sexta-feira, 1 de setembro de 2023

CONSULTÓRIO do CONSUMIDOR

 


(que deveria ter vindo a lume na edição de hoje, 01 de Setembro de 23, e por razões que nos escapam não apareceu nas páginas do matutino ‘as Beiras’)

 

SARDINHA MAL AMANHADA, ‘JAQUINZINHO’ NA ENXURRADA…

 

“Coimbra: uma insígnia de renome na distribuição ‘agro’-alimentar. Origem: Espanha. Uma ‘banca de peixe’ com espécies de qualidade. Dois cabazes em planos distintos, mas contíguos: um de sardinha, outro de carapau ‘miúdo’, vulgo, ‘jaquinzinhos’. Uma só etiqueta, em dígitos visíveis,  a encimar ambos os cabazes: 4,99 €.

Cliente manda aviar 1 Kg. Na caixa exigem-lhe pela partida de “jaquinzinhos”: 10,99 € / Kg. Protesta: o preço constante do rótulo é de 4,99 €.

Justificação: foi um lapso!

Deve pagar os 4,99 €, constantes do rótulo, ou os 10,99 €, exigidos na caixa?”

 

Enunciada a questão, cumpre apreciar à luz dos preceitos legais em vigor.

 

E se perder a sardinha

De forma mal amanhada

O seu ceptro de rainha

Por de todo mal amada

 

E ceder ao ‘jaquinzinho’

No preço desnivelado

Grafado assim de mansinho

Não colhe por triste fado…

 

1.    A Lei dos Preços de 1990 estabelece no  seu art.º 5.º:

“1 - A indicação dos preços de venda e por unidade de medida deve ser feita em dígitos de modo visível, inequívoco, fácil e perfeitamente legível, através da utilização de letreiros, etiquetas ou listas, por forma a alcançar-se a melhor informação para o consumidor.


3 - Só podem ser usadas as listas quando a natureza dos bens ou serviços torne materialmente impossível o uso de letreiros e etiquetas ou como meio complementar de marcação de preços.

4 - Em qualquer caso, a indicação do preço deve ser feita na proximidade do respectivo bem …, de modo a não suscitar qualquer dúvida ao consumidor.

5 - Os bens … vendidos ao mesmo preço e expostos ao público em conjunto, podem ser objecto de uma única marcação de preço.

6 - Quando o preço indicado não compreender um elemento … essa particularidade deve estar explicitamente indicada.

…”

2.    A aparência conta: ao decidir-se pela compra, o consumidor teve em mira o preço afixado susceptível de abranger as duas espécies piscícolas.

 

3.    Ao exigirem, no acto de pagamento, preço superior, é lícito ao cliente impor que facturem o bem só e tão só pelo preço exposto (a menos que houvesse uma diferença abissal em que ressaltaria à evidência que de erro grosseiro se trataria, não podendo de tal beneficiar).

 

4.    Aliás,  a não afixação do preço da espécie, por negligência, e o facto de ao cliente se não poder exigir montante superior ao exibido, constitui já de si uma “sanção” para o fornecedor por ter de ficar, no caso, com o eventual prejuízo ou menor margem de lucro que a expectável.

 

5.    A cobrança de preço superior ao constante dos correspondentes suportes  constitui crime de especulação previsto e punido na Lei Penal de Consumo (DL 28/84, de 20 de Janeiro : art.º 35):

 

“1 - Será punido com prisão de 6 meses a 3 anos e multa não inferior a 100 dias quem:


c) Vender bens ou prestar serviços por preço superior ao que conste de etiquetas, rótulos, letreiros ou listas elaborados pela própria entidade vendedora ou prestadora do serviço; …


3 - Havendo negligência, a pena será a de prisão até 1 ano e multa não inferior a 40 dias. …”

 

EM CONCLUSÃO

 

1.    A indicação dos preços de venda e por unidade de medida deve constar de todos os produtos de modo visível, inequívoco, fácil e perfeitamente legível, sob pena de ilícito de mera ordenação social passível de coima, sendo que a negligência é punível - DL 138/90: n.º 1 do art.º 5.º; n.º 1 do art.º 11.

2.    Se o preço aposto, de molde a abarcar dois produtos distintos, circunstancialmente próximos, for de 4,99 € / Kg, não é lícito se exija, sob pretexto de ter havido um lapso, o Kg. de um deles a 10,99 € .

3.    Constitui crime de especulação a exigência de preço superior ao aposto, consoante o que na lei figura - DL 28/84: alínea c) do n.º 1do art.º 35.

4.    Se houver prova de negligência haverá uma atenuação da moldura  penal: de seis meses a três anos de prisão e multa não inferior a 100 dias para prisão até um ano e multa não inferior a 40 dias – DL 28/84: n.º 3 do art.º 35.

5.    Constitui já efectiva sanção para a insígnia o perceber um preço inferior ao normal por ter de suportar os prejuízos ou a redução de lucros decorrentes da dispensa dos bens ao preço marcado, inferior ao de mercado.

 

Mário Frota

presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO -, Portugal

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