
a. Pretensa dívida de contrato celebrado com a PT em período anterior ao da criação da MEO (18 de Setembro de 2000) está incursa na prescrição de seis meses (Lei 23/96: n.º 1 do artigo 10.º).
b. Para valer, tem a prescrição de ser invocada judicial ou extrajudicialmente, consoante os meios usados pelo credor ao qual se transmitiu a dívida (Código Civil: art.º 303)
c. Se, entretanto, for proposta acção ou requerida injunção para pagamento, ainda que não invoque, na sua defesa, a prescrição, a caducidade do direito de acção, que ocorre também em seis meses, é de conhecimento oficioso pelo tribunal, pelo que a acção naufragará (Lei 23/96: n.º 4 do artigo 10.º e conjugação dos artigos 10.º e 13).
Mário Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal
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