As audições no Parlamento de determinadas entidades acerca do diploma de transposição da Directiva Acção Colectiva do Parlamento Europeu e do Conselho não têm sido, ao que se nos afigura, nada esclarecedoras.
E, além disso, parece esquecerem-se da acção inibitória geral que, instituída em 31 de Julho de 1996, continua, com efeito, por regulamentar.
E curial seria se fizesse
Falar-se de meios de acção que “consumidores isolados” se podem socorrer para fazer valer os seus direitos de massa só pode ser um eufemismo porque a Directiva de 25 de Novembro de 2020 não admite se confira legitimidade aos cidadãos singulares, individualmente considerados, para a propositura das acções, ao contrário do que sucede em Portugal com a acção popular e a acção inibitória geral…
E nem é disso que patentemente se cura.
Ademais importa não confundir acções representativas, acções colectivas e acções populares como se pretende indistintamente fazer…
Há um sem-número der equívocos que importará dissipar!
DAS ACÇÕES COLECTIVAS EM PORTUGAL
(obra de Dezembro de 2006 encomendada pela DGC à apDC)
(Introdução)
A análise da acção colectiva em Portugal não é processo nem simples nem fácil.
Porque – sob a denominação corrente de acção colectiva – se descortinam distintos meios processuais tendentes à tutela de interesses e direitos de dimensão transindividual ou meta-individual.
Como modalidades da acção colectiva em vigor em Portugal, no particular do direito do consumo, deparam-se-nos distintos meios, a saber:
- a acção popular em que, de par com domínios outros, como os da saúde pública, a qualidade de vida, o ambiente, o património cultural e o próprio domínio público, figura também a massa de direitos transindividuais dos consumidores;
- a acção inibitória como meio processual idóneo para a prevenção e a repressão das condições gerais dos contratos apostas em formulários em circulação no mercado e nos demais suportes;
- a acção inibitória cuja consagração em geral decorre da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, a LDC – Lei de Defesa do Consumidor (e que comporta tanto a vertente inibitória “tout court” como a reparatória) ;
- a acção inibitória (stricto sensu) contemplada na Lei 25/2004, de 8 de Julho, em decorrência do que prescreve a Directiva 98/27/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Maio, cujo molde, ao que se afigura, exclui os interesses ou direitos individuais homogéneos, que a LDC abarca expressis verbis.
A acção inibitória que a LDC consagra substituiu o molde da Acção Civil Pública que a LDC de 22 de Agosto de 1981 previu e que, ao longo de 15 anos, nem uma só vez veio a ser adoptada em uma qualquer concreta situação de facto.
A diversidade dos moldes que se ajustam à acção colectiva não é nem satisfatória nem desejável.
A acção popular – no que ora importa -, em conformidade com o que dispõe a Constituição da República no n.º 3 do seu artigo 52 e o n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto, visa a prevenção, a cessação ou a perseguição de acções e omissões susceptíveis de lesar relevantes interesses imbricados na
– saúde pública
– ambiente
– qualidade de vida
– protecção do consumidor ante produtos e serviços disponíveis no mercado de consumo
– o património cultural e
– o domínio público, como se assinalou.
Na medida em que há como que um entrecruzar de modalidades de acções colectivas, assiste-se a um malbaratar de meios e a uma dispersão de instrumentos processuais que a ninguém aproveita.
Ademais, a forma avulsa como se deu expressão aos diferentes instrumentos não permite uma qualquer harmonia na disciplina dos meios, avultando situações algo anómalas que curial seria se esbatessem ou eliminassem.
Na metodologia da obra [Das Acções Colectivas em Portugal], analisar-se-á sucessivamente qualquer das modalidades da acção colectiva: a acção popular não é o molde mais empregue na tutela de interesses e direitos do consumidor, antes prevalece em domínios como os da preservação do ambiente ou da salvaguarda do património cultural; o da acção inibitória em geral (aliás, por regulamentar) não tem, em rigor, expressão; o da acção inibitória em especial é, afinal, o meio de que os legitimados mais se socorrem com o fito de prevenir ou reprimir as cláusulas abusivas que povoam os suportes próprios .
Mas nada imporá que, no ordenamento jurídico-processual pátrio, se continue a assistir às dispersões que ora ocorrem. Para se colher vantagens dos meios propiciados, mister será que se rediscipline um tal domínio – conclusão que pode antecipar-se sem qualquer demérito do que ulteriormente se apurar, criando, em rigor, um meio processual idóneo para tutela dos interesses e direitos transindividuais dos consumidores, seja qual for a modalidade perseguida, de par com um outro, quiçá distinto, imbricado na acção popular, com a configuração actual ou distinta da que a LAP ora contempla.
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