(“As Beiras”, Coimbra, edição de 27 de Outubro de 2023)
Ou há aí confusão ou um perturbante ‘grão’ na engrenagem da informação
De um consulente do Cartaxo:
“Quando compramos um artigo, ele tem logo garantia, mal saia a porta, por três anos?
Comprei em 2021 um aspirador numa loja que, entretanto, faliu. O aspirador avariou. Recorri à marca. A marca diz que nada tem a ver com o facto. Que a empresa que faliu é que deve assegurar a garantia. O que posso fazer agora, ficar com o prejuízo?”
A marca também responde
E isso de modo directo
E por que razão se esconde
Desse jeito tão abjecto?
Apreciados os factos, cumpre emitir parecer:
1. Como adquiriu o bem ainda na vigência da Lei Antiga (LA) , a garantia não é de três (3) anos, antes de dois (2) [DL 67/2003: n.º 1 do art.º 5.º].
2. A garantia de três (3) anos só surge com a Lei Nova (LN) que passou a vigorar no 1.º de Janeiro de 2022 [DL 84/2021: n.º 1 do art.º 12].
3. Com efeito, é ao fornecedor que incumbe garantir, em primeira linha, o bem em caso de não conformidade [DL 67/2003: n.º 1 do art.º 3.º].
4. No entanto, tanto no quadro da LA, como no da LN, admite-se excepcionalmente o recurso à acção directa (o voltar-se o consumidor contra o próprio fabricante) se os remédios forem os da reparação ou substituição, que não os da redução adequada do preço e da extinção do contrato com a devolução do bem e a restituição do preço pago [DL 67/2003: art.º 6.º; DL 84/21: art.º 40].
5. Daí que o fabricante, a marca, se não possa eximir às responsabilidades que resultam, no quadro da LA, do que prescreve o seu art.º 6.º, a saber:
“1 - Sem prejuízo dos direitos que lhe assistem perante o vendedor, o consumidor que tenha adquirido coisa defeituosa pode optar por exigir do produtor a sua reparação ou substituição, salvo se tal se manifestar impossível ou desproporcionado tendo em conta o valor que o bem teria se não existisse falta de conformidade, a importância desta e a possibilidade de a solução alternativa ser concretizada sem grave inconveniente para o consumidor.
2 - O produtor pode opor-se ao exercício dos direitos pelo consumidor verificando-se qualquer dos seguintes factos:
a) Resultar o defeito exclusivamente de declarações do vendedor sobre a coisa e sua utilização, ou de má utilização;
b) Não ter colocado a coisa em circulação;
c) Poder considerar-se, tendo em conta as circunstâncias, que o defeito não existia no momento em que colocou a coisa em circulação;
d) Não ter fabricado a coisa nem para venda nem para qualquer outra forma de distribuição com fins lucrativos, ou não a ter fabricado ou distribuído no quadro da sua actividade profissional;
e) Terem decorrido mais de 10 anos sobre a colocação da coisa em circulação.
3 - O representante do produtor na zona de domicílio do consumidor é solidariamente responsável com o produtor perante o consumidor, sendo-lhe igualmente aplicável o n.º 2 do presente artigo.”
6. Persistindo o fabricante na recusa, cumpre ao consumidor dirigir-se ao Tribunal de Conflitos de Consumo territorialmente competente a fim de dirimir o pleito.
7. Como o Cartaxo integra o distrito de Santarém e, aí, não se criou, como sucedeu em tantas outras sedes de distrito, um tribunal de conflitos de consumo, terá de recorrer ao tribunal nacional, com sede em Braga.
EM CONCLUSÃO
a. A garantia de um bem adquirido em 2021 rege-se ainda pela LA: é de dois anos [DL67/2003].
b. O fornecedor responde, em primeira linha, pela não conformidade do bem [DL 67/2003: n.º 1 do artigo 3.º ].
c. Ainda que não tivesse sido decretada a insolvência do fornecedor, o consumidor teria a faculdade de accionar directamente a marca só e tão só para a reparação ou substituição do bem [DL 67/2003: art.º 6.º].
d. A peremptória recusa da marca obrigará decerto ao recurso ao tribunal nacional de conflitos de consumo, sediado em Braga, por não haver no distrito estrutura do estilo [Desp.º n.º 9089/2017 da Secretária de Estado da Justiça (DR, II.ª Série, n.º 199, de 16/10/2017)].
Tal é, salvo melhor juízo, o nosso parecer.
Mário Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal
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