sexta-feira, 11 de agosto de 2023

Consultório do CONSUMIDOR

 


consultório

do

CONSUMIDOR

(que deveria ter vindo a lume no diário “As Beiras”, de hoje, 11 de Agosto de 2023, mas que por razões que se ignoram não veio)

 

MAU USO DAS NOTIFICAÇÕES, ASSÉDIO NA CALHA…

“Contrato de arrendamento por cinco anos – de 01.09.2013 a 31.08.2018 - com renovações anuais. Contrato cumprido desde a primeira hora.

A 2 de Agosto último,  um agente de execução fez-me assinar um documento do Tribunal de Espinho:

PROCESSO N.º 477/23.6T8.ESP - Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro - Espinho- Tribunal de C. Genérica – Juiz 2

 “Fica notificado de que:

Os requerentes, A e B, consideram resolvido o contrato celebrado em 20 de Agosto de 2013, referente à fracção autónoma…, com fundamento na oposição à renovação do contrato de arrendamento.

Ficam obrigados a proceder, no termo do contrato, à entrega do locado, livre de pessoas e bens, no estado em que o recebeu…”

Aparece então a data de 31.08.2023.

Como reagir à ACÇÃO DE DESPEJO?”

Cumpre apreciar:

1.    Não se trata de ACÇÃO de DESPEJO: resolver ou considerar resolvido o contrato. É erro palmar…

1.1.A resolução pressupõe incumprimento.

1.2.Sem incumprir obrigações e sem citação ou notificação e contraditório, não haverá despejo.

2.    A notificação é de ‘oposição à renovação do contrato’ sem que no caso se observe a antecedência legal.

 

3.    O contrato terminou em 31.08.2018 e renovar-se-ia por um ano e seguintes se o locador lhe não pusesse termo.

 

3.1.No decurso da primeira renovação (2019), o prazo de um ano passou a três: o que terminaria a 31.08.2019 passou para 31.08.2021 (2018 + 3) (Código Civil: n.º 1 do art.º 1096, Lei 13/2019).

 

3.2.Sem oposição à renovação em 2021, renovou-se até 31.08.2024.

 

3.3.Não há fundamento para a não renovação em 31.08.2023 (?!).

 

3.4.A antecedência para a “oposição à renovação” é de 120 dias (Código Civil: alínea b) do n.º 1 do art.º 1097)-

 

4.    Aliás, há já jurisprudência sobre duração inicial e renovações (TR de Guimarães: ac. de 02.02.21):

“II - … ainda que as partes possam convencionar a exclusão … de qualquer renovação, só terão liberdade para convencionar prazo de renovação igual ou superior a três anos, impondo o legislador um prazo mínimo, também imperativo, de três anos.

III - Os contratos de arrendamento, com prazo, para habitação permanente renovam-se automaticamente, por períodos sucessivos de igual duração ou, se esta for inferior, de três anos, em conformidade com o estipulado no número 1 do artigo 1096º do Código Civil.”

5.    Os termos da notificação são dúbios e dessa forma parece pretender-se perturbar a estabilidade do arrendatário e explorar a sua ignorância quando aponta para datas de 20 e 31 de Agosto…, como de saída em concreto;

 

5.1.O facto, aliás, parece configurar “assédio” (Lei 12/2019: art.º 2.º): com uma “ordem de despejo” emanada do tribunal e entregue de supetão para que, do pé para a mão, deixem o locado, está criado o cenário…

 

5.2.“É proibido o assédio no arrendamento…, entendendo-se como tal qualquer comportamento ilegítimo do senhorio, de quem o represente ou de terceiro interessado na aquisição ou na comercialização do locado, que, com o objectivo de provocar a desocupação do mesmo, perturbe, constranja ou afecte a dignidade do arrendatário … ou das pessoas que com estes residam legitimamente no locado, os sujeite a um ambiente intimidativo, hostil, degradante, perigoso, humilhante, desestabilizador ou ofensivo, ou impeça ou prejudique gravemente o acesso e a fruição do locado.”

 

5.3.O assédio é susceptível de importar, consoante os casos, responsabilidade civil, criminal ou contra-ordenacional.

EM CONCLUSÃO:

1.    Um contrato por cinco anos, renovado por um ano e ss, com as alterações de 2019, ter-se- á renovado até 2021 (Cód. Civ.: n.º 1 do art.º 1096)

2.    Sem  oposição à renovação, prorroga-se até 31.08.2024.

3.    É nula a notificação judicial avulsa que, com antecedência de 28 dias, sem formal indicação da data da cessação do contrato, pretende que o locatário entregue a fracção até 31.08.2023, enquanto decorre o período de renovação.

4.    Para que seja válida, cumpre notificar o arrendatário e seu cônjuge, com antecedência não inferior a 120 dias, tendo por  referência 31.08.2024, data em que cessa a renovação (Cód. Civ.: al. b) do n.º 1 do art.º 1097)

5.    Uma notificação cega a causar forte perturbação, como a presente, é susceptível de configurar um ilícito de assédio com a inerente responsabilidade civil, criminal e contra-ordenacional, se for o caso (Lei 12/2019: art.º 2.º).

Eis, salvo melhor juízo, o nosso parecer.

Mário Frota

presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal

Sem comentários:

Enviar um comentário

Estudo sugere integração da saúde reprodutiva nos currículos do secundário em Portugal

  Um estudo europeu sugere que a saúde reprodutiva deve integrar os currículos do ensino secundário em Portugal, revelou hoje uma das inve...